Serei
eu o herói de minha própria história, ou qualquer outro tomará esse lugar
Do
Carmo
Fim
de tarde de um gélido domingo, íamos eu, papai e minha irmã, à padaria Dengosa,
que sobrevive até hoje, que fica bem próxima da minha casa, a duas quadras de
distância apenas. Compras domingueiras e infalíveis.
Seus
pães, doces e tortas, salgados ou doces, eram terrivelmente deliciosos, bolos e
docinhos, tinham sabor de quero mais e o estonteante perfume delicado, que
embriagava o ambiente, era uma declaração de amor.
Já
éramos clientes antigos e conhecidos do proprietário, amava participar dessas
compras, porque sempre era presenteada com várias guloseimas, as quais só podia
comê-las em casa, depois de lavar as mãos. Era um ritual macabro para mim, eu
achava muito demorado.
Ao
nos despedirmos dos funcionários, nos deparamos com uma cena muito triste, uma
menininha chorava e um menino, pouco mais velho que ela, soluçava baixinho, e o
pai, com voz melancólica, dizia:
-
Queridos, vocês sabem da nossa situação de vida. Somos pobres, eu e a mamãe
trabalhamos muito, mas com nossos salários, mal conseguimos pagar os
compromissos mensais, e com muita dor no meu coração, não poderei satisfazer
esse desejo de vocês. Sei que estão com vontade de comer algum desses doces,
mas filhos, o papai não tem dinheiro.
Meu
pequeno coração, retorceu-se dentro de mim ao ouvir, entre lágrimas, a
menininha ainda chorando, dizer:
-
Está bom, papai, você guarda um pouquinho do seu dinheiro, todo dia e quando
tiver bastante, você compra para nós, não é maninho?
- É
isso mesmo. Sabe papai, eu até não tenho mais vontade. Já passou.
Não
me contive, soltei a mão de meu pai, aproximei-me deles e com a minha sacolinha
recheada das compras, disse:
-
Menina, esta sacolinha está com alguns doces e pãezinhos, nós já comemos lá
dento, então você quer ficar com ela?
A
menininha, passando as mãos no rosto molhado, olhou para o pai que olhava para
o meu pai com olhos desesperados e estendendo a mão para meu pai, disse;
-
O senhor tem uma joia valiosa, que tem um coração maior do que o mundo, uma
criança colocando-se no lugar de outra que é muito carente. Eu aceito e
agradeço a generosidade.
Com
a alegria que sempre foi um dom de meu pai, sorrindo apertou a mão estendida e
convidou-o a tomar um café, enquanto as crianças tomassem um saboroso chocolate
quente com os pãezinhos e bolo, que escolhessem. Diante de toda essa cena, o
proprietário da casa, alegremente ao servir-nos disse:
-
Hoje este lanche é por conta da casa, pois recebi uma lição imensa de amor,
vinda de uma criança heroica, pois não titubeou em entregar seus doces à uma
menininha, carente e desejosa, que não conhecia.
Meu
pai ficou muito agradecido com os comentários do proprietário e pediu que
fizesse outra sacolinha, que ele fazia empenho em pagar, para sua filha. Nos
despedimos e cada um seguiu seu caminho. Ao chegar em casa, abrindo a bandeja,
admirada ao extremo, vi a quantidade de doces e salgados que ele havia
acrescentado ao novo pedido de meu pai. Com sentimento de dever cumprido,
lanchamos naquela noite de domingo especial, como se fosse a primeira de nossas
vidas.
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