“PERDE TEMPO”OU “POUPA
TEMPO”?
Dinah Ribeiro de Amorim
Dª Sueli, aos setenta e cinco anos, tinha uma
vida bastante ativa. Fazia exercícios diários, pintava, gostava de ler, frequentar
festas, organizar serviços voluntários e, de vez em quando, escrever algumas
poesias. Ia levando a chamada “nova idade” da melhor maneira possível. Seu
maior prazer mesmo era dirigir, pegar o carro e sair para uma bela estrada, num dia
bonito de sol. Sentia-se livre, aventureira e independente.
Ficou realmente muito preocupada quando notou
que sua carteira de motorista estava vencendo. Dirigiu-se ao despachante mais
próximo, achando que logo resolveria o assunto, mas com muita delicadeza e
atenção, ele informou que teria que fazer exame médico novamente, agora, só no
Detran. Ou, se quisesse, poderia tentar também nos Poupatempo da cidade, pois
devido “a sua idade,” talvez tivesse menos fila, e poderia ser melhor atendida.
Achou que mais perto seria o Poupatempo, Dª
Sueli não perdeu tempo, e logo para lá se dirigiu. Muito bem atendida,
indicaram-lhe a fila da 3ª idade, e não poderia fazer o exame de vista no mesmo
dia, mas poderia marcar com antecedência e comparecer no dia e hora designados
para ela. Como a fila estava comprida, perguntaram-lhe se não queria se sentar
num banco adiante, que seria chamada na sua vez, pois a moça que marcava a
consulta não estava atendendo no momento.
Quanta gentileza! - pensou ela, sentando-se
para aguardar. Após duas horas, dirigiu-se novamente à encarregada da fila que,
com mil desculpas, colocou-a no lugar novamente, afirmando ter esquecido de chamá-la. Também, com tanta gente! Tudo bem -
pensou ela, desejando marcar sua consulta e ir embora pois, já estava ficando realmente
cansada. “Acho que a idade já está me
pegando,” (reflete).
Finalmente, portando os papéis necessários
para uma nova carteira, marcou um novo dia para seu exame de vista, não
esquecendo antes do pagamento da taxa estabelecida, no banco existente ali
mesmo, para esse fim.
No dia combinado, compareceu ansiosa, louca
para regularizar sua situação e tornar a dirigir seu carrinho que a levava,
livre, a tantos lugares atraentes. Foi encaminhada novamente a uma fila
especial, recebida com a mesma gentileza anterior, apresentou novamente os
documentos necessários como da primeira vez, agora um pouco mais rápido, mas que
decepção! A atendente pesquisou no computador e lhe disse que não poderia ainda
fazer seu exame de vista, pois existia uma pendência na sua pontuação, vinda do
DETRAN. Mas como! - pensou ela, não havia recebido nenhuma notificação, algumas
multas que tivera sempre foram pagas corretamente, deveria haver algum engano. Seus documentos estavam em ordem. Os funcionários
se entreolharam e, resolveram encaminhá-la a um departamento do DETRAN, mais próximo,
no centro mesmo, próximo ao Perdetempo,
isto é, Poupatempo para perguntar o que
havia acontecido. Realmente, seria mais fácil para ela, “devido à idade,” com
menos gente. Só não sabiam se estaria funcionando naquele horário. “Que sorte -
pensou ela, em sua inocência.” “Fica aqui ao lado. Quem sabe ainda volto hoje
mesmo e resolvo tudo.”
Chegou ao prédio indicado, cheio de gente e
com vários casos. Foi encaminhada a uma nova fila especial, atendida por um
senhor muito gentil que olhando também pelo computador lhe disse que havia tido
alguns pontos a mais. A contagem agora não era mais anual, mas outro tipo de
contagem que ela não entendeu muito bem e, como sua carta estava vencendo, não
poderia guiar até fazer um novo exame de trânsito, realizado no próprio DETRAN,
passando antes por um julgamento do caso e de quanto tempo seria sua penalidade,
sem poder dirigir!
Pronto, Dª Sueli estava agora não só muito
contrariada como entristecida, sentindo-se uma condenada por ter pretendido
renovar sua carteira de motorista, cansada de tanta correria, recebendo e
ouvindo novidades que, para ela, com tantos anos de trabalho em periferias de São
Paulo, nunca haviam acontecido. As
coisas estavam se tornando mais difíceis ultimamente.
E a escola do DETRAN, onde deveria fazer o
curso, entrou em férias!
Depois de muitas perguntas, encontrou uma
escola do DETRAN perto de sua casa, e fez o curso pela Internet. Um advogado
foi contratado, conseguindo lhe uma penalidade adequada ao caso e, finalmente, adquirindo boa nota, para espanto de alguns, foi
aprovada e ganhou o direito de fazer seu exame de vista, recebendo a carteira
de motorista e permissão para guiar novamente. Que coisa boa!
Muito satisfeita, recebeu essa notícia em
Paris, através do celular, meio esquecida do fato, entrando na catedral de
Notre Dame para ouvir um belo coral.
Dª Sueli, realmente, sabia levar com
sabedoria a sua “nova idade”.