SVALBARD
Alberto
Landi
Há
algum tempo, me inscrevi num site do Arquipélago de Svalbard
O
objetivo era visitar o Silo Global de Sementes, apreciar a Aurora Boreal, as
geleiras do Ártico e os costumes dos residentes. Decorrido bastante
tempo recebi um convite para integrar um grupo com guia para visitação da ilha.
Parti
de São Paulo rumo a Seattle com duração media de voo 17 horas numa distância de
11.000 km com escalas e de Seattle para Svalbard, com escala em Oslo, são mais
7 horas de voo, a uma distância aproximada de 6.000 km.
Quando
o avião se aproximou do Arquipélago, pensei daqui se pode ir ao Polo Norte de
trenó puxado por cães Huskys siberianos.
Quando
chegamos no aeroporto recebemos roupas adequadas para a temperatura que iria
fazer nos 4 dias de permanência. Tudo organizado para visitação.
Acho
que esse lugar é um dos mais sigilosos do mundo, pode se comparar aos arquivos
secretos do Vaticano.
Por
ser um lugar tão isolado e de difícil acesso, tem algumas peculiaridades
interessantes.
Devido ao grande número de ursos polares, qualquer pessoa ou grupo que passeiam
precisam carregar rifles. Se um urso estiver correndo em sua direção, por lei,
primeiro você tem que dar um tiro para cima, mas estiver a 200 m de você e não
tem como fugir, só então poderá atirar.
As
leis são extremamente severas para quem mata ursos.
É um
lugar tão frio que os corpos não se decompõem. Quem morre em Svalbard tem que
ser transportado para fora do arquipélago e ser enterrado no continente.
O
mesmo acontece com nascimentos, a mulher tem que ser levada ao continente.
Durante
o inverno fica no escuro por quase quatro meses, então é possível ver a Aurora
Boreal a qualquer hora do dia, inclusive de manhã, após o sol nascer não é mais
possível.
É um
território ártico norueguês banhado pelo Oceano Glacial Ártico ao norte, pelo
mar de Barents a leste e pelo mar da Noruega e mar da Groenlândia a oeste.
É o
ponto da terra permanentemente habitado e mais próximo do Polo Norte.
A
capital é Longyearbyen com aproximadamente 3.000 habitantes.
É
formada por um grupo de ilhas e ilhéus.
No
interior de uma montanha na ilha de Spilsbergen, há quase 1 milhão de
variedades de sementes do mundo inteiro guardadas em segurança.
Este
é o Silo Global de Sementes e um dos lugares mais sigilosos do mundo.
Fui
informado bem antes da viagem que era quase impossível de entrar no silo sem
estar credenciado, mas não era o meu caso, iria apreciar tudo com detalhes e
com um grupo.
A
coleção era formada pelos espécimes mais importantes de sementes cultiváveis do
mundo.
Uma
ilha 60% coberta de geleiras e 100% no meio do nada.
Eu
pertencia a um grupo de pessoas convidadas na qual grande parte da viagem foi
subsidiada pelo governo norueguês, a visitar as sementes de 12.000 anos de
passado, presente e futuro da agricultura.
Lembrava
uma fortaleza. Pensei, será que seria um excesso de zelo essa caixa forte? Será
que estamos caminhando para uma extinção agrícola em massa? Creio que quase
metade da alimentação ocidental se baseia em gramíneas, trigo, milho e arroz.
A
Noruega com sua fama internacional de neutralidade e sem nenhuma grande
participação na agricultura global defendeu a idéia de um estoque de reserva
seguro e em 2007 assumiu o custo de nove milhões de dólares de construção desse
silo, carinhosamente apelidado de Arco de Noé das sementes.
Foi
erguido em concreto para durar dezenas de milhares de anos, foi projetado para
suportar bombas e terremotos.
Além
disso, por estarem profundamente inseridas na encosta da montanha, as três câmaras
de armazenamento podem continuar congeladas 200 anos sem eletricidade, caso
falte.
A
entrada sai da montanha 130 metros acima do nível do mar, alto o suficiente
para o caso de o gelo da calota polar derreter.
Em
maio de 2017, após um inverno ameno, a água conseguiu se infiltrar pela entrada
do túnel. Isso provocou um alvoroço na mídia. Todos diziam a salvaguarda do
futuro alimentar estaria em risco? A resposta é não. Todas as sementes no fundo
da montanha estavam salvas.
O
nosso guia era um americano de meia-idade, Mr. Anthony, que nos brindou com
muitos detalhes e curiosidades.
Ele
era aposentado do FBI em Seattle, e estava tentando recapturar momentos no
tempo quando ele havia sido grandioso em suas atividades. Passou 31 anos como
agente. Era reconhecido por sua velocidade, seu pensamento ágil e aguçado.
Com
seus 60 anos, achou que a aposentadoria não seria tão difícil. Tentou se ocupar
do tempo ora lendo sobre armas, como eram fabricadas e as várias maneiras de
uso, sendo essa bastante familiar pelo trabalho exercido, lia muito sobre
ficção e sobre crimes virtuais. Porém, não conseguiu se realizar pós-aposentadoria até que surgiu uma proposta de trabalho como administrador do
Silo Global de Sementes em Svalbard, na Noruega.
Apesar
de ter um clima nada agradável, aceitou o desafio.
Dentro
do silo o frio parecia se prender ao revestimento curvo de metal ondulado das
paredes da primeira passagem interna.
As
lâmpadas fluorescentes que zumbiam em todos os 146 m de extensão do túnel acrescentavam
um clima de estação espacial.
As
paredes de aço se tornaram um duto grosseiramente aberto na pedra, e o frio
aumentou muito.
As
condições ideais para armazenar sementes a longo prazo são – 18C e ar muito
seco.
O
interior da câmara 6x27x10 parecia uma garagem bem arrumada.
Esse
silo é uma iniciativa global com instituições de mais de 70 países e rara
participação em comum de inimigos culturais e políticos.
As
sementes ficam em caixas que nunca são abertas, são propriedades do depositante,
Svalbard meramente as guarda só se extrairá se e quando os proprietários
solicitarem. A maioria das caixas está cheio de dezenas de variedades de semente,
seladas a vácuo em bolsas de Mylar com rótulos e códigos de barras do sistema
de catalogação do próprio depositante.
O
guia se posicionou diante de um espaço nas prateleiras e explicou que esses
lugares vagos são fora do normal. As caixas de sementes são sempre guardadas na
ordem de recebimento e não são catalogadas geograficamente.
Havia
um local do Centro vazio porque o Centro Internacional de Pesquisa Agrícola em
áreas secas, um consórcio sem fins lucrativos que realiza pesquisas em mais de
50 países, retirou uma parte de seu banco de sementes.
Preserva
cultivares únicos de cereais, leguminosas e forrageiras originárias de lugares
com grande importância agrícola no mundo.
Durante
a guerra civil na Síria, esse Centro em Alepo, que já foi um dos mais
importantes repositórios de sementes do mundo, em parte devido à relevância
histórica da Síria como país de onde veio o trigo, teve de ser evacuado.
Somente 87% da coleção de sementes puderam ser salvas.
Esse
Centro requisitou suas sementes para que as variedades pudessem ser plantadas
no Marrocos e Líbano, para assim refazer o estoque de sementes. Então houve
dois redepósitos em Svalbard de sementes que se regeneraram.
Terminada a visita meus dentes batiam, e os
dedos dormentes, a temperatura externa era de – 26C.
O
grupo se reunia no hotel após as visitas, e as noites agitadas consistia em
muitas taças de vinho enquanto conversávamos e assistíamos à série televisiva
Grey's Anatomy.
Com
certeza este é um lugar inspirador de paz e segurança alimentar para toda a
humanidade
Saímos
na luz azul do ártico silencioso, uma paisagem maravilhosa e percebi que me
sentia ambivalente a respeito do estoque de sementes, que de tão longe vim para apreciar. A mudança
climática está deixando nossos agricultores perplexos, e suas opções são cada
vez mais limitadas. E os interesses corporativos tentarão aumentar a capacidade
de regular a venda e controlar a genética das sementes.
A
redução da biodiversidade do sistema alimentar deixou nações e cientistas
alarmados a ponto de resolverem estocar a genética das sementes.
Mas
será que essa é a melhor opção?
Svalbard
não tem nenhum poder sobre o clima global e nem sobre os interesses
corporativos, sem falar da transferência geracional de conhecimento.
Mas
manter sementes trancadas dentro do Polo Norte é um lembrete doloroso de sua escassez.
Você
que está lendo esse pequeno texto é a favor da manutenção do Silo Global de
Sementes, cujo custo operacional ao ano é de um milhão de dólares e sempre
buscando possíveis financiadores para manutenção e ampliação ou manter o máximo
possível nas mãos dos agricultores que detém o conhecimento de quando, onde e
como plantá-las?.