Um olhar ao redor
Adelaide
Dittmers
Olho
em volta e estremeço. Uma sala branca,
cujas paredes estão forradas de coroas de flores. Estou em um velório. De quem será? Não me lembro de ter recebido a
notícia da morte de alguém conhecido.
Tento
me mexer, mas não posso. Minhas pernas e braços estão imóveis. Meu Deus! Estou preso a um caixão. Quero levantar e não consigo. Percebo que meus olhos estão fechados, mas
estou vendo tudo ao meu redor. Estou
morto? Meu corpo se arrepia todo, mas
morto não pode se arrepiar.
Meus
olhos, ou sei lá o que estou usando para enxergar, divisam muitas pessoas no
lugar.
Minha
mulher está abraçada ao meu filho e os dois soluçam. A tristeza me invade e sinto-me impotente
diante dessa cena.
Um
grupo de amigos conversa a um canto.
Parecem discutir sobre algo, política ou negócios. Não ouço o que dizem. Falam em voz baixa.
Não
acredito! Dona Maricota também está aqui.
Como sempre não pára de tagarelar. Ah não! Está se aproximando de mim
com uma vizinha. O olhar compungido tem
uma sobra de sarcasmo. ¨Era um homem forte.
Como foi morrer assim de repente! Sabe, aqui entre nós, dizem por aí que
era um mulherengo e traía dona Clara, descaradamente¨.
Miserável!
Veio ao meu velório só para fofocar e falar mal de mim. Se eu pudesse a expulsava daqui. Se estivesse
vivo, estaria vermelho de raiva.
O
Rafael acabou de entrar. Cara de pau! Me
deve um dinheirão e não atendeu mais aos meus telefonemas. O rosto coberto de uma dor, que com certeza
não sente.
O
que o Leo está fazendo? Abraçando Clara
de um jeito suspeito e parece comê-la com os olhos. Nem esfriei ainda...Meu melhor amigo! É
difícil acreditar em tanta falsidade!
Ouço
sons de risadas, que vêm de fora. O
grupo das piadas! Não respeita o
sofrimento alheio. Porém, tenho que admitir, participei disso muitas vezes.
Que
surpresa! É a Gracinha chegando perto de mim! Linda, elegante e discreta. Vivi grandes momentos com ela. Seu rosto espelha uma grande tristeza e
lentamente deposita uma rosa vermelha em meu peito. Coloca a mão em cima das minhas, fecha os
olhos e deve estar fazendo uma oração.
Discretamente afasta-se e sai, mas o rastro de seu perfume permanece
como um bálsamo.
Fito
Clara, que está recebendo vários abraços de condolências. Graças a Deus não viu Gracinha.
Um
padre aparece a começam as orações.
Todos baixam a cabeça para acompanhá-las. Será que estão rezando por mim? Duvido. Muitos devem estar pensando no que vão fazer
depois.
Neste
momento, resolvo me entregar a Deus e ao que vier. Estou só, como nunca estive. Saímos deste mundo completamente sozinhos. Não importa quantas pessoas estejam a nossa
volta. Felizmente vivi plenamente. Não me arrependo de nada. Aceito meu desenlace como aceitei a vida.
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