O inferno
Ana Catarina SantAnna Maués
No céu fogos de artifício
marcavam a chegada de mais um ano. O espetáculo era apreciado da varanda da
grande sala oval do Centro de Estudos em Teologia, que levava o nome do mestre
Dr. Ulisses, já falecido. Brindes eram
erguidos com votos de felicidade aos presentes.
Ali estava a nata dos mais conceituados teólogos dedicados aos estudos a
respeito de Deus, Religiões, Bem e Mal, e assuntos afins. Em ocasiões como
estas, Dr. Ulisses era sempre lembrado com carinho, pois suas teorias a
respeito dos mistérios do além, do pós-morte, eram consideradas por todos, como
verdadeiras pérolas. Iniciaram então vários comentários sobre o Dr. Ulisses, elogios
foram tecidos ao caráter da ilustre personalidade, principalmente do modo como
defendia suas teses, com eloquência admirável, e sempre muito bem elaboradas. A
noite foi mesmo só de lembranças sobre a grande contribuição que ele deixou
para a teologia.
Na primeira reunião do
grupo após a festa de réveillon, os ilustres professores foram chegando ao local,
e como de costume cumprimentos calorosos e animadas conversas paralelas tomaram
conta do ambiente. Até que um dos presentes citou o curioso sonho que teve
justamente no primeiro dia do ano:
— Caros colegas, vou expor com fidelidade o que sonhei, mesmo porque as
palavras que ouvi me foram reveladoras como teólogo, e ficaram gravadas na mente,
como o ferro em brasa marca um gado, mas por certo não conseguirei transmitir a
sensação que tomou conta de mim na hora em que estava sonhando. Confesso que acordei
impressionado, foi muito real. Bem, vamos lá. Estava em minha cama quando de
repente um vento frio arrepiou meu corpo, logo depois uma voz de homem, sussurrou
próximo ao meu ouvido, dizendo que as aspirações do homem ficam acumuladas em
sua alma imortal. Enquanto vive, parte destes desejos são realizados através de
seu corpo físico. Ao morrer, perde-se o corpo, mas as aspirações seguem impregnadas
na alma. Sem a consciência imediata de que morreu, o tempo passa e a alma
começa a inquietar-se. Não sabe onde está, não enxerga nada nem ninguém, mas
sente que tem gente ao redor. Mexe os membros, mas não vê que os mexeu, coloca
a mão no peito, mas não sente nenhum peito, tudo é escuridão. Um desejo
incontrolável de querer coisas e pessoas invade o ser, iniciando grande
tormento. Só trevas em volta e ausência
de esperança, pois ela faz parte da vida e não da morte. Este estado permanente
sem satisfação, vai transformando-se em ódio. Você entende que você acabou, mas
permaneceu. Não encontrando algo para
direcionar tanto tormento, ele cresce e multiplica. As lembranças da vida que teve,
irão acentua-lo, que é como fogo, que com o tempo eterno começará a iluminar o
ambiente, e então perceberá que está no inferno.
Ao fim do relato,
todos permaneceram estáticos, um silêncio perturbador, até que um deles
gaguejando disse:
— Tive o mesmo sonho nesta data também.
Ao mesmo tempo
outros dois professores assumiram que tiveram a mesma experiência. E assim foi
indo e indo, cada vez era um que denunciava ao grupo que sonhara a mesma coisa,
até que concluíram que ocorreu um evento sobrenatural com eles. Nesta noite não houve reunião, estavam
demasiadamente intrigados com o sucedido. Nenhum deles ousava declarar que a voz
reveladora do sonho, era de alguém conhecido, o excelso Dr. Ulisses.
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