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quarta-feira, 16 de abril de 2025

CRIANÇAS VIVEM UMA NOVA AVENTURA! - Dinah Ribeiro de Amorim

 

 



CRIANÇAS VIVEM UMA NOVA AVENTURA!

Dinah Ribeiro de Amorim

 

A Rua Vitorino era conhecida pelo grande número de crianças que lá viviam. Várias casas residenciais, famílias numerosas, a animavam e movimentavam os dias.

As brincadeiras atraíam as crianças, que passavam o dia nas calçadas, quase sem entrar em casa

Muito levadas, metiam-se em várias aventuras, causando algumas preocupações aos pais, mas, geralmente, eram sossegados, quando as viam sempre juntos. A única advertência e proibição era para não fugirem ao parque deserto, na rua detrás, perigoso e desconhecido.

Muito cheio de mato, árvores copadas, vazio ainda de construções, poderia ter algum bicho estranho ou andante desocupado e desconhecido, perigoso, principalmente para crianças. Às vezes, alguns barulhos aconteciam nas noites, sem saberem ao certo se eram de gente ou bicho.

Melhor não chegarem nem perto.

Fora isso, as crianças brincavam e se divertiam com muita graça e aventuras.

Marcinha, a mais nova, de nove anos, apenas, era a mais novidadeira. Vivia sorrindo, fazendo imitações e gracejos, balançando o corpo e movendo o rosto salpicado de sardas até no nariz. Quando corria, suas tranças ruivas, feitas pela mãe, com esmero, toda manhã, se desfaziam, desmanchadas pelo vento, ao final do dia.

Numa tarde, a criançada inventou de brincar de esconder e Marcinha, muito curiosa, achando-se a mais esperta, cismou de se esconder no parque. Sabia que não seria achada, todos tinham medo de ir até lá. Sentia-se a mais corajosa.

Vai se embrenhando naquele mato proibido e procura uma árvore de tronco grosso para se esconder.

De repente, para assustada, percebe o corpo de um homem deitado no chão, escondido atrás da árvore. Não sabe se dorme ou caiu e, como não se mexe, procura chegar mais perto.

Avista um sangue escuro que lhe escorre do pescoço e, paralisada, dá um grito forte de socorro.

As outras crianças, ao ouvirem, também correm para lá e avistam esse homem que aparenta estar morto.

Paulinho, o mais velho, corre a chamar o pai e avisa-os para não chegarem muito perto do homem. Não sabem o que aconteceu.

A polícia é chamada, peritos isolam a área e levam o homem, já velho, ao hospital. Tentam estancar o sangue do pescoço, que jorra de uma veia.

Ele é colocado numa maca e recebe os tratamentos de praxe, enquanto as crianças são interrogadas, Marcinha, principalmente, sobre o ocorrido.

Mal sabem falar direito o que viram e o susto paralisa até os seus movimentos. Todos quietos, sentados na calçada, assustados e pensativos, imaginam as piores coisas. Em suas mentes entram agora as histórias tristes que leram nos livros ou assistiram nos filmes de aventuras, com monstros, bandidos e fantasmas.

Os pais, preocupados, querem repreendê-los, mas, se não tivessem visto o que viram, como o velho teria sido achado? Ficaram em posição difícil e com dó das crianças pela brincadeira ter acabado mal.

À noite, todas as crianças dormiram no quarto dos pais. Estavam sonolentas, mas amedrontadas, nunca haviam visto, na realidade, uma pessoa morta ou caída, com algum ferimento.

Na manhã seguinte, vários policiais percorrem o parque, estudando seus esconderijos e possíveis cavernas. Nada encontraram, a não ser alguns filhotes de lobos, escondidos atrás do bosque. Com certeza, os pais saíram à caça.

Levaram-nos ao zoológico e avisaram os pais que o homem apresentou, no hospital, sinais de mordidas de lobo, principalmente no pescoço, mas não chegou a morrer. Estavam tentando recuperá-lo.

As crianças, quando souberam disso, ficaram menos temerosas, aliviadas por não haver um crime, mas cientes de que os pais têm sempre razão. O parque tinha lobos e o atacado poderia ter sido um deles. Marcinha não sabe se fez um bem ou um mal, mas na dúvida, ninguém mais brincou na rua Vitorino, por um bom tempo.

O parque logo desapareceu, com construções novas e jardins, e o homem, que quase morreu, aparece, ocasionalmente, para agradecer.

Todos o tratam bem, só Marcinha, que ainda foge quando o avista.

