Recordação indesejável
Ana Catarina SantAnna Maues
Fazia um bom tempo que Isis planejava descer
ao porão e fazer uma faxina, pois lá estavam seus livros preferidos. Neste sábado acordou animada para tal tarefa e descendo as
escadas logo que os viu brincou:
— Pronto, queridos cheguei!
Entre teias de aranha esperavam com paciência.
Com carinho ela ia retirando um por um e como
que acariciando-os afastava o pó e se derretia de alegria quando as cores de
suas capas tornavam a reviver, os dourados mais dourados e assim por diante.
Quando aconteceu de passando os olhos para retirar mais um, avistou um
caderno entre eles, o que estranhou muito.
Pensou de imediato: “Será que é ele?
Estava certa que o havia destruído!”. Seu coração veio na boca. Ao tomá-lo da
estante confirmou, era sim o seu velho diário, aquele de sua juventude. Ela
sabia muito bem o que estava alí, seus maiores segredos, momentos mais
indignos, feitos que deveriam permanecer longe muito longe da Isis de
agora.
As máscaras
Nem em seu pior pesadelo Isis poderia
supor que um dia ficaria frente a frente com seu passado sórdido. Encontrar
aquele caderno que serviu-lhe de diário
causou grande constrangimento e além, quem teria encontrado e colocado alí por certo o teria lido. Apenas o pensamento
de tal possibilidade, causava-lhe ânsia de
vômito. Tanto tempo construindo uma nova
face um novo costume e agora isto, sentia-se como uma virgem deflorada. Alguém
sabia de tudo e deixou propositalmente o caderno entre os pertences que ela
considerava como seu maior tesouro, os
livros. Muito atormentada apressou-se em queimar uma por uma daquelas páginas,
como se o ato pudesse apagar da história aquele tempo.
Os dias corriam e ela os vivia de forma penosa.
Olhava para o marido e filhos com a impressão de ter perdido a máscara.
Sentia-se ameaçada, amedrontada. Avaliava toda e qualquer mudança de humor dos
parentes como se tivesse chegado o momento das cartas na mesa, associava ao que supunha ter sido
desmascarada. Todos estranhavam a
aspereza de seu comportamento, e reclamavam cobrando a leveza e doçura de
antes.
Os meses passaram e com eles aquela sensação terrível de ser punida a qualquer
momento. Isis pouco a pouco foi aliviando a tensão e não se sentia mais
como se uma adaga fosse ser fincada em
seu peito.
Os filhos cresceram, teve netos e bisnetos,
envelheceu, ficou viúva e nunca soube realmente quem colocara o diário
ali. Desconfiava mas não podia afirmar,
pois a pessoa em questão nunca abordou o assunto. Talvez tivesse apenas
colocado naquele lugar, como um objeto de valor entre os que sabia ter
ela, carinho especial, os livros, e não
tivesse lido. Ela morreu e seus mistérios também.
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