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quarta-feira, 29 de maio de 2024

UM VÁCUO NA IMAGINAÇÃO DAS COISAS - Leon Alfonsin Vagliengo

 



UM VÁCUO NA IMAGINAÇÃO DAS COISAS    

 

Ou, quanta coisa maluca passa na cabeça de quem se mete a escrever coisas.

 

 Leon Alfonsin Vagliengo

 

       Naquela noite de instrução literária, tentei, em vão, escrever coisas em que aparecesse a palavra “coisa”, porque era a tarefa a ser realizada em aula. Eu teria só coisa de vinte minutos, mas achei que a coisa seria moleza. Porém, não poderia ser qualquer coisa sobre uma coisa qualquer, porque era um exercício de escrita, a coisa toda tinha que ser bem pensada.

       Mas — que coisa! — Não me vinha à mente coisa alguma, o vazio predominava. Mesmo tentando alguma coisa forçada, nenhum sucesso, e o tempo ia passando.  A coisa estava ficando feia para mim.

Teria que inventar alguma coisa para cumprir a tarefa, mas... qual! Nada! Não aparecia nem uma coisiquinha nas minhas ideias que me permitisse agradar à professora e não terminar a aula em branco, o que seria uma coisa muito chata.

Pensei em usar derivativos da coisa, como o verbo coisar, mas o meu sentimento de censura me fez pensar que poderia dar uma conotação, assim... meio impudica. Não, não ficaria bem. Estimularia o surgimento de coisas impróprias nos pensamentos de quem lesse. Já imaginaram, por exemplo, dizer que alguém estava coisando no Ministério? Ninguém pensaria que se tratava apenas de uma ação burocrática a respeito da coisa pública.

Não, não seria adequado para a coisa que a professora pediu.

Aos poucos fui chegando à conclusão de que desta vez a coisa não seria mesmo tão fácil para mim, mas uma coisa eu botei na cabeça, desde jovem: faço questão de nunca desistir das coisas que me desafiam. Podem até dizer que eu sou um cara cheio das coisas, e que gente fina é outra coisa, mas eu não esmoreço facilmente.

A coisa toda ia seguindo assim, e o tempo passando, até que pensei numa coisa: se não consigo pensar em alguma coisa agora devido à ansiedade que essa coisa toda está me causando, devo relaxar um pouco para que alguma coisa boa possa aparecer.

É, eu já estava inquieto e nervoso, mesmo. Parecia até que ia ter uma coisa. E, de repente, experimentei uma forte sensação de estar sendo completamente diminuído pelo insucesso. Me senti um verdadeiro Coisinha.

Com o impacto desse brusco sentimento, abriu-se um parêntese emocional:

— Eu, um Coisinha? — Rosnei baixinho, sentindo-me coisificado e indignado com o meu próprio pensamento. Mas imediatamente reagi, ponderando que não é nada disso: uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa, e é preciso colocar cada coisa no seu devido lugar.

Com esse pronto entendimento, seguiu-se um momento glorioso de recuperação do amor-próprio, em que me envaideci e até me emocionei, por achar que minha rápida reação tinha sido uma coisa linda; e para mim, naquele instante depressivo, a coisa mais linda do mundo.

Superado o parêntese, relaxei, respirei fundo, dei uma nova coisada nos pensamentos e me entusiasmei, pensando. Bom, agora a coisa vai!

Mas a coisa não foi.

Nem assim consegui elaborar coisa com coisa. Que nada! Mesmo estando relaxado, não saiu coisa nenhuma! Que coisa absurda!

Não posso desconsiderar que essa falta de assunto ocasional é uma coisa séria. Alguma coisa acontece ocasionalmente que me dá um vazio na mente, parece coisa do coisa-ruim. Uma coisa medonha, uma coisa de louco. Não é possível, não tem lógica. Acho até que aí tem coisa, mas não sei que coisa é essa.

Enfim, não consegui realizar a tarefa, não escrevi nada com a palavra “coisa”, e acabei chegando à conclusão de que forçar a barra para conseguir tal coisa, no fundo, caracteriza um doentio e esquisito coisicismo. Aí... chegou! Vamos deixar de coisa e reconhecer o insucesso.

Só me consola pensar que pequenos fracassos como esse são coisas da vida.

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sexta-feira, 24 de maio de 2024

O DOTE (COMPORTAMENTOS) - Dinah Ribeiro de Amorim

 




O DOTE

Dinah Ribeiro de Amorim

 

Grande discussão, vozes alteradas, no escritório da mansão dos Simpsons, em Londres, capital do Império, ano de 1818. Lady Sara, agoniada, aos berros com o marido:

— E agora? Como fica o dote das meninas? Casar três filhas, sem dinheiro, é impossível!

Lord Edward, viciado em jogo, perde toda a fortuna da família numa só noite. Só lhes sobrou a casa!

