O INFERNO
Henrique
Schnaider
Meu
nome é Samir, moro na cidade de Alepo na Síria, minha infância foi alegre, feliz
com meus pais, muito zelosos. Éramos oito irmãos, quando sentávamos à mesa, era
uma algazarra, nós e meus avós paternos, o aroma do pão pita que dominava o ar,
exalando o perfume doce do trigo com o aroma peculiar da zátara.
Todas
as tardes exatamente as seis horas do alto do minarete, o Muezim anunciava, que
era hora de se ajoelhar e rezar em direção a Meca. Fazíamos nossas orações com
a maior convicção, com o coração cheio de fé. Como acreditávamos no profeta Maomé e que Alá
é grande, nos protegeria de tudo e de todos os inimigos infiéis de poderes imensuráveis.
As
aulas de Alcorão na mesquita de Al Aksa, ministrada pelo Aiatolá Mohamed, eram
uma mistura de ar impregnado do doce e rubro carmim, todos nós sentados no chão,
atentos à aula com uma mistura de respeito e medo, deliciados, ouvidos atentos
ao Aiatolá que quando terminava nossos estudos, oferecia o Halawi, iguaria dos
Deuses.
Até
ali tinha uma vida feliz, mas quando começou a guerra na Síria, não entendíamos
nada do que ocorria, apesar de ser um adolescente, não conseguia assimilar a
crueza da guerra, que nos machuca como ferro em brasa.
A
violência crescia cada vez mais. Bombas não paravam de cair, uma chuva de
meteoros. Ora estávamos dominados pelo Estado Islâmico, ora os rebeldes
adversários do Presidente Hafez Assad, também o exército sírio invadiam nossa
cidade. Não importava quem nos dominasse, éramos nós que sentíamos a dor aguda
dos bombardeios.
Nesse
inferno que se tornou nossa vida, um dia, durante um bombardeio atroz, nossa
casa foi atingida em cheio, pedaços de concreto voaram estilhaçados por todos
os lados. Nossa vida passou a ser amarga. Morreram cinco dos meus irmãos, meus
avós, meus pais.
A
dor lancinante de tamanha perda, foi demais para mim. Desnorteado, sem saber o
que fazer, a única coisa que sei, é que reuni meus irmãos e tratei de sair
daquele inferno.
Foram
dias de muito sofrimento, fomos em direção ao mar, na esperança de encontrar lá
algum barco, que nos tirasse da Síria para qualquer outro lugar.
Já
não tinha mais o que fazer, só restava orar à Alá. Chegamos na praia depois uma
odisseia indescritível de dias intermináveis de sofrimento. Havia um barco no
local com pessoas tentando entrar, nos juntamos ao grupo. Depois de uma luta
terrível conseguimos adentrar no velho barco caindo aos pedaços.
Em
algumas horas estávamos em alto mar, balançando ao sabor das ondas. Na
embarcação que caberia no máximo trinta pessoas, havia cinquenta, sem água sem
comida, pessoas passando mal, outras dependuradas vomitando o pouco que haviam
comido. A cena no local era de puro desespero.
Rezava
para Alá, agora já não mais com fé, mas sim com pura revolta, querendo saber o
que fiz para merecer tamanha desdita. Não acreditava em mais nada como poderia
haver um Deus que permitisse que aquilo acontecesse.
Depois
de dias sem comer e beber, já haviam falecido umas vinte pessoas, estávamos em
estado lamentável, nos sentíamos como ratos de esgoto.
Finalmente
chegamos nas piores condições possíveis, próximo da Ilha de Lampedusa na costa
italiana.
Vieram
as autoridades de saúde da Itália, para nossa alegria ilusória que durou pouco,
fomos tratados feito vermes, depois de algum tempo nos recolheram em um
acampamento de refugiados onde nosso martírio continuou, aqui estamos
aguardando o que vão fazer conosco, só Alá é quem sabe.
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