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segunda-feira, 23 de abril de 2018

"Saber viver, não é fácil" - Hirtis Lazarin



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"Saber viver, não é fácil"
Hirtis Lazarin

Thomas, filho único de empresário bem-sucedido, já nasceu cheio de privilégios.
Cercado de mimos e dengos, nunca ouviu palavras negativas e tão necessárias. 

 São elas que nos ensinam que na vida nem tudo é possível e que ouviremos muitos ”nãos".  E são esses "nãos" que nos darão forças para continuarmos na luta que não privilegia ninguém.

O menino cresceu sem limites, nem restrições.  Aos dezesseis anos já conhecia quase todos os países, além do Atlântico.

Ia à faculdade para agradar e fazer um carinho à mãe, que não se conformava com o filho "bom vivant". Sabia o quanto errou em sua formação. 

Thomas sabia que não precisava trabalhar, pois na ausência dos pais, teria dinheiro suficiente para viver muito bem pro resto da vida.

Mas a vida não é um caminho retilíneo e previsível.  Todo cuidado é pouco nas curvas que surgem inesperadamente.  Uma freada brusca pode provocar capotamento capaz de trazer estarrecimentos sem solução.

E foi numa dessas curvas perigosas que Thomas, em alta velocidade, não respeitou as placas de trânsito e não freou a tempo.

Sua vida virou de ponta cabeça.

Numa noitada carioca como outras tantas, conheceu Helô, mulher exuberante, alguns anos mais velha.

Helô era culta, inteligente e divertida.  Conhecia a noite, a lua, as estrelas e os encantos que ela produz.  Uma companheirona.

Thomas apaixonou-se perdidamente por Helô.  Dizem que o amor cega.  Thomas foi aconselhado.  Não deu ouvidos aos conselhos dos pais nem dos amigos.  Não sabia ou fingia não saber que sentimentos que brotam rápido demais podem morrer num piscar de olhos. 

Ninguém o reconhecia mais.  Era outro homem.  Contrariando a todos, mudaram-se pra Nova York.  Dinheiro não faltava.

Tudo perfeito...Um casal jovem em pleno vigor.

Thomas realizava todos os desejos, sonhos, fantasias e loucuras da amada.  Só para citar uma loucura, num mesmo dia, numa única loja, comprou vinte pares de sapatos Prada pra Helô.

Já estavam juntos há pouco mais de um ano. A vida que todos sonham.

Depois de uma noite bem dormida que costumava se prolongar até às treze horas, Thomas acordou e sentiu a falta da mulher na cama.  Estranhou. Sempre foi difícil tira-la debaixo dos lençóis.

Chamou-a várias vezes e nada...  Percorreu todos os aposentos do loft e nada também.

Acendeu as luzes.  As portas do guarda-roupa estavam escancaradas.  As gavetas e cabides vazios.  Algumas peças perdidas no chão revelavam pressa.  Sobre a mesa de jantar um bilhete:

"Thomas,
               nossa saga terminou.
               Você é maravilhoso.
               Sou aventureira.
               Minha vida segue. 
                    Adeus...
                                          P.S. Levei todo dinheiro da nossa conta conjunta.

O homem rico, seguro, apaixonado desmoronou.  Acordou horas depois, quando o cachorrinho lambia-lhe a boca.

Perdido e só.  Ali estava o homem fraco que não aprendeu a ouvir não.  Não sabia perder. Sem rumo, caminhou dias e dias pela cidade sem dormir nem comer.

Anestesiado pelo álcool, andou quilômetros e mais quilômetros de estrada até uma cidadezinha.  Perambulando pelas ruas, encontrou, num beco sem saída, um fusca abandonado. 

Fez dele sua morada.  O novo morador chegou quietinho e assim ficou.  Nunca atrapalhou ninguém.  Pouco falava.  Magro, franzino, vivia de comida e roupas doadas.

O nome?  De onde vinha?  Nunca mais se lembrou.

A solidão levou-o à bebida.  A bebida ingerida em excesso transformou-o num fantasma que vivia só porque ainda respirava.  Os dias passavam e ele perambulava pelas ruas.  À noite recolhia-se no seu cantinho.

O outono foi-se e o inverno despontou rigoroso.  O asfalto, as árvores, os telhados, o fusca, amanheceram enfeitados de neve.  Um vento frio e cortante assobiava aos ouvidos, as nuvens embaçadas entristeceram o dia. 

Thomas, encolhido no espaço reduzido do carro enferrujado e frio, foi encontrado morto de mãos juntas.

Um pedido de socorro que jamais balbuciou.

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