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quinta-feira, 22 de março de 2018

A sobremesa - Ana Catarina Sant’Anna Maues



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A sobremesa
Ana Catarina Sant’Anna Maues

   Mesa arrumada como de costume, almoço servido. Sentados em silêncio faziam a refeição bem ligeiros, absortos em si mesmos ignoravam-se mutuamente. Solteiros alguns, outros já foram e voltaram.
   Zilá, a mãe viúva recente, observava quieta, sentindo falta dos dias em que aquela era a hora mais feliz, pois um derrubava água, o outro manchava a toalha com molho, a menor gargalhava cutucando o mais velho por debaixo da cadeira, e ela atarantada, agilizava as coisas para que não chegassem atrasados no colégio. Mas aquela também era o momento das conversas e conselhos. Cada um tinha algo a contar ou indagar e ela sabiamente não desprezava nenhuma questão. Agora adultos com vida corrida, saem sem ao menos despedirem-se dela.
   Da cozinha escuta a porta da rua bater uma, duas, três, quatro vezes. Em frente a pia cheia de louça, sente o sal da lágrima nos lábios. Está desolada, é seu aniversário. Medita buscando repreender a si própria: Todo dia é isso, por que hoje seria diferente? Mas o ardor no centro do peito irrompe e alcança a alma. Está ferida. Dói muito. Nesta hora lembra que esqueceu de oferecer a sobremesa. Corre até a geladeira na esperança de terem visto e comido, mas não. Resolve tirar um naco e é quando acontece. Aquele sabor adocicado chega na boca e ela sente como que um bálsamo a aliviar tanta amargura. Sutilmente aquele gosto vai se revelando, esclarecendo e firmando convicção. Amar é gratuidade. O doce é doce porque é. Será para os filhos assim como aquela sobremesa foi para ela.

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