 

 

 

A abelhinha Izzy - Hirtis Lazarin

 

                                                    



                                                                 

A abelhinha Izzy

Hirtis Lazarin

 

Era uma vez, numa floresta encantadora, um urso que morava numa toca acolhedora de uma árvore bem antiga.

Acordou animado numa manhã ensolarada. Sentiu um cheirinho apetitoso de frutas e flores respingadas de orvalho.  Espreguiçou-se demoradamente e contou até vinte.

 

Caminhou por todos os cantos.  Viu passarinhos em bando, coelhos saltitantes cheios de alegria, borboletas de todas as cores e até ajudou uma tartaruga que tentava chegar, mas não chegava. 

 

De repente, o seu nariz grande e aguçado sente um cheiro que foi ficando cada vez mais doce, mais doce… Uma doçura deliciosa. Sua boca não consegue guardar tanta saliva.

 

Vira pra cá, vira pra lá. Procura por todos os lados e descobre a coisa que ele mais ama.  Descobre uma colmeia cheinha de favos de mel pendurada num galho verdinho de folhas.

 

Suas patas enormes e peludas, num gesto faminto e destrambelhado, atingem a colmeia e matam, acidentalmente, todos os filhotes de abelhas. Um desastre horrível.

Foge desesperado, ao saber que seria atacado pelas abelhas-operárias. Já tinha experimentado a dor da ferroada.

 

A única sobrevivente foi a abelhinha Izzy.

 

 

Atordoada e sem saber o que estava acontecendo, busca ajuda da Abelha Rainha.

 

— Abelha Rainha, o que aconteceu? Minhas irmãzinhas estão dormindo?

 Não, meu amor. Elas se foram…

— É igual ao sol? Ele vai embora todos os dias e de manhãzinha ele volta.

— Elas não voltam nunca mais. Todos nós, um dia, vamos morrer. A gente nasce, cresce e depois morre. A gente vai e não volta.

— E pra onde a gente vai?

— Essa pergunta é difícil de responder. Muitos dizem que vamos para o céu. Um lugar cheio de amor e paz. Vamos então pensar que vamos para o céu.

 Estou muito triste porque não as verei nunca mais.

— Eu também estou muito triste. Todos nós ficamos tristes quando perdemos alguém. Isso é natural.

— Posso então chorar?

 

— Claro, minha querida. Todos choram quando alguém vai embora e não volta nunca mais.

— O que faço se eu sentir muita saudade?

— Quando sentir saudade, ficar triste, sentir falta das abelhinhas, você conversa comigo. Conta tudo que está sentindo. Não tenha vergonha, pois sou sua melhor amiga.

— Obrigada, Abelha Rainha.

 

Izzy sentiu-se protegida pela Abelha Rainha e foi dormir.

 

                                                         (Clarice Lispector)

“Morri de muitas mortes e mantê-las-ei em 

segredo até que a morte venha e alguém.

adivinhando, diga:

Esta, esta viveu”.

 

O retorno de Billy - Alberto Landi

 



O retorno de Billy

Alberto Landi

 

O sol se punha atrás das montanhas, lançando sombras bem longas e ameaçadoras sobre o bairro tranquilo de Pearl District, elegante com lojas de luxo, restaurantes e galerias de arte, na cidade de Portland, Oregon.

Billy, um agente do FBI reformado, observava tudo da sua varanda.

Apesar de estar inativo há algum tempo, a vida havia se tornado uma rotina bem monótona, marcada sempre por dias iguais, como peças de um quebra cabeça que não se encaixavam.

Ele sempre foi um homem de disciplina, onde cada detalhe importava. Mas agora com a chegada de uma gang mexicana que aterrorizava os vizinhos, essa ordem estava prestes a desmoronar.

As noites eram preenchidas por gritos e tiros. Ele se lembrava das operações e blitz em que participava, quando a adrenalina corria em suas veias como um rio indomável.

A ideia de que sua comunidade estava sendo desfeita por criminosos ilegais o incomodava profundamente. Ele observava a fisionomia dos vizinhos, pessoas que sempre considerou como parte de sua família, e via o medo refletido em seus olhos.

Certa noite, enquanto observava os jovens da facção se reunindo em uma alameda, uma decisão começou a tomar forma em sua mente.

“Não posso ficar parado, pensou. Se não fizer nada, quem fará?”

A sensação de impotência era como uma sombra que o seguia e ele não podiam permitir que isso continuasse.

