Era pra ser um sábado comum...
Hirtis
Lazarin
Estava
distraída tirando o pirex do forno, quando o interfone me interrompeu. Era o jardineiro que me aguardava na portaria
do edifício. Desci não antes de tomar o
cafezinho coado na hora e deliciar-me com fatia generosa, ainda quentinha, do
bolo de milho, receita herdada da minha bisavó.
Fazia
um ano que Toninho cuidava do nosso jardim.
Mãos abençoadas. Antes um espaço
árido, hoje uma obra de arte. Arbustos
esculpidos limitam um tapete branco de lírios da paz, entremeado por caminhos
estreitos de cascalho. Orquídeas presas
aos caules longos e finos de dois coqueiros caem em pencas num festival de
cores.
Nossa
conversa foi interrompida por gritos histéricos que vinham da rua. O muro-fortaleza não nos deixava ver o que
estava acontecendo, até que alguém chegou ao portão eletrônico. Tomada por ira fria e violenta, uma jovem
exigia, aos gritos, que o porteiro o abrisse.
Queria entrar a qualquer custo.
Diante da insistência da moça, ele saiu da guarita, tentou, mas não
conseguiu convencê-la do contrário. À
essa altura, moradores já se apinhavam nas janelas. O escândalo saíra de controle.
Como
síndica do prédio, desci as escadas, a
fim de resolver o problema. Deparei-me
com uma garota de apenas vinte e poucos anos, alta e esguia. Os cabelos encaracolados e desalinhados
escondiam parte do rosto miúdo e bem desenhado.
Uma enxurrada de lágrimas borrava a maquiagem dos olhos, pintando de
preto o rosto branco e sardento. Gritava
palavrões de desgosto e fúria que não combinavam com sua aparência
cuidadosa. Fiz de tudo para
acalmá-la. Falhei como psicóloga. Deixei-a extravasar todos aqueles sentimentos
negativos até que o cansaço e o desânimo desarmaram-na. Convenci a jovem a entrar até a saleta do
hall e após longos e angustiantes momentos de silêncio, um nome foi repetido
mil vezes:
"Eduardo...Eduardo..."
Mas
quem era esse Eduardo? Aos trancos e
barrancos, contou-me, aos soluços, que era seu namorado. Há mais de vinte dias desaparecera sem deixar
qualquer sinal. Não atendia aos
telefonemas e cancelara todos os contatos sociais. Não houveram desentendimentos, muito menos
brigas. E o pior, tinha certeza que vira o rapaz abraçado a uma
mulher entrando no prédio. Consultei a
listagem dos moradores, que não era grande, e não encontrei nenhum
Eduardo. A certeza da garota era tanta
que não ouvia meus argumentos e conselhos.
Inesperadamente,
ela disparou numa corrida e abraçou por trás um rapaz que saía do prédio
acompanhado por um idoso. Ouvimos,
então, um grito trêmulo e prolongado:
"Eduardoooooooooooooooo".
Assustadíssimo, o rapaz usou força para se libertar daqueles braços
indesejados. Não era Eduardo. Não era quem ela achava que era.
Mônica
caiu de joelhos debruçada num choro dolorido e sem fim. Uma certeza
desfeita. Uma esperança despedaçada.
Ela
teria que colar os cacos por ela mesma.
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