A GRANDE JORNADA - CONTO COLETIVO 2023

AINDA HÁ TEMPO PARA AMAR - CONTO COLETIVO 2011

FIGURAS DE LINGUAGEM

DISPOSITIVOS LITERÁRIOS

FERRAMENTAS LITERÁRIAS

BIBLIOTECA - LIVROS EM PDF

quarta-feira, 4 de junho de 2025

JUSSARA - Adelaide Dittmers

                                                               



JUSSARA

Adelaide Dittmers

 

 

Dona Jussara foi buscar água no rio.  Passos trôpegos, encurvada pelos anos de uma vida, despida de prazeres e farta de decepções, muda, pela longa solidão, quando tropeçou em uma pedra do caminho e caiu. O balde soltou-se de sua mão e rolou barulhento pela pequena encosta. Um grito silencioso saiu da boca calada. Quantas pedras a derrubaram na sua caminhada.  Quantas vezes teve que se erguer e seguir em frente?  Tentou se levantar.  Não teve forças. A pobre mulher, que quase nada tivera, ficou ali deitada e esquecida pela vida vazia e solitária.

Depois de algum tempo, foi se levantando devagar, com o mesmo vagar, que enfrentava o caminho que trilhara até aquele dia.

Noventa anos desenharam em seu corpo franzino um mapa rico em vincos, cujas profundezas guardavam desilusões, perdas, a necessidade de trabalhar incansavelmente e revezes traiçoeiros, que mataram muitos de seus mais íntimos sonhos.  Ser mãe era o mais precioso deles.

Pôs-se de pé e olhou em volta.  Somente o vento brando do começo da manhã lhe fazia companhia, silencioso como ela.

Abaixou-se, pegou o balde e seguiu até o rio, que corria pelo seu leito, seguindo indiferente seu destino até o mar.

Dobrou-se, encheu o balde até onde aguentaria carregá-lo e o colocou de lado.  Enfiou com prazer as mãos na água fria e as levou para o rosto.  Era o único prazer de que dispunha.  Sentir a água lhe acarinhar as faces cansadas.

De repente, o barulho de algo se aproximando assustou.  Era muito raro alguém passar por aquelas paragens.  Ela virou-se e, no estreito caminho, surgiu uma velha carroça, que sacolejava ao passar pelos buracos do chão de terra.  Em cima, um casal e duas crianças espremiam-se.

Jussara ficou parada. A boca se abriu sem dizer nada.

A pequena família estacou perto dela e o homem gritou:

 — Bom dia, senhora!

Ela abaixou a cabeça e uma voz desacostumada de se fazer ouvir respondeu:

— Dia.

— Com quem a senhora mora nesses confins? Perguntou o homem.

— Moro só,

— Sozinha? Espantou-se a mulher.

— É.

— Como pode.  Já está entrada em anos.

— Muito tempo, só.  Costumei.

O homem desceu da carroça e explicou que comprou um terreno logo adiante, com uma velha casa, que conhecera só por fotografia, e iria morar lá com a família e plantar milho para ganhar a vida. A mulher dele acrescentou que iriam ser vizinhos e poderiam ser amigos.

Jussara arregalou os olhos.  Um sorriso há muito esquecido acendeu o seu rosto acostumado à solidão. Ergueu o olhar para o céu e agradeceu a Deus por esse presente inesperado. E da mudez de sua alma surgiu um muito obrigado.

— Amigos, sim!

A mulher desceu da carroça e, trêmula pela emoção que a mulher curvada pelos anos lhe despertou, segurou as mãos ásperas por tantos anos de trabalho duro.

Jussara abaixou a cabeça. Não esperara mais nada da vida.  Superara tantos desafios.

Fechara-se em si há tanto tempo.  Apenas vivendo sem realmente viver.

Timidamente, levantou os olhos para a mulher que acabara de conhecer.

— Meu nome é Jussara. E o seu?

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário

DEIXE AQUI UMA MENSAGEM PARA O AUTOR DESTE TEXTO - NÃO ESQUEÇA DE ASSINAR SEU COMENTÁRIO. O AUTOR AGRADECE.

HISTÓRIAS DO NORDESTE! - Dinah Ribeiro de Amorim

  HISTÓRIAS DO NORDESTE! Dinah Ribeiro de Amorim   Lá pela baixa da égua, sertão nordestino, Estado da Paraíba, vivia uma família com ...