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quarta-feira, 16 de outubro de 2024

A ÚLTIMA QUARTA - LEON A. VAGLIENGO

 





A ÚLTIMA QUARTA

Dizer o quê? As coisas vão, mesmo, acontecendo...

                                                                                                                               Leon Alfonsin Vagliengo

 

COSTURANDO A VIDA

 No princípio da vida de casados, os jovens Ângelo e Carmem Di Fortuna ganhavam a vida trabalhando lado a lado na modesta oficina de costura, que montaram com muita simplicidade e capricho a pequena garagem alugada, para trabalhar com pequenos ajustes ou consertos em roupas e outros serviços semelhantes. Distribuindo cartões por todo o bairro, de casa em casa, para divulgar seus serviços, ele conseguiu atrair os primeiros clientes e algum movimento para a oficina.

Foi assim, numa convivência diária de muito amor e dedicação, que se tornaram conhecidos no lugar, ganharam o sustento e criaram o filho que logo tiveram, que batizaram como Gastão Di Fortuna. Gastão foi o nome escolhido em comum acordo pelos dois, porque identificava um personagem de muita sorte, nos desenhos criados por Carl Barks, dos estúdios da Disney.

A perfeição dos trabalhos realizados pelas mãos de fada de Carmen aos poucos conquistou muitos fregueses, e surgiram algumas encomendas de feitio: ora uma camisa ou uma blusa, uma saia ou um vestido; todas foram atendidas com muita qualidade, trazendo fama para a oficina, e muitos outros pedidos surgiram. Precisaram alugar um espaço maior e contratar mais profissionais da costura, sempre sob a supervisão de Carmem, e assim foi se consolidando uma pequena manufatura, a que deram o nome fantasia de “Carmen – Roupas de Qualidade”.

Todo esse processo de evolução dos negócios teve a conduzi-lo o talento inato, as posturas firmes e acertadas do empresário Ângelo, amparado pelo suporte técnico de produção e controle de qualidade exercidos com maestria por sua esposa na orientação dos novos contratados.

Entre as corretas decisões do casal estava a de formar uma equipe completa e bem treinada de bons profissionais, dando estabilidade e autonomia à empresa ao longo dos anos, que assim pôde sobreviver a sua maior perda e ao momento mais difícil da vida de Ângelo, quando Carmen, numa quarta-feira muito triste, foi abatida por um enfarte súbito e fulminante, e ele se viu, ainda relativamente jovem aos quarenta e nove anos, de repente e para sempre, sem o amor de sua esposa querida, a companheira fiel com quem compartilhara os melhores momentos de toda a vida.

 NASCE UM IDEAL

Inconformado com a viuvez precoce e trágica, Ângelo precisava encontrar uma forma de superar a infelicidade que o atingira; e, numa decisão muito emotiva, fundou uma nova empresa à parte, um estúdio independente para costura de altíssima qualidade, ao qual atribuiu o nome de “Carmen – Ateliê de Roupas Finas”, com o propósito de elevá-lo ao apogeu do sucesso no mundo da moda e assim perpetuar a lembrança de Carmen, uma justa homenagem a sua parceira de sonhos, a mulher corajosa com quem também dividira os dias difíceis que tiveram no início da vida em comum.

Obcecado com esse projeto, contratou uma jovem estilista para orientar o design e a produção limitada de roupas de alta moda, selecionou duas de suas mais refinadas costureiras e as reservou para o Ateliê, e durante os três anos seguintes viveu uma vida quase monástica, de imoderada dedicação ao trabalho na direção das duas empresas, sem descansos que lhe permitissem desabafar a tensão nervosa, que apenas crescia desde a morte de Carmen.

O sucesso do Ateliê já despontava, com a participação em badalados desfiles de moda, quando a saúde de Ângelo começou a dar alguns sinais de exaustão. Aos cinquenta e dois anos deu-se conta de que o seu corpo já não era mais o mesmo de antes: o peso aumentou, surgiu uma barriguinha, as roupas pareciam estar encolhendo. Os exames de laboratório, que até recentemente traziam sempre resultados de que se envaidecia, passaram a colocar minhocas na sua cabeça, revelando indicadores apenas razoáveis.

Sem dar muita importância a essas mudanças, passivamente as atribuía ao avanço da idade e ao estresse devido às preocupações com o trabalho, mas sem nunca correlacionar nada com a profunda tristeza que sentia desde a perda da esposa. Mas às vezes, sozinho em casa, chorava ao lembrar-se dela.

A intensa atividade, cuidando dos negócios, o obrigara a restringir apenas para os fins de semana as corridas matinais, que antes eram diárias e lhe davam tanta satisfação. Sem perceber, nessa onda passou a atenuar o seu estresse com uma crescente compensação gastronômica, nada aconselhável para a saúde.

O ESTRESSE

Mesmo com toda essa carga negativa, não renunciava à realização de seu ideal, nem à direção e ao controle das empresas, que construíra com muito empenho, rigor e dedicação ao longo de toda a vida. Entretanto, já estava preparando o filho Gastão, a quem ainda via como um menino, apesar de já estar com trinta anos e diplomado em administração, para um dia substituí-lo no comando das empresas; porém, ainda o considerava muito “verde” para assumir o controle, e não confiava totalmente em suas decisões, principalmente na área financeira.

Devido a isso, no começo lhe fazia discretas observações e sugestões, mas à medida em que Gastão foi conquistando autonomia em suas funções, assumindo a liderança dos funcionários e se tornando conhecido no mercado, a crescente tensão e a insegurança de Ângelo se agravaram por ciúme e foram se tornando exageradas; passou a fazer críticas ao filho que terminavam em discussões, muitas vezes acaloradas e diante dos funcionários, criando constrangimentos e assumindo proporções inconvenientes para o clima da empresa. Ele depois percebia e se arrependia do seu descontrole, mas sempre quando já era tarde.

Num desses dias Ângelo chegou ao trabalho furioso, falando sozinho, porque, no trânsito, avançara um sinal vermelho sem perceber, quase provocando um acidente. Além dos xingamentos que ouviu, com certeza o radar havia registrado a placa do seu carro, e seria penalizado. Durante todo o percurso restante foi remoendo uma desagradável sensação de culpa que feria profundamente a sua vaidade de motorista.

Raivosamente, e ainda incomodado com os dissabores do trânsito por que tinha passado, abriu com violência a porta do carro, para descer. Colocou uma perna para fora, mas não conseguiu mover o corpo. “Além de barbeiro estou gordo mesmo”, pensou, ainda mais irritado, e tentou balançar o tronco, dando impulso na direção da porta; novamente, não saiu do lugar. Fez isso mais uma vez, sem sucesso. De repente, ficou claro que algo estava errado e o incidente de trânsito que o atormentava saiu como por encanto de sua mente. Só assim se deu conta de que estava preso, pois não havia desengatado o cinto de segurança. Mais irritado ainda com essa “mancada” ridícula, soltou-se e rumou para o escritório, agora ruminando a evidência de que sua cabeça não estava funcionando bem.

