CICLOS
Hirtis Lazarin
Apesar dos quase oitenta anos, ele caminhava a
passos largos e em ritmo acelerado pela trilha estreita, ladeada por arbustos
espinhosos e agressivos. Todo cuidado era pouco pra não ser espetado.
Em casa, a esposa inquieta ranzinzava por todos
os cômodos: "Teimoso como ele só. Não era pra ir sozinho até o
vilarejo, mas quem é que segura aquele velho. Só Nossa Senhora pra dá
jeito".
Meia hora mais tarde, Seu Joaquim chegou esbaforido,
pingando suor. Jogou-se na cadeira de palha e bebeu quase meio litro de
água, sem tirar o caneco da boca.
Passado um pouco do cansaço, tomou banho rápido pra
evitar desperdício. O momento era de economia.
Enquanto Dona Rosa preparava o jantar, o homem
sentou-se nos degraus à porta da entrada, acendeu um cigarro e, entre as
baforadas, pôs-se a observar a paisagem e a remexer em si mesmo.
Sentiu-se melancólico. A tarde não estava como
as outras. Era o outono chegando sem aviso prévio. O céu mais
escuro, o ar com cheiro sonolento; as árvores, até então de um verde brilhante,
começavam a ficar nuas; as folhas pálidas e amarelecidas soltavam-se leves dos
galhos deixando-se levar. O píer cheio de vento bom, o velho barco
abandonado à espera de mãos que o tirassem do ócio.
A imaginação do velho senhor voou ao passado e
colocou ali, naquele cenário, o menino que o acompanhava nas pescarias.
Ajudava-o a jogar o tarrafo bem longe e, pacientemente, os dois aguardavam os peixes se
confundirem nas malhas prisioneiras. Bons tempos aqueles...Saudade
gostosa que dói...
E, sem que o casal percebesse, chegou a hora em que
o menino virou homem e se foi como tinha que ser. Uma despedida molhada e
abraço enorme, aquele de se machucar quase sufocando.
Também as árvores, elas têm que deixar as folhas
irem para que sobrevivam até a próxima estação. É o ciclo da vida.
A natureza é sábia. Mostra-nos que aquilo que
não nos serve mais, precisa ser descartado. É o desapego incitando-nos à
renovação. A natureza é também nostálgica porque a morte silenciosa
lembra-nos que a vida é finita.
Seu Joaquim, homem de olhar analítico e
personalidade forte, aprendeu muita coisa, não com os livros: onde os peixes
nadam; pra onde as andorinhas voam; que não vivemos sempre na calmaria, mas que
ela volta e que, pra dar certo, tudo tem planejamento.
"Joaquim, a janta tá pronta".
Ele nem se deu conta da chegada da noite, pois a
escuridão veio devagarinho e aos pedaços.
Sentados à mesa, Dona Rosa, cabeça baixa, nem
percebeu que dos olhos vermelhos do marido escorreu um bando de lágrimas.
Elas caíram sobre o prato e deixaram o caldo da sopa um tantinho mais salgado.
Títulos sugeridos;
1 -
"Ciclos" (escolhido)
2 -
"Era uma vez..."
3 - "O
retorno do velho pescador"
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