A oportunidade
Adelaide
Dittmers
Era
uma noite quente e seca. O menino estava
com sede e a fome lhe corroía o estômago.
Desamparado, percorria as ruas, estendendo as mãozinhas, para pedir uns trocados
às pessoas, que passavam indiferentes e apressadas.
O
rosto exprimia cansaço e desalento. O
olhar refletia um desamparo, que parecia envolver seu corpo frágil. Roupas nada
limpas e um par de tênis, que devia ter passado por muitos pés, mostravam a penúria em que vivia.
Subitamente,
reparou que uma senhora estava tirando a carteira da bolsa, em frente a uma
banca de jornal. Um pensamento lhe
atravessou a cabeça como um raio e sem resistir, passou por ela correndo e
arrancou a carteira de suas mãos,
—
Pega ladrão, gritaram as pessoas que viram o roubo.
E o
menino, apesar da fraqueza, serpenteou pelos transeuntes, tentando fugir com o
que tinha roubado. Na sua consciência
não havia culpa. A única preocupação era
escapar, sentir-se seguro e comprar algo para saciar a fome, que lhe roía as
entranhas.
Como
um animalzinho que escapa de seu predador, continuou a sua desabalada
corrida. Quando estava longe, parou sob
uma árvore, abriu a carteira e contou o dinheiro. Duzentos reais. Quanta grana, pensou. Tivera sorte.
Jogou fora a carteira e enfiou o dinheiro nos bolsos da surrada calça.
Mais
adiante, entrou em um boteco e pediu um prato feito. O dono o olhou com desconfiança, ao que ele
lhe mostrou algumas notas, que tirou do bolso.
O
homem trouxe, então, um prato cheio de arroz, feijão e carne, que o menino devorou, como se nunca tivesse comido
nada em sua vida. Pediu um copo de água,
que bebeu de um gole só.
Satisfeito
e alimentado, continuou sua caminhada pela cidade, que sempre lhe parecia
indiferente a sua miséria e solidão.
Depois de muito andar, chegou a um viaduto. Embaixo, amontoadas, muitas pessoas dividiam
um espaço precário. Fogareiros
improvisados, sacolas de alimentos e roupas deixadas por boas almas, que por
ali passavam, espalhavam-se pela estreita calçada. Um mundo diferente e sórdido na cidade rica.
Josué
aproximou-se de uma das famílias e logo uma mulher sem os dentes frontais veio
ao seu encontro. Estava barriguda,
prenha de mais um filho.
— E
aí, você conseguiu alguma coisa?
O
menino olhou-a com raiva. Era sua
madrasta, que só pensava em explorá-lo, mandando-o a mendigar nas ruas. Sua mãe morrera, quando tinha sete anos e há
quase quatro anos convivia com ela, irmãos e o pai bêbados. Os seus onze anos de vida eram marcados por
abandono, desesperança e maus-tratos.
—
Consegui. E tirou do bolso trinta reais,
que estendeu a ela.
— Só
isso? Perguntou a madrasta com uma careta de desprezo.
—
Só! Respondeu bruscamente. Virou-se e foi se sentar encostado à parede do
hostil viaduto. Nunca que iria dar mais
dinheiro àquela bruxa, pensou, e um ódio
silencioso espalhou-se pelo seu olhar.
Ajeitou
a cabeça na parede dura e começou a imaginar o que faria com sua pequena
fortuna. Foi a primeira vez que roubou.
Não era o que queria fazer, mas talvez o único caminho. Pedir não lhe
rendia quase nada, apenas uns parcos trocados.
Roubar era arriscado, mas não fora difícil tirar a carteira da
mulher. Se conseguisse mais dinheiro,
poderia fugir dali, talvez alugar um quarto em uma favela e livrar-se do pai
inútil e da madrasta exploradora.
Aos
poucos, dormiu embalado pelo sonho de se libertar daquela miséria e pelo menos
ter o que comer e uma cama, mesmo que tosca, onde descansar. Um sorriso puro de criança aflorou em seu
rosto adormecido. Talvez o último sorriso
inocente da triste e perdida infância, porque, quando acordasse no outro dia
seria um outro menino, que seguiria por um caminho tortuoso e perigoso.
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