Esse episódio burlesco foi a gota d’água.

Percorrendo a estreita calçada que o levava ao escritório, Ângelo foi se acalmando. Abriu a porta, entrou e se encaminhou diretamente para sua mesa de trabalho, sentou-se confortavelmente na poltrona reclinável, mas nem olhou para contas, relatórios ou documentos. Preferiu meditar sobre os episódios recentes e tudo mais que estava acontecendo com ele, e ao final, mais tranquilo, respirou fundo e até se riu ao pensar que não conseguira sair do carro porque não havia soltado o cinto de segurança: “que ridículo, ainda bem que ninguém viu”, ponderou.

Essa pausa foi importante para reconhecer que andava muito nervoso e estava na hora de se afastar da empresa por um tempo, para um necessário descanso. Ainda era relativamente moço e depois desse longo período de dedicação quase absoluta ao trabalho por três anos, precisava desligar-se de suas memórias para retomar integralmente sua vida, voltando aos exercícios regulares, à alimentação saudável e a outras coisas que pudessem lhe devolver um pouco da saúde física e emocional.

Dinheiro não lhe faltava. Há muito tempo tinha deixado de ser uma preocupação. Admitiu até a possibilidade de encontrar uma nova companheira. Carmem estaria sempre no lugar mais especial de seu coração. Mas a vida, impiedosamente, continuava. Precisava encerrar o luto e encontrar um rumo. Ela certamente aprovaria. Ademais, tinha que admitir: o seu corpo há tempos estava exigindo os carinhos de uma mulher.

Então, decidiu-se.

Uma longa conversa com Gastão e algumas recomendações, foram suficientes para convencê-lo de que o seu menino estava pronto para assumir a direção total das empresas por uns dias, enquanto ele estivesse fora. Seria uma ótima experiência administrativa, além de excelente oportunidade para passar umas férias no Rio de Janeiro, que Ângelo ainda não conhecia. E nada melhor do que Copacabana. Iria já na manhã seguinte, uma quarta-feira, dia previsivelmente tranquilo na estrada. O próprio Gastão providenciou a reserva de um apartamento num hotel que conhecia, na Rua República do Peru.

UM MISTÉRIO

A viagem pela rodovia foi tranquila. Dirigir seu próprio carro, para Ângelo, sempre foi uma terapia de grande efeito. Foi devagar, relaxado, sem pressa de chegar, apreciando o passeio, desfrutando aquela sensação de liberdade e descompromisso que desde muito tempo não experimentava. Almoçou num restaurante da estrada, achou que a comida estava ótima.

Chegou a Copacabana no meio da tarde, e registrou-se no hotel sem prestar atenção em nada, ansioso que estava para conhecer a famosa praia. Arrumou suas coisas no quarto, refrescou-se, depois vestiu roupas de corredor, inclusive uma camiseta de sua grife comercial, com o logotipo formado pelas letras CRQ, e logo saiu.  Ao chegar ao calçadão da Avenida Atlântica, buscou uma referência para não se perder na volta. Escolheu e gravou bem na memória um anúncio do refrigerante Sprite, na esquina da rua do hotel.

O dia estava muito agradável, uma leve brisa vinda do mar atenuava os efeitos do sol de final de tarde, e não estava aquele calor que sempre ouvira dizer do Rio de Janeiro. Algumas moças bonitas que passavam iam despertando nele a percepção de que se encontrava num ambiente diferente, que lhe inspirava aventuras. Respirando tanta liberdade depois de tanto tempo, já imaginava travessuras para a noite, os hormônios que lhe restavam andavam agitados havia algum tempo.

Depois de caminhar por uns minutos pelo calçadão do lado da praia, resolveu correr um pouco pela ciclovia asfaltada e quase vazia de bicicletas; ainda conseguia dar uma boa corrida. Logo percebeu que outro corredor, um desconhecido, estranhamente o acompanhava, calado. Seguiram correndo em silêncio até o Forte, voltaram até o outro extremo da avenida e retornaram novamente no sentido do Forte; nesse momento, sem mais nem menos, o outro corredor lhe perguntou se iriam voltar “tudo de novo”; Ângelo não entendeu nada, mas achou muito engraçado. Começava a sua terapia carioca.

— Ué! Você eu não sei. Eu já estou terminando e vou parar já, já.

Com isso começaram uma conversa amistosa e ficou sabendo que o rapaz, que se chamava Severino, trabalhava numa construção ali perto; logo se despediram e cada um foi para o seu lado. Esse é gente boa, mas é meio maluco, pensou Ângelo, divertido.

O exercício tinha sido muito bom, uns oito quilômetros de corrida leve, mas já estava cansado e passou a procurar a rua com o anúncio do Sprite. Deveria ser por ali, mas à medida que passavam os quarteirões, constatou, preocupado, que havia um anúncio daqueles em cada esquina. E agora? Qual dessas é a rua... Como é o nome mesmo? Não lembrava também o nome da rua do Hotel.

Finalmente, encontrou uma que lhe pareceu familiar. É essa, pensou. Foi por ela e encontrou um hotel. Ainda não estava familiarizado com a fachada, nem com as instalações, mas pela distância da Avenida só podia ser aquele, não havia outros naquele quarteirão.

— É aqui! — acreditou, exclamando em voz alta num desabafo de alívio, para a estranheza de um casal que saia do prédio nesse momento.

Deixara a chave do quarto 28 na portaria. Ainda bem que tinha boa memória para números, pois não foi reconhecido pelo recepcionista, que estranhou quando pediu a chave. Desconfiado, o rapaz verificou e confirmou que não havia nenhum registro de hóspede em nome de Ângelo Di Fortuna, e o quarto 28 não poderia ser, porque estava vago. Depois de muita insistência de Ângelo, que já demonstrava um misto de impaciência e irritação, e para resolver definitivamente o impasse sem maiores confusões, o rapaz concordou em lhe mostrar o quarto. Chamou o vigilante do hotel para os acompanhar, abriu a porta do quarto 28, e lá, realmente, Ângelo não encontrou as suas coisas. Assustado, correu à garagem do hotel, e lá também não encontrou seu carro.

Estava só com as roupas de corrida, suado, cansado, não tinha dinheiro, nem cartão de crédito, nem celular, nem mais nada.  Saiu daquele hotel completamente aturdido e passou a andar a esmo pelas ruas das imediações. Não conseguia entender o que estava acontecendo.

 

 

quarta-feira, 9 de outubro de 2024

ALBERTO LANDI - PROJETO MEU ROMANCE

 






Foi quando as vésperas

 De natal...

