Foi
em Berlim?
Hirtis
Lazarin
As
câmeras do aeroporto de Berlim registram Pedro apanhando a mala na esteira.
Achei grande demais para os poucos dias que pretendia permanecer no exterior.
Caminha rápido ao lado de outras pessoas e, agora, isolado, encosta numa
coluna. Consulta o relógio, olha ao redor como se procurasse alguém e decide
entrar no coffeeshop quase vazio. Olha o cardápio e, antes de fazer o
pedido, tira do bolso do blazer um bloquinho e procura anotações. O telefone
toca e, ao atender todo esbaforido, deixa o aparelho cair. A força é tanta que
o vidro frontal não resiste. Mas antes que a ligação caísse, consegue
atender. O tom de sua voz vai se alterando gradativamente e chega aos gritos.
Os olhares voltam-se pra ele, um comportamento inadequado àquele ambiente.
Com a mão esquerda, irrequieta, alisa os cabelos repetidas vezes. Transpira e
do rosto escorre suor. Sua expressão facial vai se transformando e revela
outro Pedro. Um homem muito assustado que em nada combinava com o empresário
seguro e experiente.
Lá
em São Paulo, Helena está no seu consultório e atende suas pacientes-crianças.
Hoje, a turminha agitada cismou em atrasar as consultas com suas manhas cheias
de querer. De manhã, ela não teve tempo de se despedir do marido com a viagem
de negócios à Alemanha.
Acordou
bem atrasada, vestiu a mesma roupa do dia anterior, um casaco de lã pesado
sobre o terninho azul-grafite. Passou pela cozinha e, de cara feia, cuspiu um
gole de café gelado. A garrafa estava isenta de culpa, alguém descuidado não
soube fechá-la do jeito certo.
Já
eram quinze horas quando a secretária avisou que as duas próximas consultas
tinham sido canceladas. Ficou aliviada, nem teve tempo de almoçar.
Tirou
o jaleco que não era mais de um branco impecável e esparramou-se na poltrona
macia, amiga acolhedora de mulheres exaustas. Depois de quase esvaziar a
jarra de água gelada, respirou profundamente, o necessário para sentir-se
refeita. Lembrou-se do marido.
Pegou
o celular guardado na gaveta e fez cálculos sobre a diferença de quatro horas
entre o Brasil e a Alemanha. Provavelmente, ele já estaria no hotel. Fez a
ligação, aguardou uma dezena de toques e não foi atendida. Não se preocupou
porque conhecia bem as distrações do marido e, se ele caísse na cama, nenhum
toque de celular o acordaria.
Ainda
no coffeeshop, Pedro está bem agitado e descontrolado. Espera alguém que há uma
hora deveria ter chegado. Vai até o balcão, toma um café e mais outro. Compra
um maço de cigarros, não é viciado, mas precisa se acalmar. Senta-se numa mesa
pequena no espaço reservado aos fumantes. O cheiro da fumaça é forte, não está
acostumado e sente náuseas. Joga o maço no lixo, ainda não perdeu o
juízo. Ele não queria acreditar que poderia ter caído num golpe. O preço
pago foi alto.
Após
falar ao telefone, Pedro não tirou mais os olhos da entrada da loja. A demora o
angustiava. Só sossegou quando apareceu por lá não quem ele esperava, mas uma
jovem elegante. Aproximou-se dele e conversavam como se já se conhecessem. Ela
percebe o nervosismo do homem e, com voz mansa e gestos afetuosos, faz de tudo
para acalmá-lo. A conversa foi longa, mas deu bom resultado. Saíram dali juntos
e ele não foi mais visto. Desapareceu do nada.
Helena
entrou na delegacia aos gritos e gesticulando. Ninguém entendia o que falava.
Tentou contato com o marido a noite inteira, ligou à recepção do hotel e ele
ainda não tinha aparecido por lá. Foi a gota d’água... Chamou um táxi, não
tinha condições de dirigir. Segundo ela, Pedro se encontraria com
um intérprete espanhol para acompanhá-lo nas negociações.
Já
se passaram quatro dias. A polícia federal estava trabalhando com a
Interpol e, num primeiro momento, supunha-se que o negócio empresarial agendado
poderia ter sido uma isca para atraí-lo a um golpe. Por questão de
sigilo, nada seria divulgado. E a imprensa já estava de olho no caso.
Helena
queria contribuir com as investigações e começou a vasculhar a papelada no
escritório do marido. Era um tal de abrir e fechar gavetas. Muitas
pastas, muitos papéis avulsos. Contratos que pra ela não significavam nada.
Precisava encontrar alguma pista. Um cartão com lista de peças de roupas estava
preso no pequeno mural. Helena leu várias vezes tentando entender. Estranhou
porque essa anotação não combinava com os recados rotineiros.
Puxando
na memória, lembrou-se de que, na véspera da viagem, Pedro estava bem feliz,
brincalhão, um pouco diferente de outras vezes em que viajou sozinho. Até
cantarolou durante o banho e enquanto arrumava a mala e era sempre ele
quem separava as roupas.
Um
insight… Helena correu ao quarto e escancarou o armário do marido. Conhecia de
cor e salteado todas as peças de roupa. Ela sempre fez questão de cuidar.
Foi tirando uma por uma e logo descobriu o que não queria descobrir.
Faltavam peças esportivas e as mais coloridas: bermudas, camisetas, tênis. Que
reuniões empresariais seriam essas? Os ternos continuavam ali intocáveis.
Nem
preciso descrever. Todos sabemos como reage uma mulher que se sente traída e
ainda com todas as provas à sua frente.
Essas
informações foram importantíssimas às forças policiais que mudaram totalmente o
rumo das investigações.
E
foi bem mais fácil localizar o suposto sequestrado, depois de seis horas de
andança e cruzar nove quilômetros de trilha difícil.
Pedro
estava hospedado num hotel à beira-mar na ilha Torrent de Pareis, Espanha.
Praia perdida e selvagem, areia dourada, fina e águas cristalinas
azul-turquesa, ideal para escapadas românticas. Sol quente e esportes
aquáticos. Noites calmas de lua cheia ao som do balanço do mar.
Eram
nove horas da manhã. Pedro e Lucy, avermelhados na pele branca, conversam e
tomam café da manhã.
Era
muito mais do que a imprensa esperava.