UMA
CARTA!
Dinah Ribeiro de Amorim
Amy, sentada num banquinho à frente da
porta, aguarda Tom, o carteiro, passar. Estamos em Burnley, antiga e próspera
cidade litorânea, ao sul da Inglaterra.
Há anos, sua rotina matinal é essa.
Esperar a chegada de Tom, que se tornou mais um amigo que um estranho
profissional dos Correios.
Espera por uma carta há mais de cinco
anos, avisando o feliz retorno de John, seu marido, que partiu logo após o
casamento, com o início da última grande guerra. Apaixonado por aviões,
alistou-se como piloto na antiga RAF, mas prometeu voltar! “Logo nos
veremos...” havia escrito na última carta.
Confiou nisso. A guerra acabou e ele não
voltou, mas ainda o espera. Sabe que nunca mentiu e a esperança não morre,
acredita na volta.
A cidade, atingida pela perda de muitos
habitantes, alguns acidentes aéreos e outras catástrofes, tenta retornar ao seu
apogeu em indústrias de algodão, mineração de carvão, fabricação dos primeiros
aviões a jato, deixando de ser ponto estratégico aos inimigos com sua costa
marítima.
Amy, atingida também em seus
sentimentos, consola-se e espera, desacredita na informação recebida anos
antes, a morte de John em combate aéreo.
Quando habitantes amigos a avistam,
sentada à porta da pequena casa, junto
ao mar, olhando sempre ao longe, esperançosa, comentam entre si: “A guerra
afetou sua mente, afastou a realidade, que tristeza! Também, quase acabou conosco!”
Tom, o carteiro, entristece-se ao vê-la,
parando sempre para dar-lhe um dedo de prosa. “Quem sabe a mente volta, pensa
ele, ela aceita que o marido morreu.”
Amy aproveita para dar-lhe um bom dia e
perguntar as novidades da guerra. Quando voltarão todos para casa?
Tom responde sempre: “A guerra já acabou
faz tempo. Graças a Deus, há grande recuperação na cidade, mudanças em todos os
lugares, a Sra. ainda não viu?”
— Não creio. Meu marido não voltou e prometeu
voltar logo. Não deve ter acabado, responde ela.
Tom se aquieta, entristece o rosto,
afirma que talvez tenha se atrasado, e vai embora. “Até amanhã, Da. May. Quem
sabe ainda escreve?”
Os habitantes, moradores à beira mar,
vizinhos da região, compadecem-se dela e gostariam de resolver a situação. Tão
jovem ainda, diziam, poderia refazer a vida, voltar a alegrar-se, como também
fizemos.
Tom, um apaixonado pela profissão,
transmissor de palavras escritas, tem uma ideia. Fazer uma reunião com os
moradores mais chegados a Amy: Thomas, Grace, Lindsay, Ronnie e Frank. Quem
sabe conseguiriam inventar novas cartas até chegarem numa última, final, de
despedida.
—Não dará certo, exclama Lindsay. Vamos
reavivar ainda mais o problema, dar-lhe maiores esperanças de uma falsidade.
Grace acha melhor escreverem nova carta,
insistindo numa despedida. Quem sabe Amy acredita melhor na realidade.
Ronnie, um amante da verdade, acha melhor
repetirem a carta oficial do Exército Inglês, que comunica a morte de John,
notável piloto, em combate.
Cada um dá uma sugestão, mas não chegam
a nenhuma em definitivo.
Tom, diante disso, acha melhor expor a
sua ideia: contar que John não morreu, mas resolveu, diante de tantas tragédias
que viu na guerra, permanecer numa aldeia nativa, na Tailândia, país que o
recebeu e o recolheu muito doente, preferindo não voltar à Inglaterra. Ele e
Amy viveram juntos muito pouco e preferia guardar somente boas lembranças. Não
tem vontade de continuar um casamento que mal existiu.
Todos se entreolham, acham que uma carta,
nesses termos, causaria enorme decepção em Amy. Teria uma recuperação abrupta
ou uma fuga maior da realidade, não querendo mais viver.
Os amigos, preocupados, terminam o
encontro e ficam de pensar noutro jeito, mas Tom, com maior esperança e firmeza
na ideia, apaixonou-se por Amy, com as vindas diárias, e cansou-se de vê-la
sofrer. Talvez estivesse meio louco também... Essa guerra....
Começa a imaginar uma carta e
escrevê-la, endereçada a Amy:
“Querida Amy,
Escrevo-lhe após tantas promessas feitas
em tempos passados. Essa guerra que aconteceu mudou meus pensamentos e
vontades. Sinto-me outro homem, mais realista, mais pessimista, sem sonhos e
desejos. Não vou retornar à Inglaterra, mesmo com saudades. Sofri muitos
ferimentos, quase morri, recuperado por famílias nativas encontradas, longe de
militâncias e guerras. Estou em paz. Espero que fique também, e consiga refazer
a vida.
Beijos, John.”
Tom fecha o envelope, sela como
correspondência estrangeira, coloca o carimbo dos correios e endereça a Amy.
No dia seguinte, entrega-lhe a carta e
aguarda uns instantes, verifica sua reação.
Amy agradece e, ansiosa, entra em casa e
fecha a porta.
Tom informa aos amigos o que escreveu,
deixando-os preocupados e inseguros. Observam também que Amy não sai mais à
porta.
Passam dias, algumas semanas, e Amy não
abre a porta.
Grace, a vizinha mais próxima, dá muitas
batidas, grita seu nome e, não obtêm resposta.
Tom, preocupado, sentindo um leve
remorso, reunido aos amigos, pensa em chamar a polícia, mas é advertido a
esperar um pouco. Escutam ruídos lá dentro, que se tornam maiores, cada vez
mais.
Amy, como reação à forte dor que sente e
com raiva de si mesma, quebra tudo que a lembre de John.
O tempo passa e todos percebem a nova
Amy que reaparece. Bonita, bem-vestida, alegre, que aceita logo o convite para
uma comemoração.
A carta de Tom deu certo. Amy irá
refazer a vida, como era a vontade de John.
Percebe o interesse do carteiro e
resolve dar-lhe esperanças, marcando noivado
e casamento, após alguns meses. Afinal, foi o único amigo que teve em todos os
dias de espera.
Chega o grande dia para Tom e Amy.
Convidados e amigos esperam a bela noiva entrar para iniciar a cerimônia.
Qual não foi o espanto de todos! Amy, ao
dirigir-se à Igreja, avista ao longe um barco que se aproxima e, sem saber o
porquê, volta e, curiosa, se aproxima para ver quem chega.
Um John mais magro, envelhecido,
queimado de sol, cabeludo, mancando de uma perna, acena-lhe com as mãos, ao
desembarcar na praia.
É, a voz do povo não é mesmo a voz de
Deus!
Nenhum comentário:
Postar um comentário
DEIXE AQUI UMA MENSAGEM PARA O AUTOR DESTE TEXTO - NÃO ESQUEÇA DE ASSINAR SEU COMENTÁRIO. O AUTOR AGRADECE.