O
confronto
Adelaide Dittmers
As
vielas da grande favela estavam vazias.
Os moradores fecharam-se em seus barracos, assustados. O medo pairava no ar. Um tiroteio zumbia alto naquela tarde quente
de verão. Dois chefes, que controlavam o
tráfico se enfrentavam.
Rato, cognome
do maior traficante do local queria manter o seu poder diante de Dodó, um
menino, que tinha sido seu aviãozinho e, agora, já um rapaz, desafiava-o para
dominar o lugar.
Rato
estava no alto de uma laje protegida por um muro de alvenaria. Seus olhos eram frios, inquietos, atentos. Suas
feições contraídas pelo ódio que sentia pelo antigo ajudante, distorciam seu
rosto, transformando-o. Era um homem alto e forte. Impiedoso, tirava com crueldade qualquer um
que lhe entravasse o caminho.
De
repente, outros tiros foram ouvidos. A
polícia subira o morro para acabar com o embate e tentar prender os
traficantes. Dodó desviou sua atenção ao sentir que os policiais se aproximavam
e, neste momento, Rato aproveitou para fuzilar o ex-companheiro. Um sorriso de satisfação aflorou em seu
rosto. Era o chefe supremo daquele
lugar. Em seguida, rapidamente começou a
fugir, saltando pelos barracos, desapareceu pelos becos da favela.
Pulou
á frente de um barraco e com um pontapé abriu a frágil porta, entrando
abruptamente na minúscula sala daquela casa pobre.
Uma
mulher magra e três crianças soltaram um grito e assustados se agarraram uns
aos outros, seus olhos estavam arregalados e tremiam de medo. A criança menor, que devia ter perto de três
anos desatou a chorar, um choro alto e descontrolado.
Rato
gritou: ¨
— Faiz
esse pirralho parar de berrar já, senão eu atiro.
A mulher em desespero pegou o menino no colo com
mãos trêmulas, abraçou-o fortemente e sem conseguir conter os soluços,
cochichava ao seu ouvido, tentando tranqüilizá-lo.
O
homem empurrou a mulher e o menino com força e segurou o pescoço da pobre
criança. As duas meninas, um pouco
maiores, não se moviam, aterrorizadas.
A
pobre mulher, com uma voz fraca, implorou:
— Não
faiz mal a nóis!
— A
polícia está atrás de mim e se esse filho da mãe não parar de gritar. Vão me achar.
— Para
de berrar seu diabinho! Gritou, com os
olhos faiscando de ódio.
O
menino, no entanto, não parava de chorar.
Então Rato, apertou o
pescocinho da criança até sua cabecinha cair sobre o ombro da mãe.
A
mulher despencou no chão da pobre morada.
As meninas se debruçaram e soluçando baixinho, abraçaram a mãe e o
irmãozinho.
Rato olhou a cena com desprezo. Era um homem cruel demais para sentir piedade
por quem quer que seja. O silêncio era
só quebrado pelo choro contido e abafado das crianças.
Ao
longe, os tiros cessaram. Parecia que nada se movia naquele lugar. Depois de algum tempo, com muito cuidado, o
homem abriu a porta e espiou para fora, olhando de um lado para outro. Apenas um gato passou correndo e se
escondeu embaixo de um carrinho de mão.
Sem
olhar para trás, o criminoso saiu e correndo sumiu entre os becos da favela.
Dentro
do barraco, Joselina começou a voltar a si.
As meninas choravam convulsivamente.
Aturdida, levantou-se com dificuldade e sentou-se no chão, olhou para o
menino, que caíra ao seu lado, pegou-o, abraçou-o e desatou a chorar, um choro
doído, revoltado, maior que ela, maior que o mundo que a rodeava e com um ódio
e uma revolta jamais sentidos, grito então:
— Monstro,
monstro, monstro!
Josué
era um homem trabalhador, honesto e de bom coração. Trabalhava como pedreiro em várias obras da
cidade e muitas vezes ajudava os vizinhos e amigos, quando queriam melhorar
alguma coisa em seus pobres barracos.
