Força da bondade
Ana Catarina Sant’Anna Maués
Aprovado em concurso público Federal, dá para imaginar o humor de Beto.
Contador recém-formado, obteve ótima classificação e preparava-se para o
primeiro dia de trabalho, fazendo a barba em frente ao espelho. Ali sozinho, lembrava
das noites em claro debruçado sobre livros, e nos milhares de exercícios praticados
até a exaustão. Saiu de terno e gravata, com peito empinado mostrando todo o orgulho.
Chegou pontual, e após as apresentações de praxe, foi apontada sua mesa
de trabalho, nela uma pilha de papéis. Ficou assustado, sem saber como começar.
Um pouco atrapalhado pegava uma porção deles, olhava e largava, pegava outra,
respirava e deixava ao lado. No segundo dia iniciou a leitura de um calhamaço
qualquer, mas não deu saída. No terceiro, quarto, quinto e assim por diante,
chegando à conclusão de que a teoria não tinha nada a ver com a prática. Esta
conclusão foi estarrecedora.
Conforme o tempo passava mais papéis iam sendo
depositados na mesa, e seu desespero aumentava, pois não conseguia fazer nada, adiantar
algo, progredir em dados, encaminhar; estava absolutamente paralisado. Começou
a esconder os documentos dentro das gavetas, para que os colegas de sessão não
percebessem o acúmulo. Nesta rotina de fingir trabalhar seguia Beto, até que
outros setores começaram a cobrar informações, relatórios, despachos e ele
dando desculpas esfarrapadas ia enrolando até que não deu mais, e resolveu
sumir, não apareceu mais para o serviço.
Os colegas ligavam para o celular, para o telefone residencial, e ele
não atendia. Todos estavam preocupados com o sumiço, mas só seu Adamastor, um
senhorzinho de cabeça bem branca, procurou o setor de recursos humanos,
descobriu o endereço de Beto, e num final de semana tomou um ônibus e foi,
pessoalmente saber o que tinha acontecido.
Quem abriu a porta foi a mãe de Beto, que muito feliz recebeu o
visitante, e convidou-o a ir até o quarto, dizendo que o filho estava em
profunda depressão. Com muito custo seu Adamastor conseguiu fazê-lo falar. Beto
contou tudo, falou sobre seu total fracasso no serviço.
Seu Adamastor não tinha graduação alguma, ou qualquer curso importante.
Era o mais humilde funcionário, porém com um conhecimento incrível de tudo, e
colocou toda a sua experiência a disposição de Beto.
Na segunda-feira Beto apareceu para trabalhar. Seu Adamastor cumpriu o
prometido. Juntos foram retirando papéis importantes das gavetas e um a um, por
grau de prioridade foram resolvendo os assuntos.
Beto superou o trauma inicial, não sofreu constrangimento por parte dos
colegas, e hoje é um contador muito respeitado.
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