“... que
seja infinito enquanto
dure”
Hirtis
Lazarin
Vanda
não tem preguiça. Levanta cedinho, na
ponta dos pés pra não acordar o esposo nem o filho. Prepara o café da manhã com
todo o requinte como se cada dia fosse especial.
Ela
se casou com o príncipe que desenhou na adolescência. A beleza física do amado não era o mais
importante. Tinha que ser superada pelos atributos de um cavalheiro educado e
cortês. Nada econômico na distribuição de carinho.
Encontrou Arpígio.
Moça
romântica e apaixonadíssima gritava pra quem quisesse ouvir: juntos escalaremos
a mais alta montanha; juntos atravessaremos mares revoltos; Juntos
construiremos uma linda história de amor.
E, realmente, criaram um filho na mais perfeita harmonia.
Vanda,
dona de casa organizada, caprichosa e criativa na cozinha. O dia era curto pra tantos afazeres, mas o acúmulo
de tarefas e a monotonia da rotina diária enchiam-na de prazer. Esperava o
marido para o jantar sempre com uma novidade culinária. Ele, pontualíssimo, não atrasava nem
segundos.
Arpígio
cumpria horários rigorosos de segunda à sexta-feira: saía para o trabalho às
nove horas da manhã e retornava às dezoito e trinta. Ligava pra casa três vezes
ao dia, sempre preocupado com o bem- estar de todos. Os finais de semana e
feriados eram dedicados à família.
Uma
linda história de amor!
Filho
já criado, a casa bem planejada e construída com esmero em cada detalhe,
economias guardadas, tudo para uma aposentadoria de desfrutes e realização de
outros sonhos.
Malas
prontas para a primeira viagem internacional do casal, destino Paris. Muita ansiedade, as horas não passam, horário
do voo consultado vezes e vezes, lista pronta dos melhores restaurantes e
cafeterias da “Cidade Maravilhosa”, roupas escolhidas a dedo, para um inverno
rigoroso. E todos os documentos conferidos e conferidos.
Véspera
do embarque. O filho e esposa chegam à
casa dos pais pra despedida. Beto toca a campainha mais que três vezes; bate na
porta com força; ninguém aparece. Espia
o interior da casa pela vidraça da janela lateral; luzes acesas; não vê
ninguém.
Esquisito.
Falou com o pai antes do almoço e avisou que passaria por lá ao final da tarde.
Ele
tem a cópia da chave da cozinha. Entra “muiiito” preocupado. Chama pelo pai,
pela mãe e ninguém responde... Faz um “tour” pela casa e encontra Vanda
descordada e caída sobre o tapete do quarto. Está inconsciente. O rapaz toma-lhe
o pulso e ela respira com dificuldade.
Pouco
tempo depois, o mais rápido que conseguiu em meio ao trânsito confuso, chegam ao
hospital. Depois de uma sequência de
exames, horas e horas de observação, o médico constata que é gravíssimo o
estado da paciente.
Desesperado,
liga ao pai uma, duas, três, quatro vezes.
Só cai na caixa postal. Tudo
muito estranho. Depois de aposentado,
não deixava a esposa sozinha. Que ele
soubesse...
Já é
de madrugada quando Arpígio chega ao hospital. A reação dele não é a que se
esperava, mas o momento não é para explicações. É rezar e confiar em Nossa
Senhora de Fátima, a queridinha da mãe em todas as horas de apuro e aflição. Incontáveis
vezes, Beto encontrou-a ajoelhada no quarto, rezando e acendendo velas aos pés
da santa de fé.
Vanda recuperou os sentidos, mas não conseguiu
mais falar. Seus olhos redondos e
arregalados transmitiam ódio. A língua
enrolada balbuciava sons ininteligíveis. Quando os mais próximos tentavam
decifrar, percebia-se sua irritação, sua raiva por não se fazer entender.
Momentos de angústia e muito sofrimento.
O pai, o tempo todo, inquieto e em silêncio, não deixava transparecer os sentimentos. Parecia
indiferente ao estado doloroso da mãe.
Uma personalidade que Beto desconhecia. Onde estava o esposo amoroso e
dedicado? Até exagerado, em situação de
doenças passageiras. Aquele não era o esposo de Vanda...
Arpígio
saía do quarto sem falar nada, parava na cantina e se enchia de café. Não se lamentou nem chorou uma única vez.
Beto
tentou arrancar-lhe alguma coisa sobre aquele dia, véspera da viagem, Nada
conseguiu.
E,
uma semana depois, pra muita tristeza, a mãe faleceu.
Apaixonada
pela vida, Vanda sempre foi muito cuidadosa com a saúde. O casal fez um “check up “ tão logo decidiram
viajar e tudo estava sob controle.
“É... pra morrer, basta estar vivo” – Como dizia
minha querida e saudosa avó.
Arpígio
ficou recluso durante uma semana. Após a missa do sétimo dia, a família se
reuniu.
Beto
aconselha o pai a vender o apartamento e morar com o casal. Além da economia mensal, o netinho de quatro
anos preencheria um pouco o vazio deixado pela esposa. Sabia que não seria fácil pra ele viver só,
depois de uma vida de quarenta anos
juntos.
O
pai ouviu atento o conselho. Fechou a cara, pensou um pouco, cerrou as
sobrancelhas e, pausadamente, pronunciou palavra por palavra o que pretendia
fazer:
“Nada
disso! Vou refazer minha vida. Isabel vem morar comigo. Ela é minha amante há
mais de dez anos. Eu a amo mais que tudo nesta vida”.
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