Era muito estimado e respeitado por todos que o conheciam.
Seu
único objetivo era proteger sua família e fazer tudo ao seu alcance para não
faltar o arroz e feijão de cada dia. Sua
companheira, Joselina, era diarista em casas de família. Assim viviam com muita dificuldade, mas não
lhes faltava o essencial.
Naquela
tarde, subia o morro, depois de um longo dia de trabalho, quando viu uma
aglomeração numa das ruelas da comunidade.
Todos falavam ao mesmo tempo.
— O
que aconteceu? Perguntou.
Um
rapazinho assustado respondeu:
— Rato
e Dodó se enfrentaram e teve um monte de tiros.
Rato matou Dodó. A polícia chegou
e Rato fugiu por ali. E apontou para a
direção em que Rato tinha fugido.
— A
polícia tentou caçar ele, mas não deu, completou o rapaz.
Josué
estremeceu. Rato tinha ido para o lado de onde morava. Um mau pressentimento o assaltou e com passos
rápidos dirigiu-se para casa. Odiava e
temia aquele homem horroroso e cruel, que tinha matado e torturado tanta
gente. Sempre evitava passar por ele.
Quase
correndo chegou ao seu casebre. A porta
estava aberta e várias pessoas estavam lá dentro. Choros e lamentações eram ouvidos. Seu
coração disparou, empalideceu e quase sem forças, com as pernas bambas, entrou.
O que aconteceu, perguntou-se.
— Meu
Deus! Gritou. Lá estava Joselina sentada
em uma cama, chorando copiosamente e sendo ajudada pelos vizinhos, que a
abraçavam e a consolavam. Tinham tirado
o menino de seu colo e o colocado na cama. Uma das vizinhas havia levado as
outras duas crianças para sua casa, afastando-as de tudo aquilo.
Josué
ficou um momento paralisado e, depois, em desespero, compreendendo o
acontecido, lançou-se sobre o corpinho do pequeno, gritando a sua profunda dor.
O rosto
daquele bom homem estava transtornado. De repente, levantou-se e com uma voz
cheia de ódio falou:
— Eu
mato esse miserável! Eu mato!
Os
presentes se entreolharam. Não podiam
acreditar naquele desabafo. Ele era
muito bom para isso. Acalmaram-no e
deram-lhe algo forte para beber.
Quando
a noite caiu, os amigos se juntaram.
Sabiam onde Rato costumava se esconder. Silenciosamente seguiram pelos
becos, concentrados no seu objetivo. Um
deles levava uma lanterna, outros tinham armas escondidas em seus bolsos.
Chegaram
a um lugar em que tinha uma pequena mata. No meio dela havia um casebre. Com
muito cuidado, muito quietos aproximaram-se do esconderijo, Entreolharam-se. O
lugar estava escuro. A portinhola estava
fechada e nenhum movimento era sentido dentro do lugar. Uma única janela estava
entreaberta. Postaram-se em frente a ela
e com um gesto calculado e muito devagar para não serem ouvidos, abriram-na. Da
escuridão Rato atirou. O homem que havia
aberto a janela foi atingido no braço. Uma rajada de tiros de ambos os lados
ecoou e tudo ficou silencioso. O homem
da lanterna iluminou o interior. Rato
jazia no chão. Os homens abriram a porta
e se aproximaram. Estava morto. Satisfeitos, deram-se as mãos. A justiça
tinha sido feita. Tinham ajudado o amigo
e evitado que ele sujasse suas mãos com o sangue daquele facínora.
No dia
seguinte, uma multidão acompanhou o enterro do inocente menino. Quando seu caixãozinho desceu a uma simples
cova, a tristeza era geral.
Josué,
Joselina as meninas abraçavam-se unidos pela mesma dor. Josué olhou para os amigos, balançou a cabeça
tristemente e seu olhar cansado dizia um muito obrigado.
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