TENTAÇÃO
Hirtis
Lazarin
Duas
viaturas, sirenes ligadas, estacionaram em frente à pequena igreja “Nossa
Senhora das Dores”, no centro de Curió.
Quatro policiais desceram armados.
O sacristão aguardava-os na calçada, gesticulando feito doido. Andava de um lado pro outro. As palavras saiam enroladas, difícil entender
o que estava acontecendo.
Honório
trabalhava meio período num posto de combustível. Depois do almoço, dedicava seu tempo a cuidar
da igreja. Trocava as flores murchas dos
vasos, brilhava o chão de ladrilhos azul e bege, espanava o pó onde se
acumulava. Deixava tudo em ordem até às
dezesseis horas. Pontualmente, abria a
porta de madeira bem pesada. O rangido das dobradiças enferrujadas era tão
forte que se tornou referência de hora pra quem não tinha relógio.
O
som alto e prolongado das sirenes atraiu gente de todo canto. Crianças pararam de brincar, donas de casa
abandonaram a panela de feijão no fogo, o pintor de parede caiu da
escada... Em minutos o quarteirão estava
apinhado de gente.
A
vida no vilarejo de Curió parecia presa a sua espantosa monotonia. Os dias e a vida eram desenhados para
seguirem sempre um roteiro definido e sem surpresas. A quebra da rotina naquele dia e a curiosidade
maior que o medo, careciam da presença de público.
Os
cinco homens entraram na igreja e fecharam a porta. Tudo revirado... Imagens de santos em pedaços atirados ao
chão, flores pisoteadas, o cofre na sacristia com o dinheiro do dízimo
saqueado, o altar revirado, hóstias espalhadas.
O cálice de ouro maciço usado na distribuição da comunhão jamais foi
encontrado.
A
porta que dava acesso aos aposentos do padre estava arrombada. Cobertas e
lençóis no chão, gavetas abertas e vazias. Na parede, apenas o contorno empoeirado
do espaço ocupado pelo crucifixo de bronze. No guarda-roupa, cabides solitários.
A
todas as perguntas que se fazia, a resposta era uma só: “A igreja foi saqueada e o padre sequestrado”.
Faziam
apenas oito meses que o padre Walter assumira a paróquia.
Homem
enérgico e assertivo nos sermões, cobrava, excessivamente, as obrigações dos
cristãos e todo dia repetia: “Os tementes e fiéis a Deus devem se confessar
semanalmente. Não estamos livres de cometer pecados entre
uma semana e outra. Ai daquele que morre
em pecado”.
Os
fiéis, gente humilde e carente de opinião, obedeciam-no religiosamente. O medo de ir pro inferno atormentava-os desde
que aprendiam a ler e estudar o catecismo.
Zezinha
era a mais fervorosa de todos. Sempre de
vestido azul, nos mais diferentes tons, véu branco de renda na cabeça,
caminhava todos os dias, a passos largos, em direção à igreja. Eram momentos
sagrados e dedicados à reza do terço e comunhão. Nunca esquecia uma flor pra Nossa Senhora.
Todos
se conheciam na cidade e logo perceberam que a moça não era mais a mesma. Antes, de sorriso gratuito e sempre graciosa
com os cabelos cacheados e amarrados com fitas de cetim coloridas, encismara-se
de vez. Até se afastou dos poucos amigos
que tinha. A devoção e o tempo que ficava
ajoelhada no confessionário contando pecados só aumentavam.
O
padre não tinha essa paciência com os demais cristãos. Cinco minutos bastavam para contar os
pecados, rezar o ato de constrição e ouvir a penitência equivalente ao tamanho
do pecado.
Após
a confissão, Zezinha ajoelhava-se aos pés de Nossa Senhora, terço nas mãos e se
punha a rezar. Só ia embora quando o
sacristão apagava as luzes e fechava as portas.
As
investigações policiais duraram poucos meses.
Bispos vieram e se foram. A falta
de recursos e nenhuma prova concreta fizeram o delegado encerrar o caso.
A
igreja foi fechada e o povo ansioso aguardava a chegada do novo pároco.
Zezinha não saía mais de casa, comia feito um
passarinho, falava pouquíssimo e quando falava, mal dava pra entender. Exames médicos não acusavam doença
alguma. Os pais já não sabiam mais o que
fazer. Só restava orar e orar.
E,
lá fora, os boatos corriam soltos: “A pobre moça apaixonou-se pelo padre. Ela sofre de amor e pra isso não tem remédio. Pobrezinha!
Só pode ser isso”.
Hoje
Curió amanheceu com chuva fina e vento fresco.
Um
punhado de gente triste carrega um caixão branco.
Zezinha
parou de sofrer.
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