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terça-feira, 11 de junho de 2024

Buscas, sempre Buscas - parte 1 - Hirtis Lazarin




Buscas, sempre Buscas

Hirtis Lazarin

 

                                                  (parte I)

                                

Uma nuvem carregada e atrevida, em meio a uma manhã cheia de sol, pegou a todos de surpresa, inclusive Ana Amélia que saía bem apressada da farmácia. Mesmo que corresse, a sua roupa branca e impecável chegaria bem molhada até o carro, estacionado a duas quadras dali, ao lado da pracinha. 

Refugiou-se sob a marquise de uma cafeteria simples e acolhedora. Aproveitou esse tempo para tomar um cafezinho quente, pois achava que a chuva seria passageira. Tomou o segundo café, e nada! Estava impaciente, até chegou a pensar que os ponteiros do relógio caminhavam mais rápido do que sua obrigação exigia.

Infelizmente, a chuva não diminuía e Ana Amélia caminhava de um lado para o outro. Tinha pressa, muito trabalho a aguardava e o dia mal começara. Eram nove horas da manhã.

Ouviu, então, um barulho forte vindo do outro lado da calçada. Era um cesto de lixo enorme que acabava de cair. Esparramou-se uma montanha de papéis, cascas de frutas, restos de comida e tudo o que a nossa mente consegue imaginar…. Uma bola de basquete atirada com muita força e os meninos correndo atrás dela, foram os responsáveis pela desordem toda.  Os dois desapareceram em segundos, na primeira esquina, sem olhar para trás. Ana Amélia, que era toda certinha, irritou-se com esse comportamento irresponsável.  Gritou… gritou, mas os berros foram ao vento. 

Impaciente e irritada… Era assim que começava a sua terça-feira. Ligou para a sua empresa e acalmou os funcionários, já bem preocupados com a demora.        

E para completar o seu dia, do meio daquela sujeira toda, veio um som miúdo e choroso. O ronco barulhento dos carros e o som dos pingos da chuva batendo na fachada de zinco da cafeteria não a confundiram: era, sem dúvida, um latido sufocado.

Não pensou na roupa branca que vestia, nem no cabelo bem penteado. Correu ao encontro do animalzinho e agarrou-o com força. Ele latiu assustado, esperneou, tentou mordê-la, mas não conseguiu se soltar. Era frágil demais diante daquelas mãos fortes de dedos compridos e ágeis.

Ana olhou cuidadosamente para todos os lados… procurou E não identificou ninguém que fosse o dono do cãozinho. Um pedestre se aproximou e garantiu que ele vivia na rua.  Ela apressou os passos até o carro, mas o chão molhado e escorregadio atrapalhou a caminhada. E apesar de a chuva já ter diminuído bastante, dois seres ensopados e tremendo de frio encontraram abrigo no interior quentinho do veículo.

Um homem observava Ana Amélia, desde que ela deixou a farmácia. Discreto e sem chamar a atenção. Vestia calça jeans, camisa polo branca e suéter vermelho amarrado às costas: roupa do cotidiano, mas impecável e bem passada. Dava para ver o vinco na calça. Não sei se é ultrapassado ou não, mas... Ele tirou um bloquinho do bolso da camisa e anotou a placa do carro que saía lentamente da pracinha.

Depois de acender um cigarro e fumar sem nenhuma pressa, James entrou no prédio ali ao lado e, já no elevador, acionou o oitavo andar. Chegou às dependências da agência de publicidade, seu local de trabalho. Um funcionário compenetrado e atencioso, que soube vestir a camisa da empresa “Insight”. Joga um bombom na mesa da recepcionista que lhe agradece com um sorriso gordo e guloso. Apressa os passos, pois é avisado de que um cliente aguarda-o em sua sala.

 

Depois de vinte minutos, Ana Amélia chegou ao Pet Shop “Patas de Ouro”, onde era proprietária e veterinária. A atenção de todos, então, foi para a cachorrinha “shih tzu” que acabara de ser resgatada. 

