Decisão precipitada? Talvez...
Hirtis
Lazarin
Depois
de um dia exageradamente quente, caem lá fora os primeiros pingos de uma
chuvinha mansa. A brisa balança a
cortina fina de voal, invade a sala e acaricia-lhe o rosto. O tilintar da colherinha na xícara vazia de
café soa como música.
Abre a garrafa de
vinho e uma taça desce deslizando.
Boceja várias vezes e o sono devagarinho vem. É uma sensação preguiçosa e confortante. Anita fecha o livro que lia e os olhos
também. Adormece profundamente.
O
silêncio aconchegante é interrompido pelo toque do telefone e ela
desperta. O bem-estar do momento é maior
que a vontade de falar com alguém. Sabe
que não é Gustavo, seu companheiro. Ele
viajou a negócios e já se falaram, naquela tarde, duas vezes. E não era costume dele ligar fora de
hora.
Ignorou os toques insistentes, mas
quando viu que o relógio marcava duas horas da manhã, se arrependeu do que
fez.
"Ninguém ligaria pra alguém se
não fosse emergencial, que desajuizada eu sou... Pode ser alguém precisando de
ajuda. Mas quem? A esta hora eu não posso ficar ligando para
minha família e para todos meus amigos".
A espera de uma nova ligação é angustiante,
Anita rói as unhas que já estão no toco, outra taça de vinho, mais outra e mais
outra... O álcool dá-lhe um pouco de sossego.
Quando
já não acredita mais na possibilidade de saber quem estava do outro lado da
linha, o telefone toca novamente. Anita pega-o num salto tão desajeitado que,
por pouco, não se esborracha no chão.
Queria saber quem era, mas temia ouvir o que essa pessoa tinha pra lhe
contar. O alô aflito de Anita foi logo
interrompido por uma voz feminina, rouca e sensual. Não se identifica e não lhe dá chance de
falar. Desfia uma ladainha imensa e
Anita só ouve o nome de Gustavo. Ela passa mal, sente dificuldade em respirar,
a vista escurece e ela desfalece.
Quando
recobra os sentidos está estatelada no chão, com o fio comprido do telefone
enroscado no corpo, os óculos com lentes trincadas atirados pra debaixo da
mesa. O relógio marca quatro horas da
manhã. O turbilhão de palavras que ouviu
roda na sua cabeça como disco de vinil em rotação errada. Aos poucos, foram se organizando em frases
conexas e a mensagem se completa. Uma
bomba! "Será que foi ele quem pediu
pra amante fazer a ligação? Nunca pensei que vivia com um homem falso e
covarde.
Anita
anda de um lado para outro como barata tonta, senta, levanta, toma num gole só
o vinho que restava na garrafa, balbucia ofensas, grita palavrões. Treme tanto que não consegue achar o número
de telefone que precisa. Tenta se
acalmar, liga o computador e busca no Google o telefone do hotel
"Copacabana Palace", no Rio de Janeiro. Liga e ouve o que jamais queria ouvir:
"O casal Gustavo e Lucimara estão, sim, hospedados aqui. A reserva vai até o final de semana."
"Viagem
de negócios? E foram tantas naquele
ano...Homem carinhoso, companheiro de todas as horas. Nunca desconfiei de você. Caminhamos sempre juntos, construímos tudo
juntos. Quanta luta e esforço. E a cada vitória nossa, quanta
comemoração! Eu não mereço essa traição.
Anita
não era mulher de ficar parada esperando o mundo desabar, mas para ninguém é
fácil vê-lo ruindo sem nada pra fazer. Sabia que nada conserta a falta de
confiança. Impossível, para ela, dividir
a vida com alguém quando se quebra esse cristal. Chorou tudo que podia chorar, os olhos
inchados e vermelhos pareciam picados por abelhas. Seguiu em frente, fez uma
mala, com o mínimo de coisas que precisava e esperou o dia amanhecer.
Depois de uma hora, desembarca no aeroporto. Sairia do país. Para onde?
Não sabia ainda. Dinheiro não lhe
faltava para levar uma vida confortável em qualquer lugar do mundo.
Antes
de sair de casa, deixou sobre a mesa da sala, debaixo de uma fotografia rasgada
do casal, apenas um bilhete de adeus.
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