 

Foi quando nas vésperas de natal, a avó acordou com um som familiar: o barulho de um carro chegando.  Seu coração acelerou com a esperança, e levantou-se rapidamente. Após alguns segundos, ouviu o tilintar das sinetas na porta. Com o coração na mão, correu para abrir.

Para sua surpresa, ali estava seu neto, com os olhos brilhando e um sorriso radiante. Ele estava em farda militar, mas a alegria de vê-lo fez esquecer por um momento as marcas da guerra.

— Vovó! - Ele exclamou, envolvendo-a em um abraço apertado que parecia durar uma eternidade.

As lágrimas escorriam pelo rosto enquanto ela o observava agora tão crescido e maduro.

Ele contou que havia conseguido uma licença especial para passar o Natal em casa. Ela mal podia acreditar na sorte que tinha. O pesadelo da guerra parecia ter se dissipado por um momento mágico.

Naquela noite, a casa foi preenchida com risos e histórias de bravura. O jovem trouxe lembrança de seus companheiros de batalha e falou sobre como a esperança e a amizade foi essencial durante os dias difíceis. Ela preparou o jantar mais farto que conseguiu repleto de pratos favoritos do neto.

O cheiro da comida misturava-se ao aroma das árvores de Natal decorada, criando uma atmosfera calorosa e acolhedora.

Ao final da refeição, brindaram não só a vida e a família, mas também a paz que ambos ansiavam.

Ela sentiu que todos os seus esforços para garantir um futuro melhor para ele não tinham sido em vão. Ela sabia que a vida poderia ser imprevisível, mas naquele momento, tudo parecia perfeito.

Depois do jantar, enquanto olhavam as luzes piscando na árvore de Natal, o jovem compartilhou seus planos: queria estudar mais e ajudar outros a encontrar caminhos melhores após a guerra. Ela sorriu ao ouvir suas aspirações: sua fé no neto estava renovada.

Naquela noite mágica de Natal, eles não apenas celebraram o retorno do jovem soldado, mas também rejuvenesceram a esperança e o amor que sempre existiam entre eles. E assim mesmo com as dificuldades à frente, estavam prontos para enfrentar qualquer desafio juntos!


Uma nova amizade

 

 O investigador Carlos sempre foi uma pessoa de métodos tradicionais. Com anos de experiência em investigações de crimes comuns, ele se encontra em um novo desafio: crescentes ocorrências de crimes cibernéticos que assolavam a cidade.

Sem saber por onde começar foi designado para um curso de tecnologia que prometia abrir sua mente para o mundo digital.

No primeiro dia do curso, Carlos sentou-se ao lado de uma mulher carismática chamada Liz. Ela rapidamente se apresentou como uma especialista em segurança da informação e parecia ter um conhecimento profundo sobre o assunto.

Liz tinha um ar intrigante que chamava a atenção de todos ao seu redor.

Seus cabelos eram longos e ondulados, de um castanho profundo que brilhava sob a luz. Os olhos de um azul intenso pareciam analisar cada movimento de Carlos com curiosidade e um toque de malícia. Tinha um sorriso encantador, mas havia algo enigmático nela, como se escondesse segredos profundos. Vestia-se de forma elegante com roupas de grife, que realçavam sua figura esguia e confiante. Blazer ajustado e uma blusa sofisticada davam um ar profissional, mas também deixavam transparecer sua feminilidade. Cada gesto dela era calculado, como se estivesse sempre ciente do impacto que causava.

Essa combinação de beleza e inteligência fazia com que o investigador se sentisse atraído por ela, mas também o deixava em alerta. Afinal ele não sabia se estava lidando com uma aliada genuína ou uma astuta manipuladora.

Ele ficou impressionado com a facilidade dela em explicar conceitos complexos e logo se tornaram amigos.

À medida que o curso avançava, ela compartilhava histórias sobre suas experiências no setor. Falava sobre hackers éticos, invasões de sistemas e a importância da proteção de dados.

Fascinado, não percebeu que ela estava usando suas informações para traçar um plano.

Aos poucos ela começou a perguntar sobre o trabalho dele na polícia.

Inocentemente compartilhava detalhes sobre investigações em andamento e as fraquezas do sistema policial. Ela ouvia atentamente sorrindo como se estivesse interessada, mas, na verdade, estava absorvendo cada palavra.

Certa noite, enquanto estudavam juntos após o curso, ela sugeriu a Carlos para que a apresentasse alguns contatos na polícia.

¨”Posso ajudar seu departamento com algumas dicas sobre segurança cibernética”, disse ela com um sorriso sedutor. Ele hesitou, mas a ideia de ter uma aliada experiente era tentadora.

Quando ele finalmente decidiu apresentá-la ao seu chefe, ele não tinha ideia de que Liz tinha planos muito mais sombrios. Usando seu acesso a polícia como uma fachada, ela começou a arquitetar um ataque cibernético contra o próprio departamento.

Os dias se passaram e os computadores da polícia começaram a apresentar falhas inexplicáveis. Informações confidenciais começaram a vazar e os investigadores ficaram perdidos.

Carlos, preocupado com o que estava acontecendo, começou a investigar internamente.

Foi então que ele constatou algo alarmante. Ela não era quem dizia ser.

Usando suas habilidades adquiridas no curso e as informações que Carlos lhe fornecera, ela estava por trás dos ataques cibernéticos.

Com isso em mente, ele decidiu confrontá-la. Em uma conversa tensa após o curso ele disse:

Você me enganou desde o início. “Não está aqui para ajudar, você é parte do problema.”

Ela sorriu maliciosamente e respondeu: “Você realmente achou que alguém com meu conhecimento iria perder tempo ajudando a polícia? Eu só precisava de informações certas para conseguir o meu objetivo”.

Com seu instinto investigativo despertado, ele rapidamente acionou seus colegas de trabalho. Juntos, conseguiram rastrear os passos dela e impedir um ataque devastador ao sistema da polícia.

No final do curso, ele não apenas aprendeu sobre crimes cibernéticos, mas também aprendeu uma lição valiosa sobre confiança e vigilância.

A tecnologia poderia ser uma ferramenta poderosa nas mãos certas ou uma arma nas mãos erradas.

E assim ele se despediu do curso com um novo entendimento do mundo digital- e um alerta constante sobre aqueles que poderiam estar à espreita nas sombras da rede.

O departamento de polícia decidiu que em vez de punir Liz por suas ações, ela poderia usar suas habilidades para ajudar a comunidade.

Reconhecendo seu talento e a importância de direcioná-la para o bem, eles propuseram a ela que colaborasse em projetos de segurança cibernética, onde poderia ensinar outros sobre os riscos do hacking e como se proteger no mundo digital.

Ela aceitou a proposta com um misto de alivio e entusiasmo. Essa nova oportunidade não apenas a ajudou a redimir seus erros, mas também a conectou com pessoas que compartilhavam sua paixão por tecnologia.

