Renascimento
Adelaide
Dittmers
A mulher abriu os olhos
lentamente. Imagens embaçadas turvavam
sua visão. Aos poucos foram ficando nítidas.
Aparelhos estavam ligados nela. Um monitor media os batimentos
cardíacos. Onde estava? A confusão
atordoou-a. Tentou levantar um braço e
sentiu a picada da agulha, que a alimentava de soro. O movimento acionou a luz,
que chamava a equipe médica. Uma enfermeira e um médico apareceram. Ela os fitou.
Quis perguntar o que estava acontecendo, mas não conseguiu articular as
palavras.
Os dois a olhavam com uma
expressão de surpresa e entreolharam-se admirados. Não havia esperança de vê-la voltar. Apenas se mantinha viva ligada aos
aparelhos. Há três longos anos estava
ali depois de uma espécie de síncope após um parto complicado.
O médico colocou a mão no
braço da jovem, que fechava e abria os olhos, tentando retomar a
consciência.
— Calma, disse ele com um
sorriso comovido. Está tudo bem!
— Onde estou?
— Você dormiu por um longo
tempo.
– Dormi? Os olhos vagando de um lado para outro para
tentar entender o que lhe acontecera.
— Sim. Respondeu, evitando dar
mais explicações para não aturdi-la ainda mais. E ficou ao seu lado enquanto a
enfermeira saiu apressada para avisar a equipe da UTI e a família.
A notícia incendiou o lugar e
se espalhou pelo hospital.
A memória da jovem foi
voltando aos poucos de maneira muito confusa. O perigo da eclampsia, o medo do parto,
as vozes tentando acordá-la, tudo girava em sua mente. E agora, os médicos a
cercavam. Onde estava a criança? E o
marido? Com dificuldade perguntou:
— Meu bebê?
Olhares se cruzaram como
flechas. Tinham que tomar muito cuidado
com as respostas. Um deles disse
mansamente:
— Ele está bem! Sua família
foi avisada, mas só poderá vê-la amanhã.
— Por quê?
— Será melhor para seu
restabelecimento. Amanhã você estará
mais pronta para recebê-los. O seu apagão foi longo.
— Apagão?
— Não se preocupe com isso. O
importante é que você está conosco agora.
Ela tentava entender essas
meias respostas. Então o médico
perguntou:
— Qual é o seu nome?
— Vera Santos Oliveira.
— Qual é a sua idade?
— Trinta anos.
Ele sorriu. Tudo estava normalizando. O milagre da vida
estava ali diante deles.
No decorrer do dia, foram
acompanhando os progressos de Vera e ao fim do dia resolveram contar-lhe o que
realmente lhe acontecera. O espanto calou-lhe o rosto e os movimentos. O médico pousou a mão delicadamente em sua
cabeça.
— Parabéns, menina! Bem-vinda
de volta à vida!
A voz embargada traia a frieza
esperada na profissão. O olhar de Vera sentiu a emoção do homem à sua
frente. Com voz trêmula, sussurrou:
— E meu bebê?
— É uma menina. Tem três anos.
As lágrimas presas encobriram
seus olhos e deslizaram suavemente pelas suas faces.
— E meu marido? Meus pais?
— Você os verá, amanhã.
Ela cobriu o rosto com as mãos
e os soluços a sacudiram.
O barulho de uma maca a
acordou no dia seguinte. Uma enfermeira
anotou seus sinais vitais e desligou os aparelhos que ainda a monitoravam.
— Aonde vocês vão me levar?
Perguntou insegura.
— Você passará por uma
ressonância e se estiver tudo bem, irá para o quarto.
— Quando vou ver minha
família?
— Depois do exame, poderá
vê-los.
Eram oito horas, quando foi
instalada no quarto. A enfermeira pegou o seu pulso e mediu a pressão. O
coração estava acelerado e a pressão tinha subido. Logo lhe deu uma medicação para baixar sua
ansiedade. Em seguida, levantou a
cortina e o sol inundou o lugar.
— O dia está lindo, Vera!
Nesse momento, bateram à
porta. Vera segurou a respiração. Diante dela, os pais surgiram sorrindo e
chorando ao mesmo tempo. O abraço triplo foi longo e incontido. Atrás deles,
seu marido segurava a filha assustada. O rapaz aproximou-se, mas a menina
agarrava-se a ele. Vera conteve a
vontade de apertá-la em seus braços.
Apesar da forte emoção, sentiu que a pequena precisava de tempo. Ao
deter os olhos no marido, percebeu um estranho constrangimento na sua
expressão. Como se ele estivesse incomodado com a situação.
Dias se passaram e as visitas
constantes dos pais a animavam. A menina vinha com eles, mas se mostrava
arredia, o que a enchia de tristeza. O marido não apareceu mais e os pais
diziam que estava trabalhando muito.
Finalmente, os médicos
anunciaram que poderia ir para casa. A felicidade coloriu seu rosto. Quando os
pais chegaram para buscá-la, a primeira pergunta foi:
— Cadê o Walter?
A desconfiança e o medo
estamparam-se no olhar ansioso da moça.
Os pais se entreolharam e a
mãe segurou as mãos da filha e com voz pousada contou que depois de um ano, em
que ela ficou em coma, as esperanças de que ela sobrevivesse eram quase zero e
o genro começou a namorar uma moça, que estava com ele até hoje. Fez uma longa pausa para controlar a
respiração e acrescentou que o casal tinha um bebê de quatro meses.
Vera se recostou no sofá. Uma nuvem de tristeza espalhou-se pelo seu
rosto. Eles se amavam tanto. Como era
frágil e fugidio o amor de um homem.
— E a minha filha?
— Mora com eles, mas você pode
pedir a guarda dela.
Vera abraçou a mãe e
afastando-se disse comovida.
— Tudo a seu tempo, mamãe!
Tenho vocês ao meu lado. Primeiro tenho que retomar minha vida. Fui forte o suficiente para voltar. Serei
forte para recomeçar a viver.
Adelaide, acabei de ler e estou emocionado com a história. Sensacional!!!
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