VIDA DE CACHORRO
PASSEANDO NA HORA DO APERTO
Leon
Vagliengo
Augusto
não poderia queixar-se da sorte. Morava bem, em um belo apartamento em São
Paulo, no bairro de Moema. Sempre bem alimentado, ração de primeira.
Só
não se conformava muito com o nome estranho que lhe haviam atribuído. Nada a
ver com os praticados para a sua espécie, como o conhecido Duque, o
cinematográfico Banzé, ou mesmo o arcaico Totó. Mas, enfim.... Atendia mesmo
pelo estranho nome de Augusto.
Todos
os dias alguém o levava a passeio pelas calçadas do bairro, graças a suas conhecidas
e temidas necessidades fisiológicas, que deixavam os seus donos apavorados,
pois tinham medo de seus efeitos deletérios para o imaculado apartamento.
Esse
medo dos donos não lhe escapara à percepção, e duas vezes diariamente, à mesma
hora do dia e da noite, ele olhava para alguém, de preferência para Isabel, a
dona da casa, e chorava com cara de sincero sofrimento, revelando a sua
angustiante condição de apertado. Logo, Isabel, ou alguém a quem ela ordenasse,
providenciava a coleira e a guia para levá-lo ao passeio.
Ele não gostava da guia, mas se conformava
reconhecendo o cuidado que tinham para que não se perdesse.
Naquela
manhã estava especialmente apertado. Ao sair disparou em direção ao primeiro
poste, quase derrubando a Ritinha, a empregada da casa, que recebera a
incumbência de levá-lo.
Ao vê-lo tão desesperado correndo em sua
direção, o poste logo reclamou:
— Tem
que ser aqui? O caminhão da Prefeitura acabou de passar lavando a rua e eu
estou limpinho, sem mau cheiro. Vai mais adiante, me poupe hoje.
Augusto
nem teve tempo de responder. Aliviou-se ali mesmo, sem considerar a
argumentação do amigo poste. Depois da operação, que certamente seria a
primeira de uma série durante a caminhada, então grunhiu em resposta para ele:
—
Desculpe, amigo! Hoje não deu, mas agradeço muito pelo seu apoio.
Disse
isso e seguiu a caminhada, sempre cheirando aqui e ali, aparentemente tentando descobrir
algo que, para os que o levavam pela guia, era sempre um grande mistério,
fazendo com que pensassem:
—O
que será que o Augusto cheira com tanta concentração nesses momentos?
Em
verdade, ninguém nunca saberia. Ele não revelaria, guardando essas observações
e descobertas reservada e exclusivamente para si.
Continuando
o passeio, eis que, de repente, ocorreu nova e forte emissão daquele líquido,
desta vez sobre um pobre arbusto que teve a infelicidade de encontrar-se no
caminho, e que protestou:
—
Você não tem educação, não? Porque não vai num poste?
— Desculpe,
foi natural e espontâneo, não deu para segurar – grunhiu Augusto em resposta.
E
assim seguiram o passeio, até que Augusto parou, com as orelhas em pé,
admirando a linda cachorrinha, toda negra, de sua mesma raça, que se aproximava
com evidentes sinais de interesse, a julgar pelo balançar de seu apêndice traseiro.
— Que
gatinha! Logo exclamou Augusto, sem nem perceber
que o repentino entusiasmo e os hábitos coloquiais o levaram a confundir as
espécies.
Porém,
ao tentar fazer a tradicional conferência canina dos atributos da recém-chegada
que nele provocara tanta admiração, recebeu forte puxão pela guia e foi
arrastado para longe de sua candidata a musa. Virou a cabeça para trás,
querendo voltar, mas sendo impedido pela Ritinha.
—
Quero vê-la novamente, latiu para a cachorrinha, que também se mostrava
desapontada.
— É quase
sempre assim! Certos humanos não respeitam os nossos sentimentos – pensou.
Ante
a falta de alternativa, Augusto conformou-se com a esperança de voltar a
encontrar a sua musa durante o passeio da noite, guiado pelo Rafael, seu dono,
que nesses momentos costumava ser muito mais compreensivo.
E
voltou com Ritinha para casa, mas não sem antes vitimar mais algumas
plantinhas.
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