A sobremesa
Ana Catarina Sant’Anna Maues
Mesa arrumada como de costume,
almoço servido. Sentados em silêncio faziam a refeição bem ligeiros, absortos
em si mesmos ignoravam-se mutuamente. Solteiros alguns, outros já foram e
voltaram.
Zilá, a mãe viúva recente,
observava quieta, sentindo falta dos dias em que aquela era a hora mais feliz,
pois um derrubava água, o outro manchava a toalha com molho, a menor gargalhava
cutucando o mais velho por debaixo da cadeira, e ela atarantada, agilizava as
coisas para que não chegassem atrasados no colégio. Mas aquela também era o
momento das conversas e conselhos. Cada um tinha algo a contar ou indagar e ela
sabiamente não desprezava nenhuma questão. Agora adultos com vida corrida, saem
sem ao menos despedirem-se dela.
Da cozinha escuta a porta da
rua bater uma, duas, três, quatro vezes. Em frente a pia cheia de louça, sente
o sal da lágrima nos lábios. Está desolada, é seu aniversário. Medita buscando
repreender a si própria: Todo dia é isso,
por que hoje seria diferente? Mas o ardor no centro do peito irrompe e
alcança a alma. Está ferida. Dói muito.
Nesta hora lembra que esqueceu de oferecer a sobremesa. Corre até a geladeira
na esperança de terem visto e comido, mas não. Resolve tirar um naco e é quando
acontece. Aquele sabor adocicado chega na boca e ela sente como que um bálsamo
a aliviar tanta amargura. Sutilmente aquele gosto vai se revelando,
esclarecendo e firmando convicção. Amar é gratuidade. O doce é doce porque é.
Será para os filhos assim como aquela sobremesa foi para ela.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
DEIXE AQUI UMA MENSAGEM PARA O AUTOR DESTE TEXTO - NÃO ESQUEÇA DE ASSINAR SEU COMENTÁRIO. O AUTOR AGRADECE.