O SOLDADO QUE NÃO QUERIA MATAR
Claudionor Dias da Costa
Quando criança gostava de escutar as histórias de
meu avô.
Certa vez, na tranquila varanda de sua casa ele me
contou o que passou na época da guerra. Participou da primeira guerra mundial. Meu avô
era um português alto e forte, tendo passado um período na França atuando na
artilharia.
Fez amizade com Arlindo, tão jovem quanto ele, e
passaram por treinamento juntos trocando confidências e emoções num período em
suas vidas que poderiam estar aproveitando com mais tranquilidade, ao invés de
enfrentar o inimigo, tendo que matar ou morrer.
Por várias vezes seu amigo reclamava da convocação
para participar do conflito e com ar triste e perdido exclamava:
— Antônio, por que eu e você estamos nesta situação?
Não concordo nada em ter que assumir este papel que vai contra a minha
consciência. Não aceito me oferecer para morrer, quando sei que esta guerra foi
provocada por ânsia de poder, dominar o inimigo e usufruir de sua derrota. E
não me conformo que a alternativa que tenho para continuar vivo é matar outro
soldado que tem as mesmas inquietações que eu. Só está do outro lado. Será que
minha vida vale mais que a do meu “inimigo”. Todos os seres humanos são iguais.
Meu avô disse que não poderia contestar, porque ele
tinha argumentos profundos e sua filosofia de vida era baseada na paz e concórdia.
— A nossa sobrevivência Arlindo... Não esqueça que
existem pessoas te esperando depois e dependem de você.
Contudo, em seu descanso, ficava meditando acerca
dessas colocações e se via intrigado com os absurdos e armadilhas que a vida
provoca.
Porém, naquele conturbado mundo não sobrava tempo
para muitos pensamentos. A batalha era diária e sempre muito perigosa.
O sargento da tropa incitava todos a serem
corajosos e destemidos, e essa pressão atormentava mais ainda o Arlindo que não
via sentido em tudo que estava vivendo.
No acampamento ele ficava balbuciando palavras
soltas e várias vezes chorava escondido. Era muito angustiante.
E nesse drama meu avô tentava acalmá-lo, mostrava
que tudo terminaria. Precisariam de paciência, resignação, fé pessoal e muita
em Deus.
Arlindo procurava não participar e vivia se
escondendo atrás das atividades dos outros, de forma que não fosse surpreendido
pelo sargento, porque poderia ser punido. Os amigos até procuravam protegê-lo
porque sabiam dos motivos daquelas atitudes.
A única coisa que amenizava um pouco era receber notícias
dos parentes através das cartas que demoravam para chegar, mas, que eram um bálsamo
de um outro mundo que parecia que nunca alcançariam outra vez.
Apesar de gostar de recebê-las, Arlindo parecia se
preocupar mais e ficava taciturno mantendo um silêncio que incomodava até os
companheiros.
Os dias se sucediam naquela rotina cruel, sangrenta
e cansativa.
Num dia de confronto violento, ele não aguentou e
saiu tresloucado da trincheira, partiu correndo para a frente. Chegou ao
extremo de sua depressão e preferiu se entregar e sacrificar sua vida do que
permanecer fazendo o que não permitia sua consciência.
Ouviu-se um tremor muito grande. Uma bomba havia explodido
próximo à trincheira em que estavam.
Meu avô e mais dois companheiros correram e viram o
Arlindo caído, muito ferido, ainda vivo. Puxaram-no imediatamente e pelo rádio,
chamaram o socorro médico que ficava na retaguarda.
Foi levado às pressas para o hospital de campanha.
Nesse instante, meu avô olhava para mim que estava
com os olhos esbugalhados e aflitos, e aumentava o suspense:
— Será que o Arlindo se salvou?
Continuava:
— Bem...ele foi operado porque tinha ferimentos. Eu
quando podia acompanhava sua recuperação e após algum tempo já podíamos
conversar um pouco.
O tempo passou e as tropas regressavam a Portugal.
A guerra finalmente acabava.
Mas...vovô:
— Afinal, o que aconteceu com seu amigo Arlindo?
— Meu neto, ele se recuperou e como acompanhou o
pessoal da saúde no dia a dia, assim que se sentiu melhor procurou o sargento,
que foi aos superiores e conseguiu permitir que ele ficasse junto aos
atendentes no hospital de campanha trabalhando.
Era tudo que o meu amigo queria. Não atuar matando inimigos,
mas, ajudando a salvar vidas. Assim, preservaria seus conceitos, não sofrendo contra
o que não concordava.
Sorrindo acrescentava que em seu regresso à pátria,
começou a estudar medicina e se formou em cirurgia.
Nesse instante, vovô se levantou, foi até uma
estante em sua sala, apanhou uns envelopes e um álbum de fotos, e voltou.
Mostrou as cartas que recebia de seu amigo depois
que havia emigrado de Portugal para o Brasil. Amizade de mais de quarenta anos.
E no álbum com fotos daquela época, também apareciam
algumas recentes que Arlindo enviava para ele. E numa delas, num recorte de notícia
de jornal entre mais três pessoas destacava: Dr. Arlindo Pereira Sampaio,
renomado cirurgião português recebe comenda da ONU por suas contribuições e
estudos na área de cirurgia vascular.
Vovô para pensativo e dirigindo-se a mim como era
seu costume quando queria me aconselhar:
— Ele foi um exemplo e serve para nos lembrar que o
caráter, uma consciência limpa, bons princípios e persistência num ideal alcançam
sucesso e realização.
Eu tinha treze anos e sempre lembro da história do soldado
que não queria matar.
LOGLINE DESTA HISTÓRIA
Rapaz convocado para a guerra sofre angústia por
não concordar em matar.
Após quase morrer, consegue outra atividade
atendendo feridos e, no final do conflito se dedica e atinge o sucesso e
realização pessoal numa profissão nobre.
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