Assim, ela transformou uma história em um exemplo de como erros podem se tornar lições valiosas e como é possível fazer a diferença de forma positiva!


O Detetive Vai à Ópera.



Após concluir o curso sobre tecnologia aplicada a crimes cibernéticos em Paris, o detetive se preparava para iniciar um novo treinamento em justiça criminal.

Sentia-se um pouco apreensivo, pois os dias chuvosos e o inverno marcado por uma neve úmida criavam um ambiente acolhedor, mas, ao mesmo tempo, melancólico.

Em meio a essa atmosfera, ele recebeu convite de dois colegas franceses para assistir à ópera. A ideia de se envolver na rica cultura parisiense parecia uma oportunidade perfeita para aliviar a tensão e se distrair, mesmo por algumas horas.

E assim foi assistir à ópera La Traviata, no famoso Teatro Garnier.

Havia trazido na viagem um belo terno cinza que há meses estava esquecido em seu armário. Bem-vestido, pegou o metrô até a estação Ópera Garnier.

Ao entrar no teatro, ficou maravilhado, observando o foyer, escadaria principal, auditório, cortinas, palco, sala de estar, candelabros, detalhe decorativo e até uma biblioteca.

Antes do início do evento, o sussurro da plateia era quase ensurdecedor, o ensaio de violinos propiciava momentos agradáveis.

O detetive Carlos observava todas as pessoas ao seu redor: rostos ansiosos e sorrisos iluminados pela expectativa do início.

Iniciada a apresentação, notou uma jovem sentada na mesma fileira onde estava. Vestia trajes em veludo azul com lantejoulas que refletiam com as luzes da ribalta, criando um espetáculo de brilho no escuro. Cada movimento dela parecia flutuar entre as luzes.

Ela era o centro das atenções, mas Carlos sabia que sua beleza poderia eventualmente esconder um perigo iminente.

Ele não pode evitar o impulso de flertar. No intervalo de um ato para outro, ele se aproximou dela, falando em francês.

— Desculpe a minha intromissão - disse com um sorriso confiante - Você tem um brilho que ofusca até as estrelas.

A jovem sorriu de volta, mas logo seu olhar se desviou para algo atrás deles.

Eles avistaram um homem saindo apressadamente do teatro. A sua postura chamou a atenção do detetive.

A curiosidade começou a falar mais alto que seu desejo de flertar.

Pediu licença e deixou a jovem por uns momentos, que havia se apresentado como Amélie. Decidiu seguir o homem pela rua ao lado do teatro. Este se infiltrou num beco escuro, Carlos hesitou antes de prosseguir. O beco era estreito, havia fuligem no ar.

Resolveu segui-lo. O homem parou em uma porta velha de madeira marcada por marcas de grafites.

— Por que você está fugindo?? Perguntou, tomando coragem.

À medida que conversavam, a tensão aumentou, e um confronto físico começou.

Nesse momento, quando se atracaram, chegaram os colegas policiais franceses que o imobilizaram e o interrogaram. Seu nome é Pierre.

Este confessou que, sendo barítono, foi negada a sua participação na ópera. Para se vingar, arquitetou um plano mirabolante, com dois marginais infiltrados no teatro. A saída inesperada era para criar um álibi, pois estando fora, ninguém poderia suspeitar dele.

Todos retornaram para o teatro para evitar uma tragédia maior.

No interior, a atmosfera havia mudado drasticamente, a plateia agitada e pessoas apontando para o palco.

Uma das atrizes principais, a Violetta, havia caído durante a performance.

Carlos se dirigiu ao backstage e encontrou Amélie, tentando ajudar a atriz caída.

Algo não está certo, vamos investigar, disse Carlos aos colegas.

Pierre confessou o plano, informando que os dois marginais estavam se preparando para envenenar a atriz principal e sabotar a ópera. Cientes da urgência da situação, se reuniram em um canto discreto do backstage. Com o plano dos marginais em mente, precisavam agir rápido para impedir que a tragédia acontecesse.

— Precisamos encontrar uma maneira de encontrá-los antes que seja tarde demais - disse Carlos, seus olhos se fixando nos rostos dos artistas.

Um dos colegas franceses informou que ouviu alguns rumores sobre uma conversa suspeita na cafeteria do teatro.

Eles precisavam se infiltrar lá e ouvir o que os marginais estavam planejando.

— Um deles comentava, se conseguirmos colocar veneno na bebida dela antes do ato final, será um sucesso, enquanto mexia em um pequeno frasco com líquido escuro.

Os três avançaram rapidamente para cima dos marginais. Surpreendidos pela abordagem repentina, eles tentaram reagir, mas Carlos e os demais foram mais rápidos. Com as autoridades chamadas e a situação sob controle, respiraram aliviados. Foi efetuada a prisão de Pierre e dos marginais.

Amélie respirou aliviada pela prisão de todos. A plateia, antes tensa, começou a aplaudir, reconhecendo sua bravura e determinação. Ao socorrer Violetta.

Os detetives se aproximaram para agradecer. “Você foi incrível, Amélie, sua coragem fez toda a diferença.”

Ela apenas balançou a cabeça, consciente de que, em momentos como esse, o verdadeiro heroísmo reside na disposição de agir em benefício dos outros.

Enquanto as luzes do teatro acendiam novamente e a música começava a tocar suavemente, Amélie percebeu que havia encontrado não apenas uma nova paixão pela vida, mas também uma conexão com o detetive, não apenas uma nova amizade, mas algo mais especial.

Os sorrisos trocados e os olhares cúmplices deixaram claro que ambos estavam abertos à possibilidade de um romance.

Com o coração acelerado, Amélie decidiu que era hora de explorar esse novo capítulo em sua vida. Afinal, às vezes as melhores histórias começam no meio do caos, e ela estava pronta para viver a sua. 

LEON ALFONSIN VAGLIENGO - PROJETO MEU ROMANCE

 







A HISTÓRIA DE JOSÉ MALAGHETTA

 

 

Dizer o quê? A vida é assim... As coisas vão, mesmo, acontecendo...

                                                                                                                              

 

 

ORIGENS

Os italianos Vittorio Malaghetta e Francesca Bianchi eram naturais da Comuna de Lucca, na região Toscana. Conheceram-se por acaso numa missa na Basílica de San Frediano, e várias trocas de olhares muito interessados entre os dois perturbou a concentração de ambos na cerimônia religiosa. Ao final da missa, Vittorio apresentou-se para ela e, a partir desse momento, floresceu uma paixão que percorreu rapidamente as etapas de namoro e noivado e logo evoluiu para o enlace matrimonial, conforme preconizavam os costumes no final dos anos sessenta.

