DESAFIO
Hirtis
Lazarin
O
dia acordou ouvindo as preces desencontradas de três pescadores exaustos. Palavras simples e verdadeiras em
agradecimento a Deus. Noites e dias
tranquilos em alto mar e um barco carregado de peixes.
Missão
cumprida. Hora de voltar para a praia de
Torrinhos, costa do vilarejo de São Miguel Gostoso.
Capitão
Ramos, homem de corpo tonificado pela rudeza da vida, pele castigada pelo sol e
pelo sal, beiços grossos e rachados, é o dono da embarcação. A coitada está velha e necessitada de
reparos. Da pintura amarela, uma ou
outra pincelada. No casco, sobraram algumas letras do nome batizado.
Os
dois ajudantes ligaram o radinho de pilha e se acomodaram estendidos
displicentemente no chão duro do convés.
Ramos assumiu o leme. O caminho
era longo. Muitos quilômetros de água e
uma vontade imensa de chegar.
Assim
que aportassem, sentariam ao redor de uma fogueira e assariam alguns
peixes. Era a hora de beber, comer,
contar causos sobre o mar, os desafios, o peixe perdido. Um ritual que reforçava os laços de
pertencimento.
O
silêncio e a monotonia do balanço das ondas levaram Ramos à infância. Sentiu saudade do pai, seu herói e professor.
Desde pequenino, grudava-se nele, atento a todos os detalhes quando o assunto
era o mar, sua fartura e seu perigo.
Aprendeu
com ele tudo o que precisava saber: os movimentos do nascer e pôr do sol, o
voar dos pássaros, a movimentação das nuvens, a direção e força dos ventos.
Era
por volta das quinze horas, quando uma avalanche de nuvens acinzentou o céu e a chuva pesada desabou. Embora apreensivos, os caiçaras estavam
convictos de que seria passageira.
Não
foi o que aconteceu. A chuva virou
tempestade e o dia virou noite. Um vento
uivante causava arrepios e formava ondas cada vez maiores. Da proa à popa, tudo já estava alagado.
Os
rapazes agarraram-se aos cestos de peixes.
Ramos agarrou-se ao leme para não perder o equilíbrio. Com os olhos
fixos no horizonte, nada mais via a sua frente.
Assustador...
De
repente, uma onda gigantesca engoliu e arrastou tudo que estava solto no convés
e junto foram os dois ajudantes. Nem
tiveram tempo de gritar.
A
embarcação era uma folha seca solta no oceano bravio.
Capitão
Ramos estava só. Em pânico, caiu de
joelhos e vomitou. O barco rodopiava
aceleradamente. Ficou cego.
Foi
então que uma mulher vestida de azul, coroada com flores brancas e pés nus
apareceu e caminhou lentamente sobre as águas em sua direção. Aproximou-se e estendeu-lhe as mãos.
O capitão
Ramos nunca mais voltou.
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