Billy voltou à ativa. Sua mente afiada e seu instinto aguçado não haviam desaparecido com a inatividade, estavam apenas adormecidos. Começou a se infiltrar no grupo usando seu conhecimento do crime para se aproximar deles sem levantar suspeitas. Cada movimento era calculado, cada palavra era uma peça de um quebra-cabeça maior.

Enquanto se aproximava deles, percebeu que a linha entre o certo e o errado começava a se desvanecer. A gang não era composta apenas por monstros, eram homens e mulheres desesperados, drogados, moldados pelas circunstâncias e pela vida que levavam.

Billy sentiu um conflito interno crescer dentro dele — como se fosse um campo minado onde cada passo poderia detonar uma explosão de consequências.

Em uma noite fatídica, enquanto se encontrava com o líder em um armazém abandonado, ele sentiu que a tensão no ar era perceptível. As palavras trocadas eram como lâminas afiadas, cortantes e perigosas. O chefe olhou para ele com desdém e disse: 

— Você acha que pode nos parar? Você é apenas um homem idoso tentando reviver glórias passadas.

A raiva borbulhou dentro dele. Sabia que estava lutando não apenas contra eles, mas contra os demônios de seu passado, os erros cometidos durante sua carreira no FBI. A batalha interna era tão intensa quanto à luta externa que enfrentava agora.

Naquele momento ele decidiu agir. Usando seu conhecimento tático e experiência em combate, ele armou uma operação com os poucos aliados que ainda confiavam nele na polícia local.

Combinando estratégias antigas com novas abordagens, ele preparou terreno para um confronto final.

A operação foi lançada sob a luz da lua cheia, as ruas de Portland tornaram-se um campo de batalha. Sons dos tiros ecoavam como trovões em uma tempestade iminente. Ele estava no centro do caos, memórias misturadas com a urgência do momento.

No calor da batalha, ele confrontou o líder novamente. Em meio ao tiroteio e desespero ao redor, Billy percebeu que não era apenas uma luta pela segurança da comunidade, mas sim uma luta pela redenção pessoal.

Precisava provar para si que ainda havia justiça neste mundo tão caótico.

Após uma troca intensa de tiros e confrontos físicos, conseguiu desarmar o chefe e entregá-lo às autoridades. O eco da polícia chegando à cena trouxe alívio para a comunidade assustada.

Com o sol nascendo novamente em Portland, ele olhou para as faces agradecidas dos vizinhos ao seu redor, finalmente sentindo que havia conseguido restaurar alguma ordem ao seu mundo. Mas sabia que essa batalha nunca acabaria completamente, as sombras do passado estariam sempre presentes.

E assim, enquanto o dia amanhecia brilhante sobre o distrito recuperado, Billy entendeu que ser um herói não significava ser perfeito. Mas sim, lutar pelo que é certo, mesmo quando as fronteiras se tornam difusas, como um artista que busca criar com cores vibrantes em vez de se limitar às sombras!

AS TRAGÉDIAS DAS GUERRAS! - Dinah Ribeiro de Amorim


AS TRAGÉDIAS DAS GUERRAS!

Dinah Ribeiro de Amorim

 

Edward era gerente da estação de trens, em Vassenovitch, uma povoação pobre, perto de Varsóvia, na Polônia.

Pessoa calma, bonachona, realizava seu serviço com simpatia e amabilidade, sempre disposta a um dedo de prosa nas horas fora do expediente. Contava piadas e dava gostosas gargalhadas, amassando o uniforme e coçando os cabelos, apertados no chapéu. Parecia querer tirá-lo da cabeça o tempo todo.

Com o início do ano 1940, o país foi ameaçado de entrar em guerra, invadido pela Alemanha, que pretendia dominar o mundo europeu, com a imposição do Nazismo.

Essa situação foi preocupando o sentimento polonês e mudando o otimismo dos seus trabalhadores.

Edward, casado e com três filhos, preocupa-se com a situação e trabalha, agora, incansavelmente, auxiliando os que querem sair da pequena cidade em busca de abrigo em lugares melhores, talvez até sair do país. Ajuda-os em alojamentos e passagens gratuitas, quando possível, para o uso dos trens.

Com agravamento da situação, o trabalho aumenta, tornando-se um grande auxiliar, na cidade, aos defensores dos poloneses. Começa a fazer parte da resistência.

Os trens que passam pela cidade chegam abarrotados de gente. Idosos, famílias com crianças, malas, pacotes, todos foragidos da dominação alemã.

A preocupação torna-se tão grande que só quem passou por essas situações graves pode sentir e comentar.