Analisada cuidadosamente, verificou-se que não tinha nenhum ferimento externo; estava maltratada e faminta. Depois de um banho caprichado e alimentação farta, foi colocada junto aos outros cães do mesmo porte. O shih tzu é uma raça pequena, delicada e muito carinhosa. De origem chinesa, diz-se que dormia aos pés dos nobres.

Faltava-lhe um nome. A veterinária permitiu que fosse escolhido pelos três funcionários da casa. Depois de acertos e desacertos, aprovou- se o nome Lisy. 

A Lisy acabava de ser adotada. 

Ana trancou-se no banheiro para um banho demorado e roupas limpinhas.

Ana Amélia é filha adotiva de um casal sem filhos. Mal conheceu o seu pai.  Foi criada por Dona Ruth e com muito sacrifício. A morte do marido aconteceu de um jeito inesperado. Era um homem jovem, forte e foi vítima de um A.V.C fulminante. A menina cresceu, se tornou uma linda mulher e veterinária por vocação.   

Quando criança, interagia com os cachorros, não só numa brincadeira fofa. Era muito mais que um momento de entretenimento e prazer. Eram momentos de preocupação e cuidado. Trazia para casa animais abandonados que encontrava pelas ruas da cidade. Dona Ruth vivia com os cabelos em pé para acomodar e alimentar tantos bichos.

A jovem de vinte e três anos era feliz, amava sua família, mas vivia atormentada por uma pergunta que nunca lhe foi respondida: qual era sua origem e por que foi adotada. Sempre que questionava, a mãe ficava nervosa, irritada e fugia do assunto. A jovem usou todos os argumentos possíveis, mas nunca conseguiu ir além.

Por que esse mistério?



James trabalhava com prazer, mas tinha um hobby que preenchia seu tempo livre. Era uma pessoa ansiosa e não conseguia viver “sem ter nada pra fazer”. Por acaso, descobriu algo que o fascinou. 

Seu gato angorá, como sempre, saiu para o passeio de todos os dias. Saía e voltava, mas naquele domingo, Chico não voltou. Os dois viviam juntos há vários anos e nunca ficaram separados. Juntos viajavam, e juntos curtiam a vida.

O rapaz esperou mais um dia e o gato não apareceu. Comprou um livro sobre investigação, colheu informações e começou um trabalho minucioso. Examinando as câmeras da rua, acompanhou o percurso do bichano, desde o momento em que ele pulou o muro de casa e caminhou até a praça da cidade. No caminho, parou próximo a um cesto de lixo, saltou várias vezes tentando alcançá-lo, mas desistiu quando um vira-lata se aproximou rosnando. Dois garotos que subiam a rua brincaram com ele. Acho até que se conheciam. Chico continuou seu caminho na maior calma, chegou à praça, atravessou um canteiro de rosas, esgueirando-se dos espinhos, espreguiçou-se e, sem nenhuma pressa, desapareceu no interior do jardim.  Eram dez horas da manhã e nenhuma outra câmera, nenhuma outra pista foi encontrada. O angorá é um animal dócil, inteligente e brincalhão. Quem sabe alguma criança se encantou e o levou pra casa?

Passaram-se dez dias, James conversou com muita gente, visitou casas e mais casas. Já estava bem desanimado quando recebeu uma informação de que o levou até outro bairro da cidade. Era uma casa espaçosa e rodeada de árvores. Tocou a campainha várias vezes, sabia que não estava vazia. Um som alto de música clássica vinha lá de dentro. Depois de dez minutos, uma senhora idosa abriu, cautelosamente, a porta.  Atrás dela veio um menino carregando o Chico. O gato nem se mexeu quando viu seu verdadeiro dono. James ficou felicíssimo e triste, simultaneamente. Estava morrendo de saudade. Só depois de uma negociação cansativa, o angorá foi devolvido e trocado por outro igualzinho.

Ele agarrou o bichinho, entrou no carro e saiu cantando pneus. Estavam salvos.

Será que gato não se apega ao dono? Só se interessa por comida e um lugar quente pra dormir?


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