Ladrão que rouba ladrão tem cem anos de
perdão.
Ana
Catarina Sant’Anna Maués
Ao
pé de uma serra inóspita, existia uma vila humilde, sem progresso, sem
expressão e atrativos turísticos e com pessoas sem ambição, aí mesmo é que o
local estagnou. Tinha como único comércio apenas um barracão, onde se podia
encontrar poucas mercadorias para venda, além disso, uma praça sem monumentos,
desprovida de jardim, bancos ou quiosques, ali próximo uma capela e um único
prédio, bem desgastado, que servia à prefeitura.
Foi neste lugar que certo dia apareceu, vindo tomar posse da igrejinha, um
certo padre Estevão. Homem alto, robusto, barriga que lhe escondia o ventre, de
feição áspera e ar sisudo, muito por conta da longa barba que exibia e tomava
conta de toda a face.
As celebrações litúrgicas realizadas pelo padre eram inusitadas, bem diferentes
das usuais e as missas em nada se assemelhavam às tradicionais. Padre
Estevão era reservado, de poucas falas, difícil vê-lo circulando em frente ao
que todos chamavam santuário, mas podia ser encontrado todas as tardes na sala
improvisada como sacristia, esperando os fiéis para o sacramento da
confissão. Esta obrigatoriedade foi imposta por ele como primeiro
ato de sua gestão. Instituiu que os habitantes viessem confessar-se pelo
menos uma vez por semana e como não eram muitos o controle ficava fácil,
deixando todos sempre em estado de graça, dizia repetidamente o padre, que não
deixava escapar nenhum paroquiano. Possuía uma lista com o nome de todos, lista
que fez logo no primeiro dia que chegou e controlava com rigor. Quando alguém
deixava de vir confessar ele logo aparecia na casa do fiel e lá mesmo o
escutava dando penitência.
Isso, com o tempo, passou a incomodar, por demais, o prefeito que tinha lá as
suas mazelas com superfaturamento das nenhuma obras, quando recebia as
verbas do Estado e gastava bem longe dali em suas mansões no exterior. Foi
então o primeiro a se rebelar, não aceitando mais a confissão como cabresto.
O padre passou então a ser alvo da inquietação do prefeito que não queria ser
descoberto em falcatruas, pois sua imagem de homem ilibado era mantida a todo
custo e vai que o padre, após uma confissão por parte dessa autoridade, dá com
a língua nos dentes. Foi então que resolveu pesquisar, mesmo que a distância e
sem recursos de internet, pois a vila não tinha, usando cartas, a vida do tal
padre, tentando encontrar algo nefasto para tê-lo nas mãos, caso se visse
obrigado a confessar algo que expressasse a face encardida que disfarçava com
ações assistencialistas aos nascidos na vila.
Seu intento alcançou êxito quando recebeu uma correspondência da Ordem
religiosa, à qual padre Estevão dizia pertencer. Foi uma carta esclarecedora,
nela dizia que um outro padre Estevão, jovem, recém ordenado, havia sido
transferido a outro local, ficando ainda por tempo indeterminado, alguém para
administrar a capela da vila.
O prefeito ficou por demais encafifado com o impostor. Quem seria aquele falso
padre que se fazia passar pelo verdadeiro Estevão? Qual a verdadeira razão dele
impor confissão semanal à população? O que realmente estaria por
trás desta ação do falso sacerdote? Algo muito suspeito pairava naquela
situação. Foi aí que ele teve a ideia de entrar no alojamento que servia de
quarto para o padre e vasculhar os pertences enquanto ele estava ocupado,
trabalhando a cabeça das pessoas em confissão lá na capelinha.
Iniciou-se no alojamento um verdadeiro vendaval, o prefeito não era nada
cuidadoso e com pressa remetia as poucas coisas que encontrava, deixando tudo
fora do lugar. Nesta busca não encontrou nada que desabonasse o até então ilibado
padre. Resolveu confessar-se nesta mesma hora e pôr em pratos limpos toda
aquela situação. Foi até a capela e esperou impaciente o momento de falar.
Chegando perto do padre, revelou que sabia da falsidade ideológica que estava
vivendo. Estevão empalideceu, sua face carrancuda se fez transparecer em face
juvenil, igual criança pega em travessura e gelado como mármore, sem rodeios,
revelou que estava ali por causa da jazida de ouro da qual era dono por herança
e haviam sido roubadas as pepitas que conseguiu, em muitas garimpadas com
esforço sobre-humano, num trabalho árduo e solitário. Tinha como plano fazer o
próprio larápio confessar e fazê-lo devolver as pedras, daí inventou esse
disfarce quando soube por parentes distantes que o novo padre não viria mais ocupar
a capelinha.
O prefeito, diante dessa confissão, arregalou os olhos e lembrou que tempos
atrás, quando saiu a caçar pela mata, encontrou um saco com cinco pepitas de
ouro junto a um córrego, parecendo que alguém havia ido banhar-se e ali esqueceu.
Avarento que era, percebeu logo um caminho para mais rico ficar. Ofereceu
parceria na exploração da jazida em troca de não revelar a verdadeira
identidade de Estevão. O falso sacerdote não teve como driblar a proposta e
aceitou de pronto ou isso ou a prisão.
Logo no outro dia, o prefeito foi com Estevão, que se chamava na verdade
Adamastor e chegaram cedo na mina. Observou o local e viu que ela era pequena e
rapidinho poderia explorá-la com baixo investimento, o que lhe fez de pronto
ter outra ideia. Muito egoísta, ofereceu comprar a parte de Adamastor e não
revelar a falsidade ideológica do mesmo. Adamastor foi chantageado e aceitou a
oferta, tentou convencer-se de não ter mesmo grandes ambições.
Adamastor pediu que, até que o pagamento da compra da mina fosse concluído, ele
pudesse ficar morando no barracão perto dela, uma vez que não poderia mais
frequentar o vilarejo. Neste ínterim raspou a barba e passado um tempo já
estava bem magro, em nada se parecendo com o personagem que representou.
Na vila, todos sentiram falta do padre, mas não sabendo o porquê do sumiço,
conformaram -se, e a vila ficou novamente sem sacerdote.
Assim que Adamastor obteve seu novo visual, providenciou na vila um quartinho
para alugar, e sem ser reconhecido, todas as manhãs ia garimpar na mina
escondido do prefeito, metendo a mão na massa ficando com todas as pepitas que
encontrava.
Enfim, chegou o dia do pagamento total da parte de Adamastor pelo prefeito.
Adamastor nada tolo, estava bem mais rico do que o prefeito supunha. Rapidinho
virou homem rico e agora sim deixou a vila e foi para a cidade grande.
O prefeito, ficou com sua ganância lá no vilarejo e até hoje se mantém no poder
da prefeitura, fazendo o que se acostumou a fazer pelo lugar, nada.
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