Os inimigos, cada vez mais perto, começam a investigar os passageiros dos trens, querendo evitar fugas indesejáveis, de cidadãos que se opunham a eles. Necessitavam deles também como apoio, mesmo inimigos. Queriam convertê-los.

Edward conseguia, com dificuldades, falsificar identidades, fotos, itinerários, tudo que fizesse as viagens de trem parecerem normais, até os bilhetes gratuitos ele distribuía.

Mesmo quando eram examinados, as viagens de trens não despertavam a desconfiança de que eram fugitivos.

Sua habilidade tornou-se conhecida entre seus concidadãos e o trabalho teve sucesso, mesmo com o aumento da guerra.

Antecipando que os inimigos chegariam também a invadi-los, cismou, como precaução, de enviar esposa e filhos para uma fazenda, em região oposta, na Lituânia, aos parentes da mulher, que se dedicavam à extração do âmbar, ao norte da Polônia.

Preparou-os bem, arranjou registros de trabalho, disfarçou itinerário, trocou bilhetes, fez tudo de acordo para viajar e fugir com sucesso. Continuaria na sua cidade, trabalhando pelos seus. O coração desprendido e alegre de outrora modificou-se, tornou-se astuto e desconfiado, a serviço dos poloneses.

A polícia alemã invade também a sua cidade e começa a observar e controlar melhor as viagens de trem.

Suspeitavam que poloneses estavam fugindo do país e, para impedi-los, fiscalizam agora os viajantes.

Percebem que muitos cidadãos já foram embora e os trens continuam cheios, a desconfiança aumenta.

Edward, sabedor de todas as notícias, fica sabendo que, para evitar as fugas, os soldados alemães colocam bombas nos trilhos dos trens, evitando, assim, esse aumento de viagens.

Justamente, quando é avisado, o trem com sua família partia. Recebe a incumbência, da parte da resistência, de desativar as bombas nos trilhos.

O homem, em desespero, chama os companheiros e começam a estudar como iriam realizar esse serviço.

Seus cabelos caem, tornando-o careca. Rugas estranhas e precoces rodeiam, agora, seus olhos, preocupados e tristes. Nas mãos, enquanto planeja com os amigos essa atividade secreta, um leve tremor atrapalha seu trabalho em desenhar ou segurar o marcador de itinerários.

Edward perdeu totalmente o gênio brincalhão e as risadas gostosas, é agora um homem extremamente nervoso e enérgico, que, com dedo em riste, dirige-se aos companheiros. O ódio e a raiva o dominam e o medo do perigo faz suar o uniforme antigamente tão limpo.

Sente-se culpado por enviar a família tão longe e como evitar, agora, a explosão das bombas? Não havia imaginado que a maldade inimiga chegasse a tanto. Mas chegou e logo iria além.

Planeja com os companheiros saírem à noite, às escondidas, para percorrerem as viagens pelos trilhos, antecipando cada parada em uma estação.

O difícil seria desativar cada bomba localizada, sem muita experiência com armamentos e utensílios de guerras. Mal haviam feito um breve serviço militar. Essa guerra estúpida pegou-os desprevenidos. Era um povo pacífico, calmo, sem grandes ambições.

Aparece na pequena cidade Leonard, um polonês que vivia na Alemanha, tendo ido estudar arquitetura. Com o início da mudança política, desiste de tudo e volta ao seu país, preocupado com a família e achando que teria paz. Percebendo a preocupação local e a extensão do movimento, inscreve-se também na Resistência.

Leonard, como todo jovem, na Alemanha, teve um treinamento mais rigoroso no exército, como preparação futura. Era uma obrigação de cada estudante. Seu entendimento de armas e bombas ajudou muito os poloneses. Logo é chamado por Edward para auxiliá-los no que estão pretendendo. Participa com eles dos movimentos noturnos e tenta reconhecer como desativar cada bomba encontrada.

O novo amigo da Resistência havia estudado sobre bombas utilizadas nas guerras ocorridas na história, mas esse tipo de bomba que poderiam colocar nos trilhos dos trens, não lançadas, seriam as semelhantes aos terrenos minados, que explodem ao toque, de difícil localização noturna.

Teriam que usar algo ou alguém para percorrer o caminho com eles e causar a explosão. Assim mesmo, o trilho ficaria inutilizado e impediria a passagem de novos trens.

Edward pensa seriamente no assunto e estuda a possibilidade de avisarem os maquinistas para o desvio dos lugares perigosos. Teriam que modificar o caminho dos trilhos com urgência, e isso levaria tempo.