LUCCA

     

Infelizmente, desde os primeiros meses após o casamento, a vida em comum do casal Vittorio e Francesca Malaghetta não estava sendo facilitada pelas famílias. Ao contrário, muitas críticas e intrigas de lado a lado, motivadas principalmente pelo ciúme das “mammas”, envenenavam o relacionamento do casal, tornando insuportável seu relacionamento e impossível um convívio harmonioso. Coisa de italianos.

Porém, a cumplicidade entre Vittorio e Francesca foi mais forte e resolveram ir embora, para bem longe das famílias. Escolheram de comum acordo emigrar para o Brasil. Iriam para São Paulo, onde fixariam residência, e estariam livres daquelas interferências. Para tanto, contaram com a ajuda do pai de Vittorio que, mesmo a contragosto, reconheceu os motivos, respeitou a decisão do filho e contribuiu com os recursos necessários para que eles pudessem concretizar aquela difícil decisão, recomeçando seu casamento em outro país.

Ao fazerem escala no Rio de Janeiro, porém, encantaram-se com a cidade e mudaram de ideia. Não iriam mais para São Paulo, ficariam por lá mesmo. Vittorio procurou se informar sobre onde se concentrava a colônia italiana, e o casal sediou-se no bairro de Santa Teresa, numa casa modesta que o generoso dote recebido de seu pai proporcionou. Com o que sobrou, ainda montou uma loja de frios e laticínios para ganhar o sustento da família.

 

 

 

O MENINO

Dois anos depois que se estabeleceram no Rio de Janeiro, foram abençoados com o nascimento de um “bambino”, que foi batizado na Igreja com o nome de Giuseppe, mas registrado em cartório na versão brasileira de José Malaghetta. Em casa, porém, era o Beppe, e com esse nome ficou conhecido pela vizinhança durante toda a infância e juventude.

Sempre protegido pela atenção afetuosa dos pais, Beppe foi um garoto feliz, com amigos imaginários e outros de verdade, com quem brincava. Na escola era um bom aluno, sob o rigor carinhoso de sua mãe. O que tinha de diferente e causava admiração a seus pais, era o notório talento para encontrar coisas extraviadas em casa. Ele gostava disso. Nessas horas fazia perguntas, avaliava os passos de quem havia perdido o objeto, e quase sempre conseguia encontrá-lo por meio de deduções lógicas. Sempre que isso acontecia, sua mãe, admirada e divertida, exclamava:

— “Beppe, mio piccolo San Longuinho!” — e dava três pulinhos, olhando para ele, rindo.

Mal sabia ela...

Vittorio, o pai de Beppe, era um homem grandalhão, de rosto muito vermelho, que sempre valorizava com entusiasmo exagerado tudo o que se referia à Itália. Coisa de italianos.

Era apaixonado por automobilismo, e quando recebia a visita de Lorenzo, seu conterrâneo e vizinho de bairro, o assunto não era outro, e corria tão animado que impressionava os ouvidos de Beppe, ainda menino, que a tudo escutava com muita atenção. O final das animadas conversas era sempre o mesmo: os dois amigos concordavam que os carros Alfa-Romeu eram os melhores do mundo. Coisa de italianos.

       — “Come vorrei avere quella macchina!” — exclamava Vittorio para o amigo em sua língua pátria, com voz emocionada, abrindo os braços em gestos exagerados e com olhos arregalados de euforia. Coisa de italianos.
 

De tanto ouvir as empolgadas conversas do pai sobre automóveis, nasceu no menino Beppe o sonho infantil de profissão: seria mecânico de automóveis. Ainda era adolescente quando começou a frequentar aulas de mecânica e a trabalhar como ajudante numa pequena oficina, com a aprovação de sua “mamma”, que já antevia um bom futuro para seu filho; quem sabe, ainda seria um engenheiro, e dizia para as amigas, orgulhosa, em sua língua:

— “Almeno, Beppe non sarà um venditore de mozzarelle come suo padre”.

Coisa de italianas.

 

UM SONHO REALIZADO

Aos quinze anos, Beppe ainda gostava de acompanhar os pais, aos domingos pela manhã, quando Vittorio costumava levar Francesca em passeios de carro, para conhecer os pontos mais bonitos da cidade. Num desses dias percorriam o bairro do Jardim Botânico, encantados com suas ruas densamente arborizadas, e Vittorio conduzia seu velho Fusca bem devagar, para poderem apreciar as lindas residências que as margeavam.

Quando passavam por uma antiga e bonita casa térrea, abriu-se a porta da garagem, chamando a atenção de Vittorio, que parou o carro imediatamente ao ver que lá dentro havia um belíssimo JK, o Alfa Romeo brasileiro, modelo que já tinha saído de linha havia alguns anos e não se via mais nas ruas. Mas estava reluzente, parecia novo.

Ao ver aquele Alfa Romeo, a paixão de Vittorio bateu forte, ficou agitado, quase maluco. Queria admirá-lo de perto. Encostou o Fusca e desceu, aproximando-se para conversar com o homem que saíra por aquela porta, perguntando se poderia ver o automóvel. Era o caseiro do imóvel, que já não tinha moradores.

Ele lhe contou que o carro quase não fora usado, porque seu Antero, o antigo proprietário, faleceu pouco tempo depois que o comprou. Dona Marieta, a viúva, manteve o carro do marido na garagem por muitos anos, com pena de vendê-lo; mas recentemente ela também havia falecido e seu único filho, quando aparecia, dizia que queria livrar-se logo daquele “carro velho”, como se referia a ele, pois pretendia mudar-se para a casa que herdou e precisaria da garagem.

— O JK está novo, e à venda. Essa garotada não dá valor para coisas antigas — comentou o caseiro, indiscreto.

A loja de frios e laticínios de Vittorio estava tendo um bom movimento e ele havia conseguido, mesmo com algum sacrifício, juntar algum dinheiro, que foi suficiente para comprar o tão sonhado Alfa-Romeo, o JK brasileiro.

— É só para nossos passeios — justificou-se para Francesca, que não estava gostando nada daquela gastança — “al lavoro, vado com la mia Volksvagen”, concluiu, conseguindo convencê-la.

Um carro lindo e raro. Por onde passava com ele, Vittorio chamava a atenção de todos. Só um sujeito muito rico pode andar com um carro desses, comentavam seus vizinhos, com uma pontinha de inveja.







 NASCE UM DETETIVE


Cerca de seis meses depois da compra do JK, numa noite quente de dezembro, o relógio bateu dezenove horas e o metódico Vittorio ainda não havia chegado de sua loja de frios e laticínios, como era de costume. Dona Francesca estranhou, mas resolveu aguardar mais um pouco. O tempo foi passando, já eram mais de nove horas, e nada do Vittorio. Não voltou, não telefonou. Cada vez mais preocupada, chamou o filho e foram à Delegacia, onde ouviram que, de acordo com o procedimento policial, ainda era cedo para iniciar uma procura.

