AQUELA VOZ MISTERIOSA
Helio Fernando Salema
Cheguei a casa mais tarde do que o normal. Preocupado em responder,
sem titubear, ao infalível questionário da Dona Ciumenta.
Por sorte estava dormindo, ou quem sabe, fingindo. Fui até a cozinha
para fazer um café e comer um pedaço do pão que ela avisou que faria. Assim,
menos suspeita talvez ficasse, ao perceber que o saboreei.
Quando comecei a elaborar o meu impecável lanche, o celular tocou. Saí
correndo com receio de que ela acordasse. Uma voz feminina dizia:
— Eu sei de tudo… Eu sei de tudo.
A voz abafada, com certeza para que não fosse identificada.
Desligou rapidamente.
Não imaginei quem poderia ser. Carminha certamente não era, pois pela
hora que saí da casa dela já estaria dormindo.
Preparando o lanche e pensando quem poderia ser? A voz não me ajudava em nada. Será que vai ligar novamente e dar mais detalhes? Comendo meu lanche e pensando. Cada mordida era mais forte ainda, como querendo extrair do pão o que a memória não me revelava.
Durante toda à noite aquela voz martelava meus tímpanos, neurônios e a
consciência. Cada vez que acordava vinham nomes de pessoas que ultimamente
tiveram algum contato comigo.
Clientes, amigos, amigas íntimas, outras não tão próximas. Tudo em vão.
Depois de um curto sono levantei o mais rápido que pude, antes que a inquisidora acordasse. Temi que ela também tivesse recebido o maldito telefonema, e eu, certamente, não saberia o que dizer.
Quando cheguei ao trabalho, uma luz finalmente surgiu. Vi no meu celular o número da ligação da noite anterior. Anotei num papel e imediatamente fiz a ligação. Tocou o tempo todo sem que ninguém atendesse. Insisti por mais alguns minutos sem êxito.
Minha secretária entra na minha sala e avisa que chegou a Dra Cláudia.
Um forte temor apossou-se de mim tão rápido, que só o percebi ao sentir minhas
pernas bambas, coração disparando e uma pequena dor no peito.
Dra. Cláudia era minha cliente e ultimamente demonstrava insatisfação
com os resultados do meu trabalho.
Ao me recuperar pedi à secretária que a fizesse entrar. Assim que
passou pela porta levantei-me e fui em sua direção. Ela com um sorriso me
cumprimentou e disse que estava com pressa. Que desejava apenas me pedir
desculpas, pessoalmente, pelo que me dissera, pelo telefone no dia anterior.
Silenciosamente suspirei fundo. Disse que ela não precisava se
desculpar e que eu entendi tudo o que ela havia dito como um desabafo. Com
sorrisos e apertos de mãos nos despedimos.
Assim que ela transpôs a porta, atirei-me na cadeira e elevei as mãos
ao céu. Senti que tudo estava resolvido, nada mais a me preocupar.
Até que o celular toca. Era aquele número maldito. Pensei que o
problema estivesse sanado e eis que me ressurge, com certeza, ainda pior.
Novamente os tremores e a dor no peito.
Era aquela voz feminina, agora bem nítida:
— Desculpe o que fiz ontem à noite. Foi engano.
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