Sua primeira medida urgente foi o cancelamento de qualquer viagem por trem que saísse de sua cidade.

Isso causou espanto aos moradores e despertou a curiosidade e a malícia da polícia alemã já habitada.

Trabalhavam os resistentes continuamente, em surdina, avisando a população de que haviam tido problemas com um trem que descarrilhou, por excesso de peso.

Felizmente, Edward recebe notícias de que sua família conseguiu chegar bem à Lituânia, por meio de outro cidadão polonês que volta à pátria, para ajudá-los. Sente-se aliviado e anima-se ao trabalho noturno, com maior esforço.

Esse trabalho incansável e quase inútil vai progredindo, sem perceberem que a polícia alemã, perspicaz e sabedora do que fazem, deixa-os continuar e fingem não perceber.

Após uns quatro meses de desvio dos trilhos, anunciam o retorno de uma nova viagem. Vendem passagens a pessoas desesperadas para sair dali.

O próprio Edward, confiante, embarca, também, para reunir-se aos seus. Despede-se dos amigos e tenta sonhar com uma nova vida.

Nem bem o trem percorre o novo trilho, há alguns quilômetros da cidade natal, são atingidos por uma forte explosão que danifica e incendeia o caminho, fazendo-os parar e tentar escapar do fogaréu apavorante.

Alguns se salvam e correm, outros não, foi uma bomba chamada fósforo branco, que explodiu, mas não destinada a matá-los, só destruir o caminho.

Edward, ajuda-os enquanto pode, logo sentindo forte dor no peito e asfixia. O esforço com o trabalho, o sentimento de tristeza pelo fracasso, a tragédia dessa guerra ensandecida, o leva a cair pela mata e não levantar mais.

Mais um que falece durante as tragédias das guerras!

 


quarta-feira, 2 de abril de 2025

DILÚVIO - PEDRO HENRIQUE

 



DILÚVIO

PEDRO HENRIQUE

 

     O som do trem rompe o espaço denunciando que ele está perto. Caetano, então sente sua espinha dorsal arrepiar e geme como se pregos penetrassem seu peito quando vê a bomba prestes a explodir pois sabe que o metrô carrega sua esposa com seu filho no ventre.


...



     O alarme incômodo soa pela segunda vez. Caetano rola para a direita recusando-se a levantar. Não quer, ainda, encarar o mundo lá fora. No entanto, na terceira vez ele se vislumbra coagido a tomar uma decisão: ou falta no trabalho ou levanta-se de uma vez por todas. Sendo assim, decide se pôr de pé. 

     Ele desce da cama e se dirige ao lado onde sua esposa está. Aproxima-se silenciosamente pois não quer tirá-la do hiato entre a realidade e o prazer de se estar no vácuo da vida.

    Quando chega a uma distância satisfatória, abaixa-se e sente um prazer inenarrável ao fazer com que seus lábios se encontrem com os dela. Em seguida, passa, calmamente, a mão em sua barriga sentindo um singelo e terno chute de seu bebê.

     Nesse momento, um ínfimo sorriso surge em seu rosto, revelando-te que a vida tem seus paraísos.

    Logo, parte para sua rotina matinal e quando se dá por si está em seu escritório na delegacia.

     A vida de policial nem sempre é fácil. Porém, é a única coisa no mundo que faz a alma de Caetano vibrar genuinamente.

     Desde pequeno seu sonho era levar a vida que hoje tem o prazer de viver. Lembra, quando pode, com saudosa lembrança, do dia que sua professora da turma de alfabetização reuniu todos os alunos em círculo e a cada um empreendeu a pergunta “O que você quer ser quando crescer?”

     Para o azar de Caetano, ele foi o último da roda, portanto teve que conter a ferro e fogo à ansiedade, que incontrolável, peregrinava por suas entranhas.

     Quando a professora, finalmente, lhe fez o questionamento, não teve dúvida: “policial”. Esse era o seu sonho e objeto de maior desejo. A coisa pela qual passara os anos seguintes, sobretudo depois do colegial, a se dedicar a ser.

     Muitos se questionavam o porquê aquele jovem rapaz queria tanto isso, mal sabiam esses que por trás da neblina do bosque existem viscerais mistérios e que por haver a muralha da distância, à nascente não lhes é descortinada.

     Não entenderam? Vou explicar. O pai, a outrora também fora policial. Morreu em uma operação. Porém peço ao leitor calma, a ti em breve será dado a verdade.