— Não se preocupe, senhora — disse o policial sem conter aquela expressão de carioca, meio sugestiva — a noite está bonita, talvez ele tenha encontrado algum amigo e foram comemorar alguma coisa...deve estar se divertindo — concluiu.

Dona Francesca não disse nada, mas ficou muito zangada, pensando “imagine que o meu marido faria isso, ainda mais sem me avisar. Mas quando chegar... Ah, vai ter que se explicar...”. Puxou Beppe pelo braço e voltaram para casa, na esperança de que Vittorio já houvesse chegado. Mas não, ele não estava lá.

       Já fazia dois dias que Vittorio estava desaparecido. Nenhum sinal dele, nenhuma pista tinha sido encontrada pelos policiais. O velho Fusca que usava para ir ao trabalho continuava estacionado próximo à loja de frios e laticínios, encontrada aberta e vazia, sem ninguém em seu interior. Nesses dois dias foi exaustivamente periciada pelos investigadores, mas não encontraram qualquer coisa que pudesse oferecer subsídios para a localização de Vittorio. Aparentemente, nada havia sido roubado.

Os investigadores fizeram muitas perguntas para a desesperada Francesca e para Beppe, buscando encontrar alguma pista. As perguntas ouvidas desencadearam o raciocínio do rapaz, que também procurava respostas lógicas para cada dúvida, como fazia quando era criança e procurava coisas extraviadas. Resolveu pedir licença na oficina para ajudar a mãe e tentar encontrar algum rumo que o levasse a entender o que havia acontecido com o pai.

       O Natal estava próximo e a esperança de encontrar Vittorio não diminuía. Nem Francesca e nem Beppe aceitavam admitir a pior hipótese. Mas o medo prevalecia em seus pensamentos quando pensavam nele.

       A perícia liberou o local no terceiro dia, e Francesca, impotente para encontrar seu marido e sem alternativa que não fosse aguardar os resultados dos trabalhos da polícia, mesmo enquanto vivia aquele drama, precisou reabrir a loja de frios e laticínios para atender a freguesia, contando com a ajuda de Beppe. Vittorio havia gastado quase todas as economias da família para comprar o JK e agora precisavam de dinheiro para pagar as contas que continuavam a chegar.

Naquele mesmo dia o telefone tocou muitas vezes, recebendo pedidos de clientes. Mas numa dessas chamadas, quando atendeu, Francesca teve que sentar-se, as pernas quase não a sustentaram. Foi um sequestro, meu Deus! E não tinham recursos para pagar nenhum resgate! Vittorio havia gastado as economias da família na compra do carro. Com mãos trêmulas ela anotou as exigências dos sequestradores, que lhe deram cinco dias para conseguir a quantia que queriam para libertar Vittorio; ameaçaram dar um fim nele se ela falasse com a polícia; e depois dariam as instruções para a entrega do dinheiro. Logo desligaram para evitar que fossem localizados.

Francesca, então, apavorada, contou tudo que ouvira para Beppe, concluindo:

— “Dio Mio! Pensano que siamo ricchi! Siamo perduti!”.

       Mesmo assustado com a notícia, Beppe procurou manter a calma; perguntou para a mãe como era a voz que ouviu, o jeito de falar do bandido e outros detalhes que imaginou sobre a conversa; em seguida, começou um levantamento de clientes e fornecedores, mas tinha apenas nomes. Precisava conhecê-los. Examinou as notas de compra e de venda, para tentar identificar quem havia estado na loja no dia em que seu pai não voltou para casa. Depois, repassou todas as anotações que havia feito; examinou clientes, fornecedores, amigos, vizinhos e até parentes e imigrantes conhecidos.

Passou a analisar tudo o que se referia aos hábitos de Vittorio O relacionamento amoroso profundo que seu pai tinha com a família era coisa de italiano, e derrubava qualquer hipótese de que a houvesse abandonado. Como seu pai circulava sempre pelas imediações, tirou um dia para visitar especialmente alguns locais que ele frequentava, por onde passava com seu carro antigo e luxuoso, que, naquele bairro modesto, sempre chamava muita atenção.

Aos poucos foi descartando algumas possibilidades e elegendo outras. Ignorou a ameaça dos sequestradores sobre falar com a Polícia e foi à Delegacia, onde relatou a conversa telefônica e explicou suas deduções para os Investigadores, indicando possíveis implicados no sequestro. O tempo era curto, faltavam apenas dois dias para o pagamento do resgate e não tinham o dinheiro imaginado pelos sequestradores.

Vendo a coerência das conclusões do rapaz, os investigadores concordaram com aquelas análises e resolveram agir conforme as conclusões indicavam. Monitorando os suspeitos, os policiais perceberam que um deles, o dono de um boteco das imediações da casa de Vittorio, demonstrava comportamento incomum, parecia muito ansioso; no dia seguinte, ao afastar-se do boteco foi seguido sem que percebesse, e conduziu os policiais até o local onde Vittorio estava preso, vigiado por outros dois marginais. Mediante cuidadosa ação policial foi libertado sem resistência pelos sequestradores, que foram presos.

Depois de seis dias em cativeiro, na antevéspera do Natal, Vittorio voltou para casa, são e salvo. Assim que os viu, abraçou Francesca e Beppe, e os três ficaram assim por um longo tempo, enlaçados e chorando muito, enquanto pronunciavam frases melosas, candentes, emocionadas e dramáticas sobre o que sentiram naqueles momentos terríveis. Depois de muito choro e emoção, Dona Francesca finalmente se pronunciou, com profunda inspiração de suas origens:

­— “Quanto sei magro, Vittorio! Ti preparerò una bellíssima pasta com la brachola”!

 

A ajuda inteligente de Beppe, fundamental para a solução do caso, foi reconhecida e muito elogiada pelos dois policiais mais antigos do Departamento de Investigações, mas não pelo detetive mais novo da equipe, o Romualdo, que nada disse e se roeu de ciúmes.

Os cumprimentos que recebeu calaram fundo em sua cabeça de adolescente, e um novo sonho profissional foi se fortalecendo com o passar do tempo, até predominar,  e ele reformulou os seus planos.

Pouco tempo depois, concluiu o curso de mecânica, mas desistiu dessa profissão e pediu demissão da oficina para poder completar os estudos no ensino médio e preparar-se para o concurso para investigador de polícia.

Dona Francesca, em sua simplicidade, não concordava com isso:

— Vai trocar o certo pelo duvidoso. Você é maluco, não regula bem.

— Pois é, mãe. Um mecânico tem que fazer muitas regulagens, e eu não regulo bem. Prefiro ser investigador de polícia — respondeu Beppe, bem-humorado.

— Deixa o menino, Francesca. Ele sabe o que faz — completou Vittorio.

