Indignidade ou Pragmatismo?
Leon Alfonsin Vagliengo
Introdução: O ANEL DE GIGES
Conta Platão, no capítulo II de seu livro “A
República”, que em época remota, na Lídia, um pastor de nome Giges encontrou um
anel de ouro no dedo de um esqueleto humano gigante, após um terremoto, em uma fenda que se abrira no solo, próximo ao local onde ele apascentava
ovelhas.
O anel, ele logo descobriu, possuía o poder de tornar
invisível quem o utilizasse e, conforme a fábula, Giges, que era um homem
comum até então, começou a fazer mau uso de seu novo poder, e perpetrou atos
infames, até mesmo o de assassinar o rei da Lídia e ocupar seu lugar no trono.
Considerações:
Vemos, com esse mito platônico, que é bem antiga a
atração do ser humano pelo anonimato, por permitir fazer o que se quer sem que
ninguém saiba.
E o que se busca com o anonimato?
Certamente, o anonimato garante a invisibilidade na
realização de qualquer ato, considerando-se que invisível é “aquele que não é
manifesto, que não se deixa conhecer”. Portanto, não se trata,
necessariamente, de uma invisibilidade física.
Com esse entendimento, o que significa e o que se busca
com a invisibilidade?
Mas antes, um
parêntese: "O conceito de Invisibilidade Social tem sido aplicado para referência a seres
socialmente invisíveis, seja pela indiferença, seja pelo preconceito dos demais, o que nos leva
a compreender que tal fenômeno atinge tão somente àqueles que nunca são
lembrados, por estarem à margem da sociedade!". Nesta concepção, é, portanto,
tema para estudos e ações de Justiça Social.
No entanto, voltando
a esta abordagem suscitada pelo Anel de Giges, vemos que tem foco no
comportamento humano decorrente de conceitos como cultura, religião e moral,
educação e aprendizado, ética e dignidade, medo de punição ou vergonha do erro,
num conjunto complexo, todos esses itens interagindo e operando na formação da
personalidade e do caráter do indivíduo.
É o conjunto de
normas e regras formadas com base na cultura, religiosidade e nos costumes de determinado grupo
social, que servem para
definir a moral desse grupo e orientar a maneira de agir das pessoas dentro daquele
contexto específico.
O tema da moral está, portanto,
diretamente ligado aos aspectos culturais do grupo social que a forja, a pensa
e a pratica.
Por conta disso, estamos
falando de um conceito de caráter particular, que se baseia, sobretudo, em
hábitos e costumes válidos para cada comunidade.
Os valores morais
são importantes porque
geram uma vida em sociedade mais harmoniosa e justa. Normalmente,
começam a ser transmitidos para as pessoas desde seus primeiros anos de vida,
através do convívio familiar ou até mesmo no ambiente escolar.
Desde tenra idade
o indivíduo aprende
conceitos de ética, ao ouvir na prática reflexões sobre a moral e sobre os
princípios que sustentam e orientam as ações humanas.
Aprende, também, que
há algum tipo de castigo pela infringência das regras, e com o tempo percebe
que as regras impõem limites a suas ambições de poder ou de riquezas, a seus
desejos mais íntimos ou vingativos, enfim, a qualquer de seus desejos de agir
fora das regras impostas pela moral de sua comunidade.
A invisibilidade,
então, pode ser a solução para propiciar a realização desses anseios que
extrapolem as regras. Se ninguém souber, ou se ninguém souber que foi ele,
apenas a sua consciência poderá censurá-lo ou até castigá-lo.
É sob a poderosa proteção
da invisibilidade que surge o conflito interno, quando vencerá a força
preponderante da formação de cada indivíduo, que sopesará a tentação que se
apresenta contra a rigidez de sua formação ética, e esta revelará a própria qualidade
e higidez da educação por ele recebida.
Este conceito nos
permite entender a importância de regras morais boas e justas e da educação bem
orientada na formação do caráter das pessoas.
Em conclusão:
Neste
início do século XXI vivemos em um mundo cada vez mais globalizado,
especialmente pela ação da internet que, pela disseminação e vulgarização das
informações, contribui acentuadamente para a descrença de conceitos morais e
religiosos, com isso provocando o desgaste da austeridade e do compromisso
ético.
Por
exemplo, no plano religioso: será que alguém ainda acredita na punição do
inferno? Ou, então, quantos nem acreditam numa vida posterior, que poderá ser
prejudicada por ações cometidas nesta?
Essa
descrença se repete em outras áreas, especialmente alimentada pelas decepções
na política e na justiça social.
Parece
que o mundo atual é o império da mentira, nada é confiável.
Para
muitos resta apenas o “aqui se faz, aqui se paga”, mas somente se alguém descobrir
o que se fez.
Temos,
assim, o cenário ideal para empoderar a invisibilidade.
Se
a tentação for grande e a invisibilidade garantir a impunidade, cada vez menos
haverá dilemas morais ou formação ética que impeça aos indivíduos o cometimento
de ações incorretas ou vergonhosas de qualquer espécie.
De
alguma forma, a humanidade precisa estribar o conceito de dignidade, como
ensina este pensamento:
A moral,
propriamente dita, não é a doutrina que nos ensina como sermos felizes, mas
como devemos tornar-nos dignos da felicidade.
-
Immanuel Kant
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