Eram dezessete horas quando Cícero subiu no ônibus. E assim
fazia todos os dias.
Do sonho nordestino em busca de uma vida melhor na cidade grande,
restavam apenas fiapos.
O rosto vincado pelo cansaço, os olhos sem brilho mostravam qualquer
coisa de assustado que lembrava um bichinho tímido.
Atravessaria a cidade toda até chegar em casa. Uma viagem que
lhe permitia recostar a cabeça na mochila gasta e tirar uma soneca.
Ele vivia numa viela com esposa e três filhos miudinhos.
As construções pareciam grudadas umas às outras. Todas as casas
eram muito pequenas e nervosas. Não mais que duas janelas
pra espiar o mundo lá fora. Tijolos à vista desequilibrados e
cimento escorrido feito sorvete derretido. Poucas árvores. A
maioria nus mais parecendo porta-chapéus à entrada de residências estilosas.
As ruas no conjunto eram um longo tubo cinzento e corredores
úmidos. Um labirinto.
Cícero preferia descer alguns pontos antes, adiando pouco mais a
chegada em casa. A caminhada e uns goles de cachaça no boteco faziam-no
inventar uma esperança que o deixava mais sereno.
Trocava conversa com conhecidos no bar, quando rajadas de vento chegaram
inesperadamente, levantando poeira das ruas, arrastando lixo e atirando longe
coberturas improvisadas dos barracos.
Nuvens negras mexiam-se tanto no céu parecendo sopa em ebulição; a
chuva despencou e os bueiros entupidos devolviam água suja e
garrafas pets rodopiavam na loucura do abandono. Em pouco tempo, ruas e
calçadas ficaram inundadas.
Cícero tentou correr, mas não deu. Abrigou-se no bar. O
celular sem bateria. Sua casa frágil, o teto com goteiras que não se
opunham nem aos pingos finos da chuva. As crianças indefesas... A
ansiedade ardia... Aceitar o fracasso? Arrumar as malas e voltar pro
sertão?
A chuva finalmente afinou. Já era possível ver o asfalto
esburacado. As pessoas se juntando solidárias pra refazer o que
tinha que ser feito. Tudo voltaria como era antes.
Cícero sabia que a noite é apressada, que o dia amanhece rápido e que às
cinco da manhã tem que estar novamente dentro do mesmo ônibus. Tudo
igual outra vez.
"Nada pode nos salvar da morte, mas o AMOR pode nos salvar a
vida."
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