       E assim, resoluto, Beppe prestou, com sucesso, o concurso logo que completou o ensino médio, aos dezoito anos, e finalmente tornou-se José Malaghetta, o mais jovem investigador de toda a polícia do Rio de Janeiro, designado para a Delegacia Policial de Copacabana – 12º DP. Mas não pretendia parar por aí. Em seus planos, ainda havia o Curso de Direito.

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UM DIA DE GRANDES EMOÇÕES

                               Ou, quando até os olhos sorriem...

                                                                                       

 

       — CARAMBA! CHEGUEI! UFA!

       Com essas exclamações de alívio, Romeu terminou seu longo treino de corrida naquela quente manhã carioca; estava cansado, ofegante, mas satisfeito. Enquanto caminhava com a camiseta molhada de suor, agora em passos lentos para recuperar o fôlego, tinha no rosto uma expressão de felicidade, sorrindo sozinho à toa, como um bobo, sem perceber, aquele sorriso feliz e suave de quem conseguira cumprir a dura meta diária de correr os dez quilômetros. Agora chegara o momento de relaxar.

       Como fazia todos os dias ao terminar o treino, no caminho de casa entrou no pequeno supermercado e dirigiu-se à geladeira das bebidas, onde procurou um gatorade. Com aquela sede toda, arregalou os olhos, que até brilharam ao ver que tinha o seu preferido, pois muitas vezes estava em falta.

       — Oba! Hoje tem de uva! — Exclamou, pegando a garrafinha.

       Ao encaminhar-se para o pagamento, notou entrarem na loja outros três rapazes com roupas de atleta, mas não prestou muita atenção neles, porque agora o seu foco era outro.

       Do mesmo jeitinho de sempre, abriu o seu melhor sorriso para a Adriana, a bela moreninha do caixa que ele estava paquerando, e vice-versa. Já ia lhe dizer algum galanteio quando seu rosto se crispou e seus olhos se apertaram numa careta de dor intensa, em reação à forte coronhada que levara na cabeça.

       De repente, tudo escureceu. Romeu caiu ao chão e ficou desmaiado no meio do corredor, em frente ao balcão do caixa, mas fora da vista dos demais clientes, que correram para trás das prateleiras ao ver a agressão. Nem presenciou o assalto que ocorria a sua volta, realizado pelo eu agressor e  dois comparsas, todos vestidos como ele, com camisetas de mesma cor e marca esportiva. Também não ouviu os tiros disparados em direção ao gerente, que saiu do escritório para ver o que estava acontecendo, e, por muita sorte, não foi atingido.

       Os assaltantes levaram apenas o dinheiro do caixa e saíram rapidamente, andando com fingida naturalidade, cada um em uma direção diferente para dificultar uma possível caçada.

       Aos poucos, Romeu foi recobrando a consciência, mas seu rosto mantinha aquela expressão de dor. Ainda tonto, teve que se apoiar no balcão para se levantar do chão, e foi imediatamente cercado por três clientes que haviam se abrigado dos tiros no fundo da loja.

       Quando o viram em trajes de corredor iguais aos dos criminosos, não tiveram dúvidas em apontá-lo para os dois agentes da polícia militar que chegavam à loja naquele momento, e estes imobilizaram Romeu, completamente atordoado e com a cabeça ferida, vertendo sangue. Os ladrões já haviam desaparecido.

       A pequena sacola de pano que Romeu levava a tiracolo mostrava um volume suspeito que chamou a atenção dos policiais. Logo a examinaram, nela encontrando o revólver que o bandido havia escondido ao ouvir a sirene da radiopatrulha, para se desfazer dela e sair andando pela rua com seus comparsas sem nada que os incriminasse, assim não despertando suspeitas no caso de serem alcançados por uma revista policial.

       Mesmo atordoado, Romeu já se sentia em grande complicação. Como explicaria para a polícia a presença da arma em sua sacola?

       Nesse momento, sentindo-se mais segura, mas com a voz ainda trêmula pelo susto que passara, apareceu Adriana, a moreninha do caixa, que se abrigara debaixo do balcão e a tudo assistira de seu esconderijo.

       Ela relatou com clareza toda a ação que havia presenciado, e defendeu Romeu, esclarecendo que o assaltante o havia nocauteado com uma coronhada na cabeça e depois plantado a arma em sua sacola, acrescentando que o moço era um cliente habitual, muito “boa gente”.

       Como esse depoimento era coerente com o aspecto físico precário que viam no rapaz, e ainda com a confirmação do gerente, que também conhecia Romeu havia bastante tempo, os outros clientes e os guardas se convenceram de sua inocência no caso e ele foi liberado, ainda fazendo muitas caretas pela dor de cabeça.

       Na saída dos guardas, ouviu-se um dizer para o outro, em tom meio zombeteiro:

       — Ocorrência encerrada. Nem foi caso para chamar a Civil. Ainda bem, o detetive Malaghetta estica muito qualquer assunto.

       Encerrada, mas não para Romeu e Adriana.

       Mesmo com a cabeça doendo, mas um pouco menos atordoado, ele sentiu que o clima era propício e perguntou se poderia buscá-la na saída do serviço para… trocar umas ideias… tomar um lanche…

       ­— Sim — ela respondeu apenas, tímida, olhando para Romeu com um sorriso, sorrindo também com os olhos, seus lindos olhos de mel.

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MARIA APARECIDA


Em pleno frescor de seus vinte e três anos, Maria Aparecida é uma morena linda, sonhadora e determinada, que leva a vida a sério e não mede esforços para emergir da situação modesta que seus pais puderam lhe oferecer. Apesar de pessoas simples, souberam educá-la para a vida com sabedoria e muito amor, ensinando-lhe sobre o respeito e as normas do bom comportamento, a importância dos estudos e a vestir-se com graça e sobriedade para valorizar a sua imagem, alertando-a contra os modismos da juventude. A tudo isso Maria Aparecida correspondeu sem perder a alegria da mocidade, mas tornando-se bem amadurecida desde jovem.

Aprendeu a relacionar-se com simpatia, mas tornou-se seletiva e arisca aos frequentes galanteios que recebe, e os rapazes de sua idade que conheceu não a empolgaram porque ela os acha imaturos, sem propósitos sérios, e de conversas que considera fúteis. Pretende ter uma família assim como a sua, e passou a acreditar que apenas um homem mais experiente poderia lhe oferecer um compromisso feliz e coerente com os sonhos que tivessem em comum. Mas ainda é cedo, há tempo para encontrá-lo.

Após concluir o curso colegial numa escola pública estadual de Engenho Novo, bairro em que ainda mora com os pais, graças à boa apresentação e aos modos educados, conseguiu um emprego de vendedora numa loja de roupas finas de Copacabana, onde conheceu e se deslumbrou com o mundo da moda requintada.

