A BRUXA QUE
MORAVA AO LADO
Claudionor Dias da Costa
Minha vizinha, Dona Anastácia, senhora de mais de
setenta anos tinha aspecto estranho e com suas atitudes me deixava intrigado e
com medo.
Usava um lenço na cabeça, com os cabelos que saiam para
fora e ficavam desgrenhados à mostra, vestido longo amarrotado e velhas sandálias e empoeiradas pelas andanças em
seu quintal de terra batida.
Por vezes, ela saia para o fundo daquele quintal entrando
num emaranhado de plantas malcuidadas próximo à um muro baixo, que funcionava
como uma bancada para um grande caldeirão de ferro velho e enferrujado, enfiava
algumas coisas dentro. Num cantarolar agudo e inaudível, acendia, por baixo
daquela bancada, o fogo com lenha e ficava com um pedaço de pau mexendo e
mexendo...
Uma fumaça intensa saia dali com cheiro estranho.
Eu ficava na espreita olhando pela janela, com
receio que me visse. Para os meus oito anos tudo aquilo era emocionante, mas,
amedrontador.
A figura dela, o que fazia e todo aquele cenário me
conduziram a uma certeza só: ela era uma bruxa.
Esta imagem era reforçada pelos livros que havia
lido e que lembravam muito a “Bruxa Anastácia” que eu conhecia tão bem e vivia
tão perto de mim.
Na época, alguns fatos começaram a acontecer que só
aumentaram minha preocupação com as atitudes daquela bruxa aterrorizante: nosso
cachorrinho Pocó morreu atropelado; num dia uma tempestade com raios e trovões
derrubou o toldo de lona de nosso quintal; o carro do papai quebrou: eu
escorreguei na escada e quebrei a perna.
Tudo muito esquisito e sem explicação, que na minha
compreensão infantil só poderia ter acontecido por maquinações das bruxarias dela.
Eu contava
aos meus amigos e cada um acrescentava um tanto de forma que não havia criança
na redondeza que não sabia de coisas terríveis dela.
Como vivia isolada e pouco contato tinha com
vizinhos só aumentava o ar de mistério que cercava sua vida.
Segui até os meus onze anos fantasiando o que
cercava aquela história e não poucas vezes acordei com pesadelos a respeito.
Numa tarde escura e fria de inverno, vimos uma
ambulância chegar e levar à bruxa. O que teria acontecido?
No dia seguinte eu e três amigos que estavam em
casa perguntamos a minha mãe sobre o ocorrido e a notícia nos inquietou:
“Dona Anastácia morreu. Teve um AVC”.
Nos entreolhamos e num misto de surpresa apesar da notícia
impactante ficamos até aliviados por saber das histórias dela e o que causava
em nós.
Minha mãe com olhar profundo e triste começou a
contar a vida daquela senhora e de suas dificuldades de ter sido abandonada,
por viver sozinha, com poucos amigos e sofrendo numa solidão sem saída.
Eu fixei o olhar nela e com voz alterada e alta questionei:
− Mãe, mas ela era uma bruxa!
− O que é isso, meu filho?
− Sim, eu a via fazendo bruxarias no quintal, dentro
do caldeirão no fogo, com muita fumaça e cheiro ruim.
− Não filho. Naquele caldeirão ela só tingia roupas
para sobreviver.
Pronto!
Eu e meus amigos ficamos desconcertados e depois
daquele dia continuamos a comentar tudo que ocorreu. Nas nossas conclusões
confusas de fantasias com o choque da realidade começamos a nos arrepender do
que pensamos da Dona Anastácia.
E até hoje, passados mais de quarenta anos, quando
vejo uma senhora com lenço na cabeça, passos lentos, olhar perdido, lembro da história
da minha vizinha com poderes. Aprendi que envolvido pela minha imaginação
infantil fui traído por julgar pelas aparências.
E me vem à mente a máxima que escutei não sei onde:
O tempo se encarrega de ser um grande mestre para nós.
Esta lição me permitiu seguir pela vida,
conseguindo avaliar que atitudes erradas e más são fraquezas humanas que nos
prejudicam por vezes e não originarias de bruxos ou bruxas que não existem. Ou
será que existem?
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