Mistério
do céu
Ana Catarina SantAnna Maues
Na cozinha um
grande alvoroço. As mulheres da família preparavam quitutes para a festa de
logo mais a noite. Do quarto escutavam-se as gargalhadas, comentários sobre os
fatos do ano que chegava ao fim. São elas minha mãe, irmãs e algumas tias. Agem
com indiferença ao esforço que faço. O vestibular se aproxima e mesmo hoje estou estudando, lendo e relendo
os resumos feitos das pilhas de livros que manuseei. Desisto! O barulho é maior
do que consigo aguentar. Saio sem avisar. Bato a porta com rebeldia. Quem sabe
caminhar molhando os pés no mar alivie a tensão.
De casa até a
praia encontro automóveis, ciclistas, pedestres num indo e vindo eufórico. Do
meu ponto de vista todos estão loucos. Amanhã será um dia comum, com um dígito
a mais no ano, apenas isso.
Na areia
poucos aproveitam os últimos raios do sol de dois mil e cinco. Olho os rochedos
ao longe e vou até eles, meu cantinho preferido. De repente observo que alguém
jogou alguma coisa. Água e rocha brincam, uma traz a outra devolve.
Interrompo o jogo. Trata-se de uma garrafa, com algo dentro. Curioso, tiro a
rolha, leio um pedido de socorro, constato que o bilhete tem a data de hoje,
trinta e um de dezembro de dois mil e cinco. Alguém acabou de lança-la ao
mar.
Olho em
volta procurando alguém, subo com dificuldade as pedras afiadas, quero chegar
num ponto mais alto. Do outro lado
afasta-se caminhando de cabeça baixa uma moça. Só pode ter sido ela a autora do
bilhete. Atravesso as pedras, desço depressa, quero alcança-la. Grito pedindo
que pare. Ela vira-se. Tem os olhos inchados de tanto chorar. Mostro o bilhete,
pergunto se é seu. Ela confirma. Sem cerimônia me dá um abraço.
A noite cai
rapidamente, e nos dois ali, abraçados em silêncio.
Já mais calma
pergunto o que significa tudo isso, a
garrafa, o bilhete, as lágrimas e ela finalmente fala:
— Sou visitante aqui. Vim estudar, conhecer, familiarizar-me
com a cultura. Hoje devo retornar e estou triste. Aqui há beleza, pureza,
diversidade, cor, luz, calor frio. A natureza exuberante enternece meus
sentidos. Contemplaria por toda eternidade lugar assim. Ninguém pode ajudar-me.
O bilhete foi meu grito preso na garganta. Fiz um acordo, não há como
descumprir, mesmo porque se ficar amanhã serei cinzas. Fui programada para
sobreviver por um ano. Vou embora com mala cheia, mas não se preocupe, não
estou referindo ao que pertence a vocês, daqui sou proibida de levar um simples
grão de areia. Falo da minha mente , extasiada com a beleza do planeta azul.
Quando parou
a narração, olhei pro céu e vi uma luz aproximando-se. Veio descendo
lentamente, de repente não a senti mais em meus braços. Olhei e vi que estava
desaparecendo, como que microdissolvendo-se em partículas sugadas pela luz
sobre nós. Quando deixou de existir a luz alcançou velocidade e sumiu no
horizonte.
Voltei pra
casa, não contei a ninguém o sucedido. Nunca mais olhei pro céu como antes.
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