O pulo do
leão
Hirtis Lazarin
O caminhão cambaleava na estradinha de terra
escorregadia e esburacada por conta das chuvas que chegaram exageradas após metros e mais metros de orações. Tião partiu de última hora e não
teve tempo de escolher o melhor caminho. Abandonou o prato quase cheio na mesa
do almoço, arrancou uma camiseta do varal e quase esmagou o gato que atrapalhou
sua passagem. Só após estar dentro do caminhão, percebeu que faltava a
chave. O atraso provocou-lhe meia dúzia de palavrões cheios de
ódio.
Arrancou o veículo da garagem descoberta, arrastou a
bicicleta do sobrinho e derrubou um balde cheio de água ensaboada. O piso
cobriu-se de espumas e ficou escorregadio. Em meia hora, estava longe da
cidade.
Até agora, eu não vi no caminho nenhuma placa de
trânsito e, realmente, não sabia se o motorista sabia pra onde estava indo.
Parecia que confrontava a sorte e quem confronta a
sorte é muito corajoso ou já desistiu da vida.
Os pneus carecas e a carroceria que já foi
envernizada e polida estava carcomida. Das letras garrafais que compunham o
nome da família, desenhadas na madeira, só sobravam o “S” e o “A”. O caminhão
era tão idoso quanto o pai de Tião, a única herança que o velho lhe deixou.
À medida que anoitecia, a mata que acompanhava a
estrada foi ficando cada vez mais densa e fechada. O ruído feliz dos
pássaros e o andar cauteloso dos animais acomodaram-se. A natureza é pontual
nos seus compromissos.
O motorista acendeu os faróis, mas não funcionou.
Desligou o motor, abriu a porta, cautelosamente, e só desceu após conferir
todos os lados. Mexeu daqui e dali, mas nada mudou. Fez o que pode intercalando
o fazer e o xingar. “Afinal não sou eletricista”. Foi a explicação que
confortou seu coração naquele momento.
Se a velocidade do carro já era bem reduzida
por conta do mau estado de conservação do caminho, agora, sem farol, a
complicação dobrou. Não seguiu em frente.
Tião sentiu sede e fome. Virou e revirou a cabine em
busca de uma sobra de alimento esquecido no banco, no meio de peças de roupas e
papéis misturados. Nada.
Escuridão, fome, solidão…
A sensação era de perigo e a coragem do homem, que
não era uma coragem tão grande assim, ouviu um rugido cada vez mais próximo. A
esperança de que o animal não sentisse o cheiro de homem- por- perto foi por
água abaixo. Dois olhos brilhantes e uma boca faminta aproximaram-se
silenciosamente.
Tião só conseguiu enxergar quando a fera parou à
frente do caminhão. Enorme e cheia de dentes. Ele conferiu a maçaneta das
portas. Frouxas, há muito tempo. Amaldiçoou a falta de dinheiro e a falta de
zelo, indispensáveis na manutenção de um veículo.
O leão sondou o ambiente, deu um salto espetacular e
alcançou o capô. Cheirou demoradamente o para-brisa, grudou o focinho no vidro e
prendeu os olhos nos olhos de Tião. Tião não sentiu medo quando ficou
responsável por levar o dinheiro roubado num caminhão caindo aos pedaços.
Diante da fera desmaiou.
O dia amanheceu e Tião acordou agitado, com as mãos
algemadas e rodeado de policiais.
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