Uma boa oportunidade surgiu algum tempo depois, quando soube que uma nova grife, com o nome de Júlio Valentino Modas, estava selecionando manequins para um desfile inaugural de apresentação de sua primeira coleção de moda casual de verão. Maria Aparecida já sabia que seria quase um concurso de beleza, mas consciente e confiante em seu belo rosto e na perfeição inquestionável de seus outros atributos físicos, candidatou-se e foi selecionada, juntamente com outras duas moças, também muito bonitas.

As aprovadas foram chamadas para um curso rápido de passarela patrocinado pela nova empresa, a ser realizado num hotel da Rua República do Peru, que as habilitaria para as atividades de manequim. Após o curso, se tivessem um bom desempenho, seriam contratadas.

Terminada essa fase com o sucesso esperado, em comemoração, as três foram convidadas pelo dono da grife, que se apresentou como Júlio Valentino, para um jantar de encerramento num restaurante de Copacabana, e no dia seguinte um passeio de lancha até Angra dos Reis. Pernoitariam no próprio hotel, para sair cedo e aproveitar bem o passeio. Tudo muito chique, por conta da empresa. Mas a arisca Maria Aparecida já estava achando que era “muita banana por um tostão”.

Eram quase oito horas quando as três jovens se encontraram no saguão do hotel para ir ao restaurante, onde se encontrariam com Júlio, o futuro patrão, conforme o combinado. Ao sair, cruzaram com um homem vistoso, de meia-idade, mas bem conservado, em trajes esportivos apesar da hora, com aparência de notório cansaço. Graças à experiência que tinha como vendedora de roupas finas, Maria Aparecida reparou na valiosa camiseta que ele trajava, com o logotipo CRQ que ela bem conhecia, da grife Carmen - Roupas de Qualidade.

Apesar do visual desarrumado que a bela camiseta não escondeu, e da expressão de ansiedade em seu rosto, o homem lhe pareceu muito atraente: os cabelos em desalinho, já grisalhos nas têmporas, emolduravam um rosto másculo bonito, combinando com um bom porte físico.

Por um breve instante, seus olhares se encontraram.

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Para o jantar, Júlio veio acompanhado de Rogério, o responsável pelo curso de seleção, e logo ambos flertavam claramente com as outras duas moças, deixando a reservada Maria Aparecida um tanto isolada à mesa.

Antes que fossem servidos, Júlio e Rogério pediram licença para ir ao toalete, e Maria Aparecida, no instante seguinte, resolveu ir também. Por acaso, o toalete feminino era ao lado do masculino e era possível ouvir as conversas que aconteciam do outro lado.

A voz de Júlio era inconfundível. Foi assim que Maria Aparecida estranhou quando Rogério o chamou de Beto e ele respondeu. Desconfiada, prestou atenção e constatou que eles combinavam alguns detalhes do sequestro das moças no dia seguinte, quando sairiam no passeio de lancha e depois as embarcariam num navio de cabotagem rumo ao Suriname; dali as levariam para a Holanda, onde seriam incorporadas a uma rede de prostituição.

Ao ouvir aquilo, Maria Aparecida, em sobressalto, voltou rapidamente para a mesa, antes que eles percebessem que ela poderia ter escutado a conversa. Queria alertar as colegas do perigo que corriam, mas provavelmente não acreditariam numa história tão incrível e seria muito arriscado dizer qualquer coisa, pois eles já estavam voltando. Ademais, as moças pareciam estar gostando do flerte, pareceria inveja, nunca as convenceria. Nada a fazer no momento, a não ser terminar o jantar disfarçando a tensão que a dominava.

Conseguiu manter-se calma até o final do jantar, quando todos combinaram que se encontrariam para o café da manhã às sete horas, e depois sairiam para o passeio de lancha. Quando Maria Aparecida se despediu, viu que suas amigas já estavam de mãos dadas com Júlio e Rogério, e foi para seu quarto muito preocupada. Reuniu seus pertences e aguardou um tempo para sair sem o risco de topar com eles.

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RAVIOLI IN BRODO

Na aflição de encontrar o hotel em que estava hospedado, depois de percorrer toda a Avenida Atlântica sem reconhecer a rua do hotel, Ângelo voltou em zigue-zague: subia uma rua a partir da avenida e descia a rua paralela de volta à avenida, para depois subir a rua seguinte e assim por diante, até que viu, quase por acaso, o seu Opala estacionado. Só então lembrou-se de que o hotel nem tinha garagem e deixara o carro ali. Mas, finalmente, encontrara o hotel. Era o Astoria, na Rua República do Peru. Meu Deus, eu não conseguia me lembrar de nada disso! Fui até procurar o carro na garagem daquele hotel sem lembrar que ele estava na rua! Me deu “branco” total!

Ao entrar no hotel, cruzou com três moças muito bonitas e bem-vestidas. Uma delas, particularmente, chamou muito sua atenção: morena clara como a Carmen, seu rosto era lindo, simpático, tinha um corpo escultural. Apesar do cansaço, não deixou de admirá-la, não seria possível.

Por um breve instante, seus olhares se encontraram.

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Chegando à portaria, um alívio. Era ali mesmo. Identificou-se e foi reconhecido pelo recepcionista que lhe entregou a chave do quarto 28.

Subiu para o apartamento, tomou um banho quente, revigorante, e deixou-se cair na cama para um rápido descanso. Ainda meio zonzo pelo cansaço, seu novo espírito aventureiro de um solitário em férias evocou a imagem da moça que vira, para engendrar situações apimentadas; ao mesmo tempo, seu instinto profissional reagia, imaginando que linda modelo ela não seria para seu Ateliê. Tudo meio misturado, enquanto os devaneios iam se esmaecendo e virando sonho, até que Ângelo entrou num sono profundo.

Acordou apenas meia hora depois, com fome. E que fome! Não foi à toa que acordou. Tinha que se alimentar. Lavou o rosto para despertar, vestiu-se e desceu, ainda meio tonto de sono. Conseguiu na portaria a indicação da cantina La Trattoria, na rua paralela, pensando em jantar algo mais leve, pois já era tarde. Precisava voltar logo para acabar de dormir. Eventuais aventuras amorosas ficariam para depois, teria muito tempo.

Enquanto saboreava um delicioso “ravioli in brodo”, com muito parmesão ralado afogado no caldo, do jeito que ele gostava, Ângelo revia cada momento de seu dia de aventuras. Não era à toa que estava tão cansado. Para completar, pediu um “petit gâteau”, cujo bolo com o sorvete de creme se aliariam ao queijo da sopa para sabotar sua intenção de comer algo leve, mas o deixariam muito satisfeito. Voltando a pensar nas aventuras, quem sabe se amanhã ainda veria aquela morena que trocou olhares com ele na entrada do hotel e embalou seu sono curto.

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O CASAMENTO REAL - Alberto Landi

  O CASAMENTO REAL Alberto Landi  Em uma manhã ensolarada de 22 de maio de 1886, as ruas de Lisboa se encheram de flores e música para cel...