ACREDITE
SE QUISER
Hirtis Lazarin
A pequena Itaoca, plantada no sertão maranhense,
sofreu demasiadamente com a morte do delegado João Teodoro.
Ele não merecia ser cravejado de balas. Homem bom e
prestativo, sempre disponível a ajudar os conterrâneos. Amava-os Pela simplicidade e pela sinceridade que mora
no peito do itacaonse.
A rotina diária e o correr do tempo fizeram
a vida voltar ao normal. E melhor ainda ficou, com a
chegada do novo delegado indicado por autoridades da capital. Tinha
a aparência de "leão de chácara". Não perdeu tempo e já começou
a mostrar trabalho. Em poucos dias, tinha pronto levantamento dos
moradores de Itaoca.
E, vamos adiante, que atrás vem gente.
O quintal de Seu Toninho era enorme.
Tinha horta, galinhas e galo, um cavalo de raça, 0 Ventania, e uma vaca
leiteira. O produto de tudo lhe rendia bons trocados.
Às cinco da manhã já estava ele ordenhando
a Mimosa. O latão de leite estava quase cheio, quando ouviu uma
voz vigorosa chamando-lhe pelo nome.
Achou a voz conhecida, mas quando se virou,
deparou-se com um homem alto, corpulento, rosto coberto por touca ninja e
empunhando armas.
Exigiu-lhe a entrega do leite e evaporou-se montado o Ventania.
Coitado! Seu Toninho chorou muito diante
de tamanha impotência à frente de um homem armado. E ainda
perdeu o cavalo de estimação (e ponha estimação aí). Outro igual
nunca encontraria. Ventania foi criado desde pequenino. Era o seu
terceiro filho.
O delegado passava horas debruçado sobre a mesa
tentando bolar um plano de ataque e defesa contra o ousado assaltante.
Não seria nada fácil. Sua equipe contava com três soldados apenas e faltavam
armas pra todos.
Não demorou muito, o ladrão entrou em ação pela
segunda vez.
Chegou montado no cavalo roubado. Invadiu a
lojinha de Seu Quinzinho. Ele consertava relógios e vendia outros, novos
e usados.
O ladrão rendeu o comerciante, escolheu três peças,
as mais bonitas e caras, e voou galopando.
E o delegado continuava estudando...
A senhora do prefeito atravessava a praça
central, como sempre, toda "emperiquitada" de joias
caríssimas. O cavaleiro misterioso aproximou-se e depenou a
"árvore de natal".
A mulher pirou literalmente. Uma
"judieira".
A população evitava agora, até sair às ruas e,
quando saía, saía armada. As crianças só brincavam no quintal.
A cidade parou.
E o delegado continuava estudando...
Dona Cidinha passava dos oitenta anos.
Já caducava e falava sozinha. Morava com Luíza, sua filha, e o único
divertimento dela era cuidar do jardim. Mãos de fada. Onde as
colocava, brotavam flores viçosas.
já era tardinha, quando o sol se acalmou, e lá
estava ela a regar as plantas do jardim. E, como sempre, conversando com
elas.
Luíza, na janela, olhava pra mãe com o maior carinho
do mundo. Sabia que lhe restava pouco tempo pra desfrutar desse
convívio.
Sem mais nem menos, Dona Cidinha empacou e os
olhos arregalados fixaram em alguém. Alguém conhecido.
Balbuciou algumas palavras, fez gesto de
cumprimento e de abraço apertado.
A filha ouviu perfeitamente quando ela
disse: "Vá com Deus", João Teodoro.
Fez-lhe dúzias de perguntas, tentou extrair-lhe o
que havia acontecido, mas a mãe não se recordava de nada.
Ficou por isso mesmo... Como mais uma da velhinha
caduca.
E o delegado continuava estudando...
O padre, então, convocou os fiéis para um
louvor ao Santo Expedito, aquele que não deixa pra amanhã causas impossíveis.
Terminada a missa, todos juntos, com muita fé e
devoção, repetiam: "Santo Expedito, intercedei por nós junto ao
Nosso Jesus Cristo. Vós que sois o santo dos desesperados, Vós que sois o
Santo das causas urgentes, protegei-nos, ajudai-nos. Dai-nos forças
coragem e serenidade.
Ao final da reza, enquanto todos ainda estavam
ajoelhados, ouviu-se um grito misturado de dor e sofrimento.
Todos viram um nevoeiro levantar-se por trás da
imagem de Santo Expedito. Anjos surgiram trazendo alguém ao colo.
Inacreditável... Se eu não estivesse presente,
jamais acreditaria no que vou contar agora.
Os anjos carregavam João Teodoro de
farda, montado no Ventania, armado com a 38 herdada do pai, da década de
20.
Enlaçaram-no e voaram em direção ao céu,
atravessando o teto de concreto da igreja.
João Teodoro entendeu, por bem ou por mal, que já
não pertencia ao mundo dos vivos e que sua morada era na casa do Pai Eterno.
Tudo que fez após a morte, era sem
maldade. Queria avisar ao seu povo que não tinha
morrido. Que não queria morrer. Que ainda era o delegado da
cidade. E que devolveria tudinho que roubou em perfeita ordem.
Foi ele quem visitou Dona Cidinha. Foi ele que visitou-a no
jardim.
E, os moradores de Itaoca, em poucos dias,
desapareceram da cidade mal-assombrada.
Hoje são apenas ruínas de uma cidadezinha cuja
história nem mais aparece entre os registros das cidades do Brasil. E
aquele pontinho, mais que pequeninho do mapa, apagou-se pra sempre.
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