    No entanto, saibam que hoje quando, de supetão, uma reclamação pensa em sair da boca de Caetano, ele ceifa-a. Recusa-se a falar mal de tudo que conquistara, até porque só ele e a família sabem da dificuldade que tiveram para que pudesse prestar à prova. Então, reclamar da vida que tem: jamais.

     Porém, todavia, entretanto, ele foi forjado de carne e osso. E a carne, como o próprio Cristo disse, é fraca. E sim, há dias que quer jogar tudo para o alto e correr.

     Hoje, por exemplo, é um desses dias. Estava degustando da paz de ficar quieto quando foi convocado para ir à casa de um dos criminosos mais perigosos da cidade.

     A princípio quando ouviu o nome do sujeito as pernas bambearam, pois lembrou-se do pai e do dia que o levara em uma caixa preta para ser envolvido pela terra por culpa desse indivíduo.

     Foram oito balas que ele utilizou para exterminar o homem que, quando pequeno, Caetano chamava de herói.

     Sendo assim, sentiu medo de ir. Medo não do que o sujeito pudesse fazer contra sua vida. Seu temor era em relação a si.

    Sabia que não conseguiria conter a vingança. Assim que seus olhos cruzassem com os dele, não haveria volta. Socaria seu rosto até sentir o sangue quente escorrer. 

     “Não vou”. Disse ao superior, que por sua vez, possuído de toda incompreensão, afirmou que aquilo era trabalho e que se ele não sabia fazer a dicotomia de vida profissional e vida pessoal era para ir embora.

     Caetano que não se intimida diante das más respostas, já se articula para dizer tudo e mais um pouco ao chefe, todavia, uma recente e delicada memória corta sua raiva e lhe diz para se acalmar.

     Essa lembrança pertence a hora que se levantara, mesmo sem vontade, e sentiu seu anjinho se movimentando na barriga daquela que desposara há dez anos.

     Sim, leitores, acredito que agora entendam o porquê desse bebê ser tão precioso. É o oitavo de muitas desilusões e lágrimas.

     Entretanto, não falemos do trauma. Pensemos no hoje, porque o hoje é alegre, ou ao menos era antes de seu superior o obrigar a ir com ele e a equipe efetuar a prisão daquele que lhe mostrou que o mundo não passa de um altar onde a dor e a morte são glorificadas.

     Além disso, há mais raiva ainda quando recorda que o infeliz foi inocentado mesmo com todas as provas apontando que ele era o culpado. Mas soube que no final das contas o medo reinou no coração daqueles que se proclamam agentes defensores da justiça. Quem seria o corajoso de mandar para prisão Delci Bezerra?

     Nem o diabo ousa o assombrar. De todas as histórias mais macabras de tortura, só para o leitor compreender, encontra-se a de quando a polícia construiu uma operação para o capturar, o porém da narrativa é que eles não tinham provas, como a família de Caetano também não teve.

     Sobre a história, saibam que está relacionada ao irmão do criminoso, que para seu azar, animou-se em contribuir com a polícia. Síntese dos fatos? Bezerra conseguiu fugir e passando-se três meses após o conflito o irmão desapareceu, foi encontrado em uma lata de lixo com a língua arrancada, contudo o mais curioso é que acharam pequenos cacos de vidro perfurando sua boca, garganta e estômago.

     Acredito que o leitor possa inferir o que ocorreu, não é mesmo?

     Portanto, todos, da criança que grita enlouquecida na praça ao idoso que aguarda a passagem do tempo na cadeira em frente à sua casa, sentem o coração ganhar elevada aceleração em seus batimentos ao ouvir o nome “Delci Bezerra.” Mas voltemos os desdobramentos disso que vos escrevo.

     Caetano desce do carro e segue todo o protocolo posto pelo delegado. Os policiais entram na casa e muito tiro é ouvido pelas sofridas almas que ao redor residem.

     Oito dos homens que trabalhavam para o criminoso, foram abatidos. Agora, só resta achá-lo. No entanto, os policiais perdem a esperança após trinta minutos de procura e nada encontrarem.

     Até que, de cima da casa, uma figura ganha forma e corre, e como no passado, Caetano olha nos olhos dele como olhou no dia do julgamento e sente como naquela tarde o cobertor da fúria, da raiva e da perda o cobrir por completo, tampando tudo, sobretudo a visão.

   Ele corre. Segue Delci, que salta para o telhado do barraco ao lado. Um tiro ecoa de sua arma. Outro, da do bandido. Os colegas de trabalho de Caetano vão em sua direção, é preciso sair da casa e na mesma hora que seu pé joga o portão no chão, ele aponta a pistola e o meliante não tem para onde ir.

