Viagem a Paris
Adelaide
Dittmers
Muito
comunicativo e espirituoso, Xavier conquistava todos por seu bom humor, mas
tinha um lado peculiar; era um gozador nato e adorava pregar peças nas pessoas
à sua volta.
Certa
noite, ao chegar em casa, depois de um dia de trabalho, escancarou um sorriso
para a mulher e disse:
—
Tenho uma surpresa especial para você. E
estendeu dois pequenos papéis.
— O
que é isto? Perguntou ela com um ar desconfiado.
—
Veja você mesma!
—
Não acredito! Duas passagens para Paris.
Helena
abraçou o marido. Sempre sonhara em
conhecer a cidade luz, mas tinha muito medo de viajar de avião. Apesar da situação financeira deles permitir,
só viajavam de carro. Conhecia quase
todo o país e já tinha ido à Argentina e Uruguai.
De
repente afastou-o e perguntou:
—
Isso não é mais uma das suas brincadeiras? Não é?
—
Não. O único problema é seu medo de
voar.
—
Tenho que enfrentar isso. Por Paris, vou
enfrentá-lo. Além do mais, minhas
amigas, que não gostam de voar, costumam tomar comprimidos para acalmar e dormir.
—
Então tudo bem, porque me lembro daquela viagem, que fizemos ao Rio pela ponte
aérea, em que você apertou minha mão a viagem toda. Para Paris são onze horas de voo e não
quarenta e cinco minutos.
—
Estou tão feliz, que prometo que vou me comportar bem.
Uma
semana depois, estavam os dois no aeroporto para iniciar a viagem dos sonhos de
Helena. Ansiosa, procurava esconder o
nervosismo ao entrar no avião. Logo ao
se sentar no lugar, que lhes foi reservado, engoliu o comprimido para diminuir
o temor.
A grande
aeronave decolou suavemente e ganhou altura em um céu sem nuvens. Era uma bonita noite de outono. Poucas horas depois, o jantar foi servido e
Helena distraiu-se em ver o que iria comer.
Após terem jantado, Xavier lhe disse:
—
Vou tirar um cochilo. Quando a aeromoça
recolher as bandejas, peça a conta, por favor, e fechando os olhos, virou a
cabeça para o lado com um sorriso zombeteiro.
Depois
de alguns minutos, a comissária veio retirar as bandejas e Helena educadamente
lhe pediu:
— Pode
me dar a conta, por favor.
—
Como senhora?
— A
conta do jantar.
A
moça arregalou os olhos e disfarçando o constrangimento respondeu:
—
Não há conta a pagar. O jantar está
incluso na passagem.
Sem
graça, Helena pediu-lhe desculpas e, quando a jovem se afastou, deu um safanão
em Xavier.
— Como
você me fez uma coisa dessas? Não gostei
nem um pouco dessa brincadeira.
E
ele rindo, exclamou:
— É
muito divertido, que até hoje você caia em minhas armadilhas.
Helena
recordou-se, então, do dia em que ele a deixou em um restaurante e saiu para a
rua só para vê-la toda atrapalhada sem saber como iria pagar a conta, e de
tantas outras em que sempre procurou aceitar com bom humor. No entanto,
ultimamente, começou a cansar-se do humor negro do marido. Zangada, ligou a
tela à frente para não discutir com ele.
Mais
tarde, as luzes do avião foram apagadas e os passageiros ajeitaram-se como
podiam para dormir. Helena logo
adormeceu embalada pelo comprimido.
O
grande pássaro começou a sobrevoar o vasto oceano, negro e misterioso, àquela
hora da noite.
De
repente, Helena foi sacudida por Xavier.
Tonta de sono, olhou a expressão de medo do marido.
— Acorda
e coloca o cinto! O avião entrou em
pane. Estamos em uma emergência.
Realmente,
uma forte turbulência sacudia o avião. A
mulher entrou em pânico. O terror tomou
a forma de uma grande garra, que apertava sua garganta e descontrolada começou
a gritar.
—
Socorro! Não quero morrer!
Os
passageiros acordaram assustados e uma grande confusão espalhou-se pelo
avião. Logo um comissário veio até ela e
perguntou:
— O
que está acontecendo, senhora?
— O
avião está caindo! E ainda você me
pergunta isso?
—
Calma, senhora. Foi só uma
turbulência. Está tudo bem com o
avião. Fique tranqüila.
Ainda
muito assustada e envergonhada, olhou para Xavier e pela expressão dele,
percebeu que fora novamente uma de suas brincadeiras e dessa vez de muito mau
gosto.
