Juju e a Poltrona Falante
Adelaide
Dittmers
Era a primeira vez que Juju vinha visitar a tia-avó do pai. A mãe, a avó e ela pararam à
frente de uma casa antiga cercada por um jardim, onde flores perfumavam o
ambiente. Um ipê-amarelo imperava em um
dos lados.
Ao toque da campainha, uma senhora simpática
abriu a porta. Um sorriso feliz ao
vê-las. Entraram e a conversa correu
solta. A menina, porém, começou a ficar
inquieta. A senhora percebeu e disse-lhe
que podia explorar a casa ou brincar no jardim.
Ela se levantou contente com a sugestão da
tia. Estava curiosa em conhecer aquela
casa cheia de móveis antigos, tapetes coloridos e muitos quadros.
Foi percorrendo as salas, de cujo teto pendiam
grandes lustres, e se surpreendeu com a mesa já posta, em que pães, geleias e
bolos fatiados esperavam pelas visitas.
Sorrateiramente pegou um pedaço de bolo, olhando para os lados com medo
de ser flagrada por alguém.
Saindo dali, chegou a um hall, em que uma larga
escada levava para o andar superior. Subiu devagar até chegar a um comprido
corredor. No fundo, havia outra
escada. Foi até lá. Era bem estreita. A menina a galgou com muito cuidado, parou
admirada ao ver um lindo vitral, que a iluminava. Com os dedos lambuzados tocou
nas suas formas coloridas.
No final da escada, chegou a um pequeno hall,
onde havia uma pesada porta. Juju
empurrou-a com força e ela se abriu rangendo.
Devagar, medindo casa passo, a pequena entrou no amplo e escuro
sótão. Apertou os olhinhos para tentar
enxergar à sua volta. Ao fundo, duas pequenas
janelas. Com cuidado foi até elas.
Tropeçou em algo, mas conseguiu se equilibrar.
Determinada, empurrou uma e
depois a outra, que se abriram, clareando o sótão. Uma réstia de sol esgueirou-se pelos cantos
do lugar.
Voltou-se e colocou as mãozinhas na boca,
surpresa com tantas coisas que se espalhavam por ali: móveis, livros empilhados
e tapetes enrolados, mas o que mais lhe chamou a atenção foi uma grande e larga
poltrona de veludo vermelho no meio do cômodo. Tinha um rasgo em um dos grossos
braços. Em cima dela, uma boneca de
pano, com pernas muito compridas.
Ao aproximar-se da poltrona, viu uma grande
boca em seu encosto, que falou:
— Olá menina!
A garota deu um pulo para trás, assustada.
— Não tenha medo, sou uma poltrona mágica, que
fala. Aliás, adoro falar.
A boneca levantou-se e disse;
— Ela fala até demais,
A criança arregalou os olhos.
— Vocês estão vivas?
— Estamos.
Há muito tempo fomos abandonadas aqui na escuridão. Disse a poltrona.
— Você chegou e deixou entrar a luz do
sol. Obrigada! Completou a boneca.
— Como você se chama, linda menina? Perguntou a
poltrona.
— Juliana, mas me chamam de Juju.
— Gostei do seu apelido. Sente-se no meu colo. Adoro crianças.
Meio receosa, mas, ao mesmo tempo, encantada, Juju
sentou-se com cuidado ao lado da boneca.
— Por que abandonaram vocês aqui? Uma poltrona
e uma boneca que falam!
— Há muito tempo, eu ficava na sala. Era a poltrona preferida de todos,
principalmente de Dona Guilhermina, que se sentava em mim, como uma rainha para
ler, conversar com as visitas ou fazer tricô. Participei de muitas festas. Ouvi muitas histórias. Os filhos e, mais
tarde, os netos adoravam pular em mim.
Eu me divertia muito com eles.
— E você, boneca? Como veio parar aqui?
— Eu era de Antonia, uma das filhas de Dona
Guilhermina. Ela era muito apegada a
mim. Dormia com ela, e tudo. Mas ela
cresceu, casou e me deu para a filha.
Fiquei muitos anos com ela, mas ela também cresceu e foi embora, e um
dia já não me queriam mais e vim para cá.
— Meu destino é parecido. Envelheci, a pele do meu braço se rompeu e me
trouxeram para este sótão e logo depois jogaram a Ritinha em cima de mim, o que
foi uma bênção porque não fiquei mais sozinha.
— Que triste!
Você se chama Ritinha, boneca? Acrescentou a menina.
— Sim.
Juju passou a mão suave e carinhosamente no
braço da poltrona.
— Você é tão macia… Queria ter uma poltrona
como você!
A velha poltrona ficou emocionada e o seu
veludo brilhou de satisfação.
A garota virou-se para a boneca e a acomodou em
seu colo. Ritinha sorriu de felicidade.
Nesse momento, uma voz gritou lá de baixo:
— Juju, onde você está? Venha tomar o lanche!
— Não vá, não! Estamos adorando ter você aqui.
— Eu também estou adorando vocês! E gritando
respondeu:
— Já vou!
— Eu vou, mas eu volto. Disse com ternura. E colocou delicadamente
Ritinha no colo de sua amiga.
Desceu as escadas correndo e quase sem
respirar, gritou:
— Mamãe, lá em cima tem uma poltrona e uma
boneca que falam!
A mãe sorriu.
— Esta menina tem uma imaginação tão fértil...
— Você não acredita. Tem que subir para ver com seus próprios
olhos.
— Vamos Juju! Sente-se para lancharmos. Olha
quanta coisa gostosa.
A menina obedeceu, mas nem sentiu direito o
gosto das delícias que estavam sobre a mesa. O pensamente fixo na pobre
poltrona e na boneca de pano.
No fim do lanche arrastou a mãe para o sótão.
— Veja mãe, como é linda e fofa esta poltrona e
que simpática é a Ritinha!
— Ritinha? Você já deu um nome a ela.?
— Ela me disse seu nome.
— Ah! Filha!
Você é muito engraçada.
— Dona Poltrona, trouxe minha mãe para
conversar com você.
Mas para espanto da menina, a poltrona ficou
muda e ela reparou que a boca desaparecera.
— Por favor, fale! Minha mãe não acredita que
você fala.
E nada.
Nem ela ou a boneca disseram uma única palavra.
A decepção estampou-se no rosto da criança. A
mãe balançou a cabeça.
— Mamãe, mesmo que ela não está falando, quero
levar a poltrona e a boneca para nossa casa.
— O quê? De jeito nenhum. Não quero esta velharia desbotada em casa.
— Não fale assim delas. Eu quero!
E começou a chorar.
— Eu quero! Repetiu gritando.
— Ah meu Deus! Vai começar a fazer birra agora.
— Eu quero! Por favor! Implorou.
— Aonde vou por essa poltrona enorme?
— No meu quarto. Lá cabe.
A mãe olhou para a filha. As lágrimas corriam
pelas faces. A boca deformada pelo choro. Era uma criança dócil e meiga. Nunca insistia em pedir coisas.
— Está certo.
Vou descer e falar com a vovó Guilhermina.
— Eu quero ficar mais um pouco aqui.
Quando a mãe saiu, ela disse:
— Por que vocês não falaram nada?
A boca apareceu novamente no encosto da
poltrona.
— Os adultos não compreendem a magia que há no
mundo. Só as crianças percebem o que é
encantado. Só você pode nos ouvir.
— É isso então? Que pena que minha mãe não pode
conversar com vocês. Vai ser o nosso segredo. Disse sorrindo e limpando as
lágrimas com os dedinhos. E continuou;
— Mas vocês ouviram. Vão para minha casa. Estou muito feliz!
A boca de veludo abriu-se em um grande sorriso
e a boneca pulou de alegria.
— Sente-se bem perto de mim para
abraçá-la.
Juju aconchegou-se nos braços macios da velha
poltrona e abraçou Ritinha. Um raio de
sol iluminou as três.
— E tem mais… Vou pedir à mamãe para
consertar seu braço.
E deitou-se sobre ele.
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