     Os policiais que ficaram do lado de fora o cercaram também, portanto ele coloca às mãos na cabeça e olha curioso para aquele policial que tem seus glóbulos oculares tomados pelo oceano do passado ao lhe encarar.

     Caetano treme, é agora ou nunca, sabe que seus amigos não se importariam. Quem tem estima por um indivíduo que personifica o lixo?

     Porém, mais uma vez ela veio... Calma, serena e pulcra. Podia sentir como sentiu pela manhã os pezinhos dele. Não queria que o filho olhasse e soubesse que o pai é um assassino, com isso as chamas da raiva foram apagadas pelo acalento daquele que no mundo não soou seu choro ainda.

     Com isso, abaixou a arma e nesse momento uma bala passou por ele e foi em direção a Delci, logo em seguida outra, depois outra e outra.

     Caetano, então, olha para trás, assustado, e sente as mãos do delegado tocar seu ombro e sua boca dizer: “Pelo seu pai.”

     Os demais policiais pegam o corpo e o arrastam para uma valeta que há ali perto. Enquanto isso, nosso protagonista sente sua alma orbitar seu corpo pois o que acabara de ver é um evento que se recusa a acreditar ter se concretizado.

     O que ele faz? Segue um passo de cada vez. Os colegas o colocam dentro do carro, lhe dão água e afirmam que não precisa se preocupar que tudo está resolvido. Aproveitam, ainda, o ensejo e escarneciam um pouco de como foi cômico ver Delci “cair como carne podre no chão.”

     Uma semana tendo se passado e o caso repercutindo na mídia, porque um dos traficantes mais procurados do município foi encontrado morto, Caetano recebe um envelope no trabalho e ao lê-lo vai, imediatamente, ao metrô.

     Quando chega, a bomba estava nos últimos segundos, tentou, todavia só teve tempo de ver o sorriso efêmero e singelo de sua esposa. Nesse momento, sentiu todo seu interior se romper como uma ponte que não suporta mais se manter de pé e ao olhar os fragmentos do local voando para diversos lados a existência, como no passado, se descosturou por completo.

    Hoje, ele só deseja a morte. Nada mais o toca. É como um lutador veterano, vencido pelo tempo, implorando piedade, mas sem resposta.

     Sua mesa é somente posta pelos episódios que dão ao corpo o desprazer da vida. Sua cama não suporta mais as fezes e o chuveiro desconhece seu nome. Se tornou vácuo, se tornou mudo à existência.

     E sempre quando a natureza brada pelo recarregamento e seus olhos são subjugados a se fecharem, lembra dos pezinhos dele se locomovendo, dessa forma, é impossível controlar as solitárias lágrimas que pelo seu rosto passeiam pois tudo lhe foi roubado pelos sentimentos que cultivara por toda vida, no entanto moravam nos olhos do filho de Delci.

 


CURIOSIDADES DE MENINA! - Dinah Ribeiro de Amorim

 


CURIOSIDADES DE MENINA!

Dinah Ribeiro de Amorim

 

Ao viajar em criança, pelas estradas, com seu pai, Celinha sentia muita curiosidade ao observar as casinhas encontradas, ao longe, escondidas entre árvores ou morros. Geralmente pequenos sítios ou chácaras.

De dia, banhadas pelo sol, isoladas, distantes umas das outras. À noite, escuras, fechadas, com pequenas frestas de luz, anunciando pessoas.

A imaginação da menina questionava sempre: como viveriam, seriam mais felizes ou não, assim distantes da cidade grande. Acreditava que sim, em meio à quietude e à natureza. Nunca sentiu-se bem com barulhos. Ficava inventando histórias e contos de fadas, com príncipes que cavalgavam entre as montanhas e princesas que colhiam flores, enquanto seu pai dirigia.

Aconteceu, uma vez, à noite, entrarem numa pequena cidade para pouso e comida. Não guardou o nome, mas era muito escura, quieta, só iluminada por alguns lampiões de rua.

Ruas estreitas, poucas casas, totalmente fechadas, sem barulho de pessoas, denunciavam uma cidade triste, nada acolhedora, ouvindo-se, de quando em quando, uivos de alguns cachorros.

Pararam à frente da maior delas, um sobrado alto, velho e rústico, altivo em meio às outras antigas, pequenas e baixas. Deveria ser o hotel da cidade. Atendeu-os um senhor gordo, idoso, nada hospitaleiro, de cara zangada, parecendo preocupado. Indicou um quarto em cima e nada para comer. A cozinha já estava fechada.

