O VIGÁRIO E O VIGARISTA
Leon Vagliengo
O Padre Anselmo era o vigário da única igreja existente na
encantadora e plácida cidade de Lindo Vale, situada numa região privilegiada
pela Natureza, com topografia generosa para a existência daquela vegetação
verdejante, viçosa e variada, alimentada pelas águas de um riacho que corria
por entre belos e poéticos cenários, tudo compondo o quadro que justificava o
nome da cidade.
Essas virtudes naturais haviam contribuído em muito para
atrair uma significativa população de pessoas de muito boa condição financeira,
que convivia com a comunidade formada pelos primeiros habitantes, geralmente
bem menos favorecidos nesse aspecto.
Homem tranquilo e bonachão, de cabelos já grisalhos, sempre
ostentando um sorriso amigo no rosto redondo, o Padre Anselmo Calamari tinha fé
inabalável em suas convicções religiosas e assim conquistara, ao longo do tempo,
a total confiança dos fiéis de sua igreja, que aprendiam com os seus sábios
sermões boas regras para a vida e os caminhos para o Céu.
De hábitos rotineiros, após cumprir todas as suas obrigações
diárias, à tardinha sentava-se na praça ao lado da igreja para ler as orações do
breviário e deixar-se um pouco ao descanso antes do jantar.
Foi numa tarde de segunda-feira, quando já havia guardado o
breviário após as orações do dia, que aquele moço se aproximou para conversar.
Foi recebido com um largo sorriso de satisfação pelo Padre Anselmo, que de
pronto o reconheceu.
— Como vai, Belmiro? Há quanto tempo
não o vejo! Por onde você anda?
—
A bênção, Padre Anselmo,
respondeu Belmiro, também muito feliz em rever o amigo.
— Eu consegui um bom emprego na
Capital. Nestas férias voltei para ver os meus pais e a minha terrinha, depois
de quase seis anos. Estava com muitas saudades daqui e de todos.
Enquanto conversavam, Padre Anselmo recordava-se do menino
Belmiro, sempre muito comunicativo e muito esperto, que fora coroinha em sua
paróquia, ajudando-o na celebração das missas. Agora ali estava ao seu lado um
homem feito, embora ainda muito jovem aos seus vinte e poucos anos, que
continuava bem falante a lhe contar, com entusiasmo, das boas experiências que
vivenciara na Capital.
E assim foi aquele encontro, que se repetiu nas tardes
seguintes, em que Belmiro contou ao Padre Anselmo que trabalhava no setor de
compras de uma pequena indústria, e era responsável pelo suprimento dos
materiais utilizados pelo setor de produção da empresa.
O que Belmiro não revelou ao seu amigo Padre Anselmo é que,
aproveitando-se de sua função de comprador, já se acostumara a beneficiar-se de
comissões irregulares que exigia dos fornecedores para realizar as compras. Evidentemente,
essas comissões eram geradas por uma desonesta aceitação de acréscimo nos
preços dos fornecedores, onerando os custos de seu empregador, o que não
caberia nas conversas com uma pessoa tão correta como o Padre Anselmo. Se lhe
contasse seria como uma confissão em que a própria decepção do amigo seria
certamente uma insuportável penitência.
Por sua vez, nessas animadas conversas o Padre Anselmo foi
contando a Belmiro, entre as historietas da vida da cidade nos últimos tempos,
também as novidades da Paróquia, mostrando especialmente o seu entusiasmo com a
campanha de arrecadação de recursos para as obras de caridade, que estava tendo
bastante sucesso, especialmente em razão da colaboração generosa dos fiéis mais
abastados.
Esses comentários do Padre Anselmo sobre a Campanha e alguns
detalhes sobre a sua gestão, discretamente obtidos no transcorrer da conversa por
Belmiro, acostumado a arquitetar artimanhas para conseguir dinheiro fácil, despertaram
nele uma grande tentação, que já nasceu prejudicada pela barreira moral muito
forte a transpor, representada pela figura bondosa e correta do Padre Anselmo,
seu amigo.
Mas esse bloqueio não parou por aí.
O dilema que se instalou em sua cabeça fez desencadear a
lembrança de tudo o que Belmiro aprendera com seus pais, que sempre o
orientaram sobre o que era certo e errado.
Todas aquelas recomendações vinham agora à sua mente,
provocando um grande conflito de consciência, especialmente quando voltava para
casa e se defrontava com eles.
O carinho e a austeridade de seus pais, gente simples, mas
muito correta, se transformavam em verdadeira admiração que demonstravam por sua
realização profissional. Isso contribuía para martelar a sua consciência,
fazendo com que se lembrasse de sua conduta irregular no desempenho de seu
trabalho.
As conversas na praça como o padre Anselmo, no entanto,
continuavam, e na quinta-feira já estavam bem animadas quando aquela belíssima moça
dirigiu-se com seu melhor sorriso ao padre Anselmo, beijando-lhe a mão:
- A bênção, tio Anselmo.
- Deus a abençoe, querida.
Apresentada pelo padre Anselmo, aquela moça mestiça de olhos
amendoados e cabelos negros era Ana Maria Calamari Yasuda, filha da única irmã
do padre, que era casada com um japonês.
Nada além do nome dela foi registrado por Belmiro naquele
momento, quase imobilizado pelo encantamento que sentiu ao ver Ana Maria, pela beleza
de seu rosto moreno e de seu corpo delicado, envolto num vestido jovial, recatado,
e pela graciosidade dos modos daquela moça. Ela também não ficou indiferente ao
ver aquele jovem e atlético rapaz, de rosto másculo e lindos olhos que pareciam
paralisados sobre ela.
Ao perceber o que não declaradamente acontecia, o padre
Anselmo ficou muito feliz em seu íntimo, pois sempre tivera especial carinho
pelos dois. Mas nada disse, deixou à vontade divina do Criador, embora não sem
torcer pelo bom desfecho.
Em pouco tempo aquele primeiro encontro entre Belmiro e Ana
Maria transformou-se em namoro apaixonado, que permaneceria intenso mesmo após
o enlace matrimonial.
Esta nova situação, ainda naqueles primeiros dias do namoro,
foi decisiva para Belmiro. Apaixonado pela moça e novamente entre pessoas
honestas, a quem não queria decepcionar, sentiu-se muito forte para resistir às
ocasiões que faziam dele um vigarista. Procurou um novo emprego e nunca mais
pensou em praticar desonestidades.
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