Aconteceu num domingo
Ana
Catarina S. Maués
E
tudo começou a ficar muito iluminado, de uma claridade intensa, mais forte que
o dia lá fora. E vultos tomaram conta de todo o lugar, que parecendo anjos,
caminhavam ora por entre o povo reunido, ora subiam e desciam em rasantes por
sobre a cabeça dos que ali estavam. Um espetáculo que deixava a todos em
êxtase. A visão era como se estivessem diante de holograma, pois os seres não
podiam ser tocados, a imagem em terceira dimensão, desfazia-se com a tentativa
de segurá-la.
Tarde
ensolarada. A devota Mara Lúcia, em passos largos, caminhava rumo a capela,
próxima de sua residência, para a oração do terço, mas o salto agulha a
atrasava, pois fazia, vez por outra, ela torcer o pé tornando o percurso mais
longo.
Enfim
chegou, ainda a tempo de fazer, junto com o sacerdote, o sinal da cruz de
início do terço.
A
reza lenta e compassada somada ao calor, faziam-na dar cabeçadas em um cochilo
nada apropriado. Sentia-se estranha, nunca havia feito aquela oração de modo tão
displicente.
Terminado
o terço, hora da santa missa. O padre deu início à celebração e Mara Lúcia
continuava bem zonza. Abria os olhos com dificuldade, mas eles não obedeciam,
tinham vontade própria, eles zombavam de sua intenção. Quando parecia bem
acordada ela entrava em discussão consigo mesmo, mas o que será isso eu dormi
bem à noite, não acordei tão cedo, não estava com sono quando saí de casa muito
pelo contrário estava bem esperta para não chegar atrasada ao terço uma hora
boa para um café será que alguém notou minhas cabeçadas na capela tem bastante
gente caramba que vergonha logo eu conhecida como a mais devota da comunidade.
Ainda em pensamentos, mas percebeu o olhar atento da amiga Carol, deu um
sorrisinho, um aceno e voltou-se para a santa missa, todavia mais um longo cochilo.
—
Vão em paz, e o Senhor vos abençoe.
Mara
Lúcia assustou-se! E com seus botões dizia, meu Deus terminou a missa e se
acompanhei metade dela foi muito, mas agora vem a adoração do Santíssimo, não
posso ficar desse jeito. Levantou-se arrumando a saia, e dirigiu-se ao
sanitário na lateral do prédio.
Lá
chegando jogou água fria no rosto, esfregou bem os olhos, abriu a bolsa
procurando um batom, e retornou certa de que o sono a deixara.
O
Santíssimo já estava exposto. Mara Lúcia ajoelhou-se no banco em frente a
hóstia consagrada e foi nesta hora que ela viu um feixe de luz saindo do
ostensório. A luz crescia e avançava vindo em direção a ela, tomando conta de
todo o salão. Abaixou a cabeça e arrepiada, só lembrava de pedir perdão
pelos seus pecados. Ela não tinha coragem de abrir os olhos e quem sabe ver
Jesus, pensava que se isso acontecesse iria morrer por ver o poder do Cristo.
Passados alguns instantes de um frenético torpor, tomou coragem e nesse momento
pode contemplar a cena mais inusitada de sua vida. Viu a glória de Deus. Eram
homens com asas, vestidos de um branco alvo, como jamais vira, que não andavam,
deslizavam por entre as pessoas, enquanto outros pairavam próximo a cabeça
delas e outros deslocavam-se como que voando, mas sem bater as asas, tudo
ocorrendo dentro de uma aura mais clara que o sol de meio dia, porém sem afetar
a visão. Mara Lúcia podia ver tudo sem sentir seus olhos ofuscados.
A
visão demorou alguns segundos, o suficiente para deixá-la inebriada, sem saber
se foi arrebatada ao céu ou se o céu veio visitar a capela. Olhou em volta e as
pessoas pareciam estar em transe.
A
Adoração ao Santíssimo acabou. Mara Lúcia saiu da capela e não falou com
ninguém sobre a visão. Todos saíram mudos, sem se cumprimentarem como de
costume.
Amanheceu.
O sol chegou pisando forte na grama do jardim. Mara Lúcia acordou trazendo bem
nítida a visão do dia anterior. Somente agora tinha a intenção de tecer algum
comentário com alguém que também esteve lá. Lembrou da amiga Carol, com a qual
trocou aceno e resolveu telefonar.
—
Oi Carol, que bom que atendeu.
— Oi
Mara, comigo tudo bem e com você?
—
Amiga, o que foi aquilo ontem na hora da adoração em? Perguntou Mara Lúcia.
—
Pois é, você passou tão mal. O padre interrompeu a adoração, chamamos o SAMU,
eu fui com você até o hospital de emergência, você estava muito alterada, não
falava coisa com coisa, de início pensei ser uma insolação, pois o calor era
demais, mas os médicos disseram que você teve um AVC. Graças a Deus você reagiu
bem e voltou logo a si.
—
Carol! Do que você está falando?
Perguntou muito assustada Mara Lúcia.
—
Do piripaque que você teve na capela ontem. Você não lembra?
— Cruz credo! Eu não lembro de nada não. Meu
Deus! Eu liguei pra te falar de uma coisa totalmente inusitada, e você me diz
isso!
—
Verdade amiga, foi um corre-corre danado. Você ficou muito doida.
Mara
Lúcia sem entender nada, teve que acreditar na colega e até hoje não sabe
explicar se o que viu foi verdadeiro ou efeito do acidente vascular cerebral
que sofreu.
GOSTEI MUITO DESTA HISTÓRIA. CRIATIVA EXPLORANDO O IMAGINÁRIO (SERÁ?), BEM NARRADA, ÓTIMA SEQUÊNCIA.
ResponderExcluirPARABÉNS, ANA.