Assustou-os, de repente, enquanto subiam as escadas, o som de um tiro. Pararam, aturdidos, no último degrau e gritaram chamando o dono.

Ele aparece todo atrapalhado, avisando que não houve nada, só o tiro habitual do dono da casa ao lado, incomodado com o barulho dos cachorros.

O pai, intrigado, pergunta-lhe se não seria melhor chamar a polícia, mas ele responde que polícia, àquelas horas, só na cidade próxima e cedo.

O povo da cidade já estava acostumado com esses tiros e assim reagiam, quando eram incomodados.

Que fossem deitar sossegados. No dia seguinte, resolveriam essa questão.

Muito amedrontados, pai e filha fecharam a porta do quarto e mal dormiram, esperando logo o amanhecer.

Na manhã seguinte, ao descerem, encontraram o dono todo amável, hospitaleiro, convidando-os para o café.

O pai, com pressa em sair, agradeceu e rumaram em direção à saída, mas ele, muito insistente, apresentou-os ao administrador da cidade, que queria dar as boas-vindas, um homem de chapéu largo, bigodudo, com cinturão a tiracolo.

Olhando-o, o pai reparou logo que costumava andar armado. Havia um espaço no cinto para uma arma a tiracolo. Achou melhor tratá-lo com gentileza e foram tomar café.

Até que era um homem agradável, sabia improvisar simpatias, iniciando logo um papo agradável sobre a cidade.

Contou ser comum ouvir tiros, ocasionalmente, pois estavam surgindo muitos cães com doença raivosa, um perigo para a população e todos andavam temerosos e armados.

O pai concordou com isso, meio desconfiado, respondendo: “E nem estamos em agosto, não?” “Qual será a causa?”

O administrador respondeu rápido: “Pois é! Isso está nos amedrontando.” “Gostaria de conhecer melhor nossa cidade?”

Tanto insistiu que foram, apesar da pressa. 

Lugar pequeno, casas de quintais largos, cheios de plantações, bonito de se ver. Pessoas sérias, não amáveis ou alegres, antipáticas com estranhos.

Reparando bem nas plantações, acharam um pouco estranhas, mas não falaram nada. Não havia uma flor ou uma verdura. Sem comentários deles. A única coisa que o pai falou foi: “E a matriz? Onde fica? Gostaria de visitá-la.”

— Ah! A matriz! Não existe mais. Foi destruída por uma chuva forte que deu, o ano passado. Estamos pensando em construir logo outra. O povo precisa de uma crença, não?

— Claro, responde o pai. Ainda mais com tantos problemas, no mundo atual. O senhor me desculpe, mas preciso correr, tenho horas para chegar a Ribeirão das Graças e sou esperado. Foi um prazer conhecê-los e pernoitar aqui.

E virando para Celinha: “Vamos, filha, senão chegaremos tarde!”

O administrador perguntou: “São esperados? Que pena! Quando quiserem voltar, teremos prazer em recebê-los. Tomara que essa doença dos cachorros já tenha passado.”

— Com certeza, sim, responde o pai. Precisam chamar a vacinação contra a raiva. É muito triste isso.  Talvez passemos por aqui na volta.

E foram rápidos para o automóvel, após as despedidas obrigatórias.

Assim que iniciaram a estrada, Celinha perguntou ao pai o que eles plantavam? Os quintais eram todos iguais. Não conhecia aquela planta.

Ele respondeu: “Não eram flores nem verduras, filha, parecia maconha, ou outro tipo de erva para fazer tóxico. São drogas que fazem para vender. Deve ser uma cidade clandestina. Que bom que saímos ilesos!”

Ainda avistaram, ao longe, um campo alto, o cemitério da cidade. Estava em movimento, um enterro. Talvez o resultado do tiro na noite anterior.

— Não eram cachorros, pai? Pergunta a menina, intrigada.

 — Acho que não, filha. Foi a desculpa que deram. Escapamos de boa!

Chocada, Celinha aprendeu a não observar mais os lugares escondidos pelas estradas. Pelo menos, a não achar serem mais felizes que ela e ficar inventando histórias.

 

 

ARIANO E SUA SINA - VIDA / OBRAS / CURIOSIDADES DE ARIANO SUASSUNA

  Ariano Suassuna foi um dos mais importantes escritores brasileiros, conhecido por sua rica contribuição à literatura nordestina. Suas obra...