— Você
me paga! E seus olhos faiscaram de ódio.
Ignorou-o
o resto da viagem e não conseguiu mais pregar os olhos.
Chegaram
cedo à bela cidade. Atordoados pelas
horas de vôo passaram pela imigração e começaram a percorrer os intermináveis
corredores do grande aeroporto.
Helena,
ao ver banheiros, disse ao marido.
—
Vou entrar e aproveitar para lavar o rosto e refazer a maquiagem.
—
Também vou aproveitar para ir ao banheiro.
Helena
entrou, mas saiu logo em seguida e apressou-se a andar pelo longo
corredor. Trazia apenas a mala de
mão. Sentia-se segura diante do desafio
de percorrer a grande distância até a saída.
Dominava bem o francês e a qualquer imprevisto, conseguiria se comunicar
com alguém. Foi seguindo as indicações e chegou ao saguão do aeroporto, onde
parou por um momento e pesquisou hotéis pelo celular. Ligou para um que lhe agradou e conseguiu uma
reserva em um que adorou. Considerado um
dos mais luxuosos de Paris, ficava em um dos pontos mais emblemáticos da
cidade. Chamou um táxi e pediu ao
motorista;
—
Hotel Du Louvre, s’il vous plait!
Durante
o percurso, reservou um almoço no L’Oiseau Blanc, considerado um dos melhores
restaurantes parisienses e onde se podia desfrutar uma vista deslumbrante da
cidade.
No
aeroporto, Xavier saiu do banheiro e postou-se à porta para esperar pela
mulher. Os minutos foram passando e nada
de Helena. Começou a ficar preocupado. Consultou o relógio e constatou que a estava
esperando já há quase trinta minutos.
Pediu, então, a uma senhora da limpeza, que verificasse por que ela
estava demorando tanto. Ela entrou e
voltou dizendo que não havia nenhuma Helena no banheiro.
Xavier
controlou-se para não se desesperar.
Percorreu quase correndo os longos corredores e chegou ao lugar de
resgatar as malas, que pareciam que nunca iam aparecer nas esteiras. Tenso, apanhou-as e foi para a entrada do
aeroporto. O que poderia fazer agora? Tinha tentado ligar várias vezes para a
mulher sem sucesso.
Enfim
o celular tocou. Era ela.
—
Helena, o que aconteceu? Onde você está?
—
Não aconteceu nada, querido? Estou no
Hotel Du Louvre. É um hotel maravilhoso,
daqueles que se vê em filmes.
— O
que! Mas não foi esse o hotel que
reservei.
—
Ah! Mas este é o que sempre sonhei em me hospedar. Luxuoso e fica em um lugar privilegiado.
—
Você enlouqueceu. Sabe quanto custa uma
estada em Paris. Uma fortuna! E um hotel luxuoso é impagável.
—
Não adianta reclamar. Vem pra cá. Você vai adorar. Respondeu irônica.
Nervoso
e furioso, Xavier chamou um táxi. Ao
chegar, quase perdeu o fôlego ao se deparar com o imponente hotel. Na recepção
informou-se onde sua mulher estava.
Acompanhado por um funcionário, que lhe levava as malas chegou ao
quarto. Helena abriu a porta,
sorridente, com uma taça de champanhe na mão.
— O
que está acontecendo com você? Ficou louca? Ele disparou.
—
Nunca estive tão lúcida! Respondeu, fechando a porta atrás dele.
— E tem
mais! Reservei um almoço no L’Oiseau Blanc. É um dos restaurantes mais tops
desta cidade linda.
—
Não acredito! Não sou o Bill Gates! O
que te deu?
—
Você conhece o ditado: Um dia é da caça, o outro é do caçador.
— É
uma vingança por que brinquei com você! Disse, cuspindo as palavras.
Não,
não é! Uma vingança é para o mal de alguém. Estar num hotel magnífico e
desfrutar das iguarias francesas em um restaurante estrelado é tudo de bom.
Xavier
estava pálido. Sentiu o estômago
contorcer-se dentro dele e com uma repentina ânsia correu para o banheiro.
Helena
aproximou-se da janela e admirou a romântica cidade, que lânguida se abandonava
ao céu ensolarado da primavera. Levantou
a taça com um sorriso vitorioso.
—
Santé Paris! Exclamou.
Ótima história, Adelaide. Muito bem construída, bem humorada, embora de humor perverso, mas mostrando como as mulheres sabem das coisas; das contas, já não sei (pobre Xavier). Ótima sequência. Gostei bastante.
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