A escalada
Adelaide
Dittmers
A
mulher andava de um lado par o outro da sala, esmagando com passos impiedosos o
assoalho, que rugia ao seu pisar.
Pensamentos
latejavam, sacudiam, explodiam e ecoavam em seu coração. O nervosismo azedava-lhe os sentidos. Sentia
que estava morrendo dezenas de vezes. O mundo
estava desabando sobre ela. O papel que
há pouco recebera provocou um terremoto em seu corpo inteiro. Ondas de desespero
a invadiam e a faziam ofegar pelo ar que lhe faltava.
Como
iria enfrentar isso? Sempre fora muito
corajosa e enfrentara vários desafios, mas este, que estava se apresentando
agora era muito diferente e não dependia só dela.
Começou,
então, a relembrar como tudo acontecera naquele dia de escalada na altiva
montanha. As trilhas, que recortavam o
verde intenso, vibrante e iluminado. O
rio esverdeado e caudaloso, que se feria nas ásperas e impiedosas pedras, que o
pontilhavam e faziam a água explodir em espumas alvas e transparentes. O dia frio de inverno iluminado por um sol
aconchegante e morno e pelo azul profundo de um céu sem nuvens.
O
grupo de alpinistas, que tentava submeter a orgulhosa montanha à sua ousada
escalada, fincava com dificuldade os ganchos nas rochas expostas da encosta
íngreme.
Aquele
esporte sempre a atraíra. Adorava
desafios, que a deixassem vulnerável e a vitória da conquista a inebriava. Era considerada exímia nesse alpinista.
A gigante, que se erguia a sua frente tinha
uma dificuldade maior do que muitas outras.
Suas escarpas eram lisas e traiçoeiras.
Pela
sua grande experiência, era a condutora daquele grupo de jovens, ávido de se
arriscar na aventura de conquistar a inóspita montanha, que estava lutando para
se entregar a eles.
O
planejamento da escalada fora feito minuciosamente. Temperatura, possibilidades de ventos fortes,
medição de tempo da subida, eventualidade de chuva, tudo verificado.
O único risco era um jovem inexperiente, que
insistira em ir com eles. A teimosia e
os argumentos dele foram mais fortes do que a cautela e previdência dela,
porque no fundo adorava a audácia daqueles que praticavam o esporte, em
enfrentar perigos. Tinha consciência, no
entanto, de que a inexperiência era uma ferrenha rival da eficiência.
Tranquilamente
as grandes dificuldades estavam sendo vencidas com muito cuidado. A adrenalina corria desenfreada pelas veias
de todos.
A
alguns metros do pico, a parede rochosa tornou-se vertical. O verde da vegetação ficara muitos metros
abaixo. Era o grande desafio. Todos se prepararam para vencê-lo. O novato, entretanto, ao se deparar com a
dificuldade à sua frente e ao se conscientizar da altura em que estavam,
desesperou-se e morrendo de medo, começou a tentar subir mais depressa para
alcançar o topo em menos tempo e livrar-se do pavor que sentia.
Na
sua imaginação ela viu o rapaz tentar, desesperadamente, fincar o gancho numa
das saliências da rocha com mãos trêmulas e úmidas pelo suor. Com certeza, mal conseguia
segurar o gancho, que lhe escapou das mãos, deixando-o pendurado, o que quase
arrastou os outros com ele.
Nesse
momento da lembrança daquele dia, a mulher jogou-se no sofá. As mãos crispadas cobriram as faces. A ordem, que gritou ao rapaz, soou em seus
ouvidos.
—
Balance a corda e tente se prender novamente.
O
jovem, porém, estava fora de si. O medo abocanhara-o todo. As mãos soltaram-se
da corda e ele caiu no vazio. Gritos de
horror ecoaram pelo vale.
O
grupo apressou-se em chegar ao topo da montanha. Mais abaixo o alpinista jazia em um platô
verde da encosta. O silêncio cobriu a
indiferente paisagem com um manto negro.
Desde
aquele dia, o remorso corroía a alma dela. Sentia-se culpada. Fora irresponsável. E agora tinha acabado de receber uma
notificação de que os pais do infeliz rapaz a estavam protestando.
Ela
tinha conhecimento de que a legislação não cobria esses tipos de acidentes e
que houve outro famoso processo, que não dera em nada, mas mesmo assim estava
morrendo de medo de ser julgada. Tinha um nome a zelar. O alpinismo era a sua vida. Dentro dela, o remorso travava uma luta feroz
com a angústia de pagar pelo seu erro.
Sempre
quis estimular nos jovens o esporte, que amava, mas devia ter dito um sonoro e
resoluto não ao novato.
De
repente, imaginou que pegou um forte gancho dentro dela e o fincou na coragem pétrea,
que sempre tivera e que a fazia alcançar os perigosos cumes das montanhas.
Levantou-se
do sofá. O rosto sério expressava a
decisão tomada. Pegou o celular e ligou
para seu advogado.
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