Enorme é a falta que você me faz
Hirtis
Larazarin
Meu coração era um bloco de gelo,
envolto numa armadura medieval pra me proteger desse mundo que eu conhecia
bem. Foram anos e anos juntando
pedacinhos metálicos.
Até que, numa tarde qualquer, eu
saia do Mappin, atravessava apressadamente
o viaduto do Chá pendurada de sacolas,
silencioso feito um gato pronto pra abocanhar sua presa, alguém
aproximou-se de mim e apoderou-se de minhas compras.
Eu me virei e já ia gritar quando vi
um homem vestindo terno e gravata, com um sorriso aberto e espontâneo, como se
já nos conhecêssemos. Comunicativo e
falante.
Não resisti a sua voz tipo FM e a
tanta simpatia. Caminhamos juntos até o
ponto de ônibus.
Por momentos até me esqueci que
estava atrasada pro trabalho, que minha conta bancária estava zerada, que eu
fugia dos homens e por aí vai...
Posso afirmar, hoje, que foi ali no
viaduto que tudo começou entre nós. Eu
que me achava imune aos ataques masculinos.
A
cada telefonema, a cada encontro, meu coração disparava mais e mais e
tropeçava de tanta emoção. Senti medo,
não sabia onde isso ia parar. Foi então
que me deixei levar e aprendi: na alma a gente não manda, ela fica onde se
encanta.
E assim, leve e solta, encaixei-me no seu cheiro. Depois minha boca encaixou-se na sua boca e
num piscar de olhos, nossos corpos se encaixaram. Não tinha mais jeito: nossas
vidas estavam seladas.
Sabemos todos que o tempo assopra e
apaga o fogo da paixão, mas se o sentimento é verdadeiro vem o amor, a amizade
e o respeito. E é no dia-a-dia, quando a
rotina se instala, que veem à tona qualidades e defeitos. E com a gente não foi diferente.
Mas foi nesse período que nasceu em
mim admiração profunda por esse homem.
Aprendi valores que me eram despercebidos.
O desapego aos bens materiais, ao
supérfluo, numa sociedade consumista e egoísta tornava-o um homem livre. Tinha controle sobre o que comprava e não se
deixava possuir pelo que possuía. Não
colocava a felicidade nas coisas nem nas contas bancárias.
Ao desapego juntava-se a
simplicidade. Aprendi que a simplicidade
não é ignorante. Ela valoriza o
essencial e o essencial não é visível aos olhos.
O essencial é a cama quentinha onde
dormimos todas as noites, o cafezinho de manhã
coado
na hora, a água limpa da pia, o orvalho que acaricia a flor, a cor colorida do
amor.
Era dono da alma mais generosa que já
conheci. Fazia coisas não por obrigação,
mas pra deixar o outro um pouquinho mais feliz.
Não economizava adjetivos para um elogio sincero, seu abraço era
apertado, seu bom dia era verdadeiro. Eu
me perguntava: como alguém pode acordar
sempre feliz, mesmo tendo tantos problemas pra resolver?
Reconhecia o poder e o valor das
mulheres. Fez de mim sua princesa.
Foi embora cedo demais. Às vezes, sinto sua presença e até seu
cheiro. Agradeço a Deus ter convivido
com ele. E só me resta, fazer-lhe uma
oração;
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