As filhas, Rose, Mary e Anne, de ouvidos colados atrás da porta, se entreolham, estarrecidas.

Ansiosas para um casamento, vontade de toda moça que se preze. Já tinham sido apresentadas à sociedade como disponíveis e recebendo visitas de pretendentes. Estranha e curiosa essa época. Que coisa!

Anne, a mais talentosa e esperta delas, preocupa-se em auxiliar a mãe. Quer descobrir um modo de resolver a situação. Interessa-se pelo jovem Anderson, futuro herdeiro de Lord Hampton, um Conde afortunado, de grande prestígio social.

Reunidas em seu quarto, as jovens tentam discutir a situação. Casar sem dote é impossível. Mesmo que o noivo aceite, ficariam mal faladas em sociedade. As fofocas, em Londres, são terríveis e inesquecíveis! Uma coisa!

Anne lembra-se logo de um tio de sua mãe, idoso malquisto, não visitado, odiado na família, sem amigos e herdeiros, Sir William. Milionário, dono de minérios de carvão, era agressivo, egoísta, de gênio insuportável por todos que tentaram conviver com ele. Ninguém conseguia agradá-lo, cheio de manias, de temperamento estranho. Uma coisa!

Anne aconselha-se com a mãe e vai visitá-lo, procura fazer amizade, verificar as necessidades do velho, afinal é muito idoso, está vivo, é um ser humano, deve precisar de alguma coisa! Qual seria essa coisa?

Ao tocar a sineta da porta, Anne já estremece, um pânico a surpreende em falar com esse tio que mal conhece. Só ouviu dele coisas muito ruins e, perde a coragem da iniciativa. Lembra-se de Anderson, jovem tão querido, e sente-se mais forte.

Um mordomo, ríspido, pergunta-lhe o que deseja.

Anne avisa-lhe que é sobrinha de Sir William, filha de Sara, que veio conversar com ele.

Espantado, o mordomo John olha-a de cima a baixo e responde que não poderá atendê-la, está ocupado com documentos. Anne insiste, dizendo-lhe que o assunto é grave e ele corre a atendê-la.

Faz com que Anne entre e fique horas esperando o tio, sentada numa cadeira dura. Quando já está quase a desistir, aparece Sir William, com passos arrastados e barulhentos, de bengala, mancando de uma perna.

Seu valete quer ajudar, mas o velho dispensa com estupidez. Ao avistar Anne, pergunta logo:

— Com que então você é filha de Sara, uma irmã que nem sabia que ainda vivia. O que será que a fez lembrar-se desse velho? Só pode ser uma coisa, dinheiro!

Anne, envergonhada, corada até os ossos, responde-lhe que estão bem, sim, lembrando sua mãe de saber da saúde dele, e com saudades do irmão que há muito não via.

— Quem sabe o senhor precisa de alguma coisa? Algum cuidado especial, já está idoso, seria bom ter a família por perto, argumenta, corajosa.

— Uhm...Uhm... Sir William dá uma risada alta, acompanhada de um ataque de tosse tão forte, que seu empregado corre a dar-lhe um copo d’água, com umas gotas dentro.

Anne, assustada, ajuda a colocá-lo em uma cadeira.

Sir William nem agradece, mas fica olhando-a com olhinhos astutos e inteligentes. Acha-a graciosa e lembra-se, involuntariamente, de sua mãe. Talvez a única pessoa que gostou na vida.

— E seu pai, aquele malandro jogador? Como anda? Coitada de sua mãe. Deve passar mal bocados com aquele homem. Bem que a avisamos para não se casar com ele! Pergunta o tio.

Anne, sem pensar, responde rápido:

— Está difícil mesmo, mas vamos indo… Não é por causa dele que estou aqui.

— Ah! Não! Retruca o velho, rindo novamente. Então, por quê?

Anne, nervosa e trêmula, pergunta-lhe se não precisa de nada? Sabe um pouco de enfermagem, gosta muito de ler em voz alta, organiza as despesas e orienta empregados, vem oferecer-lhe seus préstimos.

Sir William, ainda rindo, soube que o pai dela perdeu a casa no jogo e não deixa de admirar a coragem dessa sobrinha esperta, que precisa de dinheiro e vem oferecer trabalho. Foi assim que ele começou sua fortuna.

Os jornais de Londres também faziam fofocas e sobre eles o comentário corria solto. Coisa grave, coisa feia! Que coisa! Mexer assim com o nome deles.

No íntimo, Sir William começa a admirá-la, mas, sem perder a estupidez costumeira, pergunta-lhe se gostaria de ajudá-lo na contabilidade de sua mina de carvão. O contador cometeu uma falha e dispensou-o, na hora. Se ela quisesse substituí-lo, seria bom. Os ganhos seriam poucos e estudaria primeiro o seu desempenho.

