O pescador e o mar
Adelaide
Dittmers
Há
dois dias que aqueles homens estavam no mar. Capitão Ramos olhou para o céu
coberto de pesadas nuvens escuras, que eram empurradas por um vento cada vez
mais forte. Conhecedor profundo do mar e das intempéries, coçou a cabeça
preocupado e se perguntou se aquele velho barco aguentaria a fúria da
tempestade que se anunciava. Decidiu
que era hora de voltar. A pesca tinha
sido boa e o caminho até a costa era longo. Chamou os dois homens, que o
acompanhavam e comunicou-lhes que estavam retornando. Direcionou o barco para a terra firme e
iniciaram a viagem para casa.
Nesse
momento, raios começaram a riscar o céu, seguidos pelos fortes estrondos de
trovões. Ondas enormes levantaram-se no
mar revolto, batendo com violência na frágil embarcação, que subia e descia
pelas grandes e assustadoras vagas.
Os
três homens se esforçaram para manter o barco estável e no rumo certo. Uma chuva forte começou a despencar com uma
fúria descontrolada. A visibilidade era nula. O aguaceiro se confundia com as
tenebrosas águas do oceano.
Capitão
Ramos tentava acalmar os dois homens, que estavam aterrorizados, mas um
turbilhão de pensamentos ocupava sua cabeça.
Como conseguiria levar o velho barco e aqueles homens, que tinham plena
confiança nele, para a terra firme. Um
medo nunca sentido por aquele homem corajoso tomou conta de seu corpo e de sua
alma.
De
repente, uma onda gigantesca impulsionada pela ventania levantou o pequeno
barco, jogando-o de um lado para outro.
Os dois homens que acompanhavam o marinheiro foram bruscamente lançados
ao mar.
O
velho lobo do mar, acostumado a várias situações difíceis, agarrado a um
pequeno mastro, soltou um grito desumano, como um animal ferido, e um choro
incontido e singular irrompeu naquele homem tão forte como as ondas desvairadas
à sua volta. Era responsável por aquelas vidas.
Com
grande dificuldade, ele se arrastou até o leme e o segurou firmemente e apesar
do desespero e do terror de ver os homens, tentando se manter à tona das águas,
dirigiu o barco para o mais perto deles, que
pode conseguir, lançando uma corda para tentar resgatá-los. Um deles conseguiu chegar até a corda e
segurou-a com firmeza. Ramos tentava
trazê-lo para o barco, mas a força do mar tornava aquele salvamento quase
impossível, quando uma imensa vaga jogou o homem à beira do costado do
pesqueiro e o capitão, reunindo toda a energia, que ainda lhe restava, puxou-o
para dentro. O pobre homem, que tossia e
respirava com dificuldade, estendeu-se no chão para se recuperar.
Ramos
olhou para fora, apreensivo, tentando divisar o outro pescador entre as grandes
ondulações das águas, que se elevavam violentamente. Ele desaparecera. Um sentimento de impotência e de desalento
tomou conta dele. Tião era um companheiro
de muitos anos, amigo fiel de muitas empreitadas e com quem compartilhou muitos
momentos felizes. Não era jovem e por isso não tinha a vitalidade necessária
para lutar contra aquele gigante e tempestuoso mar.
Como se voltasse à realidade voltou sua
atenção ao homem salvo, incentivando-o a reagir e ajudá-lo no difícil desafio
de conduzir o barco à terra firme, com segurança. Movido por uma força interior, muito peculiar
à sua personalidade, bradou:
—
Temporal dos infernos, você não vai vencer nóis. Vamo consegui! Deixa de choradera, Quim e vem
me ajudá!
Com
destreza e a experiência acumulada durante muitos anos de pescaria, procurou
manter o barco, o mais estável possível, levando-o a favor das ondas e quando
não era possível, cortava-as de lado, com a velocidade reduzida e elevando a
proa para não entrar água na embarcação.
Seus
pensamentos estavam concentrados na luta contra aquele poderoso
adversário. Quim, por sua vez, tentava
ficar de pé e auxiliá-lo a divisar alguma coisa em meio aquele aguaceiro.
Com
ímpeto e segurança, conduzia o velho e alquebrado barco em direção à costa e,
como um filme, que se ia desenrolando, lembrava-se de sua juventude cheia de
dificuldades e do demorado aprendizado como marinheiro e pescador. Suas memórias reviveram as adversidades
vividas por ele, seus inúmeros irmãos e seus pais na luta constante pela
sobrevivência. Esta era mais uma delas e
ele iria vencê-la.
Seus
pensamentos voaram para as famílias que dependiam da pesca para ter o pão em
suas mesas e para sua companheira de vida, que o esperava a cada pescaria,
rezando por sua volta. E essas reflexões
lhe davam alento para continuar enfrentando a terrível tempestade.
Depois
de algum tempo, a chuva e o vento começaram, aos poucos, a diminuir de
intensidade e o oceano, súdito que era da natureza, foi se acalmando devagar.
Os
dois homens se abraçaram aliviados.
Tinham superado o pior. Sem pressa e com muito cuidado foram se
aproximando da costa, que já era visível, mas ainda muito distante.
Aos
poucos, foram chegando mais perto da terra e começaram a avistar os morros
verdejantes, que circundavam a bela e agreste praia em que viviam. Uma enorme tartaruga passou pelo barco e eles
soltaram uma gargalhada, descarregando parte da tensão, que tinham contido em
seu interior. A visão do animal foi para eles um sinal da vida, que retornava.
Ao
se aproximarem da praia, avistaram um grande número de pessoas, que se
aglomerava à beira do mar, parecendo que a pequena vila de pescadores
comparecera em peso para esperá-los.
Vários
homens e mulheres entraram no mar para recebê-los. Extenuados pela grande
batalha contra a natureza bravia, desceram da pequena embarcação e foram ao
encontro deles.
Suas
emoções eram contraditórias. Estavam
felizes por estarem vivos e trazerem os peixes para aquelas pessoas pobres, e
tristes pela perda do companheiro.
Uma
mulher adiantou-se no grupo. Era sua
mulher. Agarrou-se a ele, chorando
convulsivamente e quase gritando dizia:
—
Nossa Senhora me ouviu! Nossa Senhora me
ouviu!
A
mulher e os pequenos filhos de Quim também o abraçaram chorando.
Era
uma comoção geral. Dentre o grupo, outra
mulher afastava com os braços as pessoas e tentava chegar perto de Ramos. Quando finalmente conseguiu se aproximar dele
exclamou:
—
Cadê Tião? Cadê Tião?
O
velho marinheiro balançou a cabeça, impotente e com uma voz fraca, disse:
—
Ah! Desculpa Joana! Ele caiu no mar! Não consegui salvá ele!
A
pobre senhora ajoelhou-se na areia molhada e caiu num pranto sentido e
desesperado.
Ramos
ergueu-a e a abraçou, sem ser capaz de proferir uma palavra de consolo. Estava desolado. Depois de alguns instantes,
recuperou-se da emoção, fitou-a com compaixão e ternura e disse:
— É
o destino! Não podemos fugir dele, minha amiga!
E
olhando para as ondas brancas, que lambiam a areia delicadamente, exclamou:
— É
a vida! O mar dá muito pra nóis, mais tira também!
Com
a cabeça baixa e abraçando as duas mulheres, gritou para todos:
— O
barco tá cheio de peixes. Descarreguem!
E
seguiu para a vila.
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