JUSSARA
Adelaide Dittmers
Dona Jussara foi buscar água no rio. Passos trôpegos, encurvada pelos anos de uma vida, despida de prazeres e farta de decepções, muda, pela longa solidão, quando tropeçou em uma pedra do caminho e caiu. O balde soltou-se de sua mão e rolou barulhento pela pequena encosta. Um grito silencioso saiu da boca calada. Quantas pedras a derrubaram na sua caminhada. Quantas vezes teve que se erguer e seguir em frente? Tentou se levantar. Não teve forças. A pobre mulher, que quase nada tivera, ficou ali deitada e esquecida pela vida vazia e solitária.
Depois de algum tempo, foi se levantando devagar, com o mesmo vagar, que enfrentava o caminho que trilhara até aquele dia.
Noventa anos desenharam em seu corpo franzino um mapa rico em vincos, cujas profundezas guardavam desilusões, perdas, a necessidade de trabalhar incansavelmente e revezes traiçoeiros, que mataram muitos de seus mais íntimos sonhos. Ser mãe era o mais precioso deles.
Pôs-se de pé e olhou em volta. Somente o vento brando do começo da manhã lhe fazia companhia, silencioso como ela.
Abaixou-se, pegou o balde e seguiu até o rio, que corria pelo seu leito, seguindo indiferente seu destino até o mar.
Dobrou-se, encheu o balde até onde aguentaria carregá-lo e o colocou de lado. Enfiou com prazer as mãos na água fria e as levou para o rosto. Era o único prazer de que dispunha. Sentir a água lhe acarinhar as faces cansadas.
De repente, o barulho de algo se aproximando assustou. Era muito raro alguém passar por aquelas paragens. Ela virou-se e, no estreito caminho, surgiu uma velha carroça, que sacolejava ao passar pelos buracos do chão de terra. Em cima, um casal e duas crianças espremiam-se.
Jussara ficou parada. A boca se abriu sem dizer nada.
A pequena família estacou perto dela e o homem gritou:
— Bom dia, senhora!
Ela abaixou a cabeça e uma voz desacostumada de se fazer ouvir respondeu:
— Dia.
— Com quem a senhora mora nesses confins? Perguntou o homem.
— Moro só,
— Sozinha? Espantou-se a mulher.
— É.
— Como pode. Já está entrada em anos.
— Muito tempo, só. Costumei.
O homem desceu da carroça e explicou que comprou um terreno logo adiante, com uma velha casa, que conhecera só por fotografia, e iria morar lá com a família e plantar milho para ganhar a vida. A mulher dele acrescentou que iriam ser vizinhos e poderiam ser amigos.
Jussara arregalou os olhos. Um sorriso há muito esquecido acendeu o seu rosto acostumado à solidão. Ergueu o olhar para o céu e agradeceu a Deus por esse presente inesperado. E da mudez de sua alma surgiu um muito obrigado.
— Amigos, sim!
A mulher desceu da carroça e, trêmula pela emoção que a mulher curvada pelos anos lhe despertou, segurou as mãos ásperas por tantos anos de trabalho duro.
Jussara abaixou a cabeça. Não esperara mais nada da vida. Superara tantos desafios.
Fechara-se em si há tanto tempo. Apenas vivendo sem realmente viver.
Timidamente, levantou os olhos para a mulher que acabara de conhecer.
— Meu nome é Jussara. E o seu?
Nenhum comentário:
Postar um comentário
DEIXE AQUI UMA MENSAGEM PARA O AUTOR DESTE TEXTO - NÃO ESQUEÇA DE ASSINAR SEU COMENTÁRIO. O AUTOR AGRADECE.