Anne não acredita no que está ouvindo e, apesar de tê-lo detestado, sai dali feliz e corre a contar a novidade à mãe e às irmãs.

Inicia logo o trabalho no escritório do tio, que pela idade e desconfiança de todos, está uma bagunça. Trabalhada a fazer. Que coisa!

Sir William, apesar de velho rabugento, anda meio adoentado e, satisfeito pela sobrinha ir diariamente a sua casa, pretende recompensá-la. Só não fala como e quanto.

O tempo passa e a família de Anne, pais e irmãs, ficam impacientes ao saber do baixo ordenado de Anne e o muito trabalho que faz.

A jovem habitua-se, aos poucos, com o velho impaciente e nervoso, o tio que, pelo menos, recompensa-a de alguma forma. É incomum uma moça de sua idade, na sociedade, trabalhar fora e não estar ainda casada, mas conformada, cumpre suas obrigações e, quando pode, guarda um pouco de suas economias num pequeno cofre.

Dedicada ao trabalho com o tio e entendendo um pouco de seus lucros e pagamentos, descobre que existe um grupo de funcionários insatisfeitos, formando uma greve na região das minas.

Ele recebe a notícia com pragas e xingamentos, ameaçando seus empregados com polícia e dispensas, caso não voltem ao trabalho. “Uma corja de vagabundos! ”, exclama. " Coisa de preguiçosos! ”

Anne consegue descobrir uma falha nas suas contas. Realmente, não ganhavam o suficiente para viver, sendo a parte reservada a eles, alterada por um gerente que fica com uma parte dos lucros.

Sir William, devido à idade, andou menos preocupado com as finanças que o fizeram enriquecer. Satisfeito com o trabalho da sobrinha e querendo que continue ao seu lado, expulsa o gerente, readmite os empregados e recompensa Anne com uma soma de dinheiro suficiente para adquirirem a casa da família, novamente.

Chama-a ao seu escritório, abre uma gaveta fechada com a chave e oferece-lhe preciosa gema, uma joia de família, com brilhantes e esmeraldas, o presente de seu futuro casamento com Anderson.

Anne, encantada, mal sabia da existência dessa joia e, agradecida, convida-o como padrinho do casamento, que o tio, meio a contragosto, aceita, aborrecido, de aparecer em público. Coisa chata, mas, para agradar à sobrinha, demonstra afeto.

E assim os dotes das meninas ficaram também salvos, com a garantia do tio que Anne conseguiu transformar.

Essa história repercutiu bem na sociedade londrina, com o casamento legal de Anne, Rose e Mary. 

Que coisa legal, de boa!

 

 

quarta-feira, 22 de maio de 2024

Tanta Coisa… - Hirtis Lazarin

 

Tanta Coisa…

Hirtis Lazarin

 

No caminho da vida

Deparamos com pessoas e coisas

Pessoas que não são grandes coisas

E outras que nos trazem muitas coisas boas.

Mas uma coisa é certa:

Muita, muita coisa vamos descartar.

Por isso e outras coisas

É preciso saber “coisar”.

Coloque cada coisa no devido lugar

Uma coisa de cada vez

Afinal uma coisa é uma coisa

Outra coisa é outra coisa.

Se alguém é cheio de coisas chatas

Coisa chata a gente manda embora.

Logo atrás vem gente fina

Cheiinha de coisas boas

É… gente fina é outra coisa

E gente boa é coisa boa.

E é nesse vaivém da vida

Driblando coisas boas e coisas ruins

Encontraremos, quem sabe,

Essa tal coisa que chamam de felicidade.

           
Entendeu
o espírito da coisa?

 

terça-feira, 21 de maio de 2024

QUE COISA!!! - Helio Fernando Salema

 




 QUE COISA!!!

Helio Fernando Salema

 

 

Numa reunião entre amigos, sempre ocorria nos fins de semana, depois de uma partida de futebol, também conhecida como pelada dos veios. Eles começaram a falar de coisas estranhas que aconteceram. Algumas verídicas e outras, certamente, criadas pelo teor alcoólico e impulsionadas pelo interesse em participar.

 

Houve histórias das mais variadas, alguns mencionaram coisas acontecidas na própria família ou na dos vizinhos. Também de colegas de serviço, amigos e, como não podia faltar, coisas dos inimigos.

 

Depois que quase todos haviam matraqueado, Justino Leal, com a cabeça cheia das coisas ditas pelos companheiros, decidiu falar das coisas de seus parentes. Contou que na sua família todos haviam conseguido ganhar nessas coisas de apostas. Ele era o único que nunca acertou em coisa alguma.

 

Numa noite, seu tio sonhou com um cavalo branco, em disparada. Dias depois foi ao jóquei pela primeira vez. Mesmo sabendo que o cavalo branco, que iria correr naquele dia, era o menos cotado, hesitou por um momento, mas cedeu à voz do sonho e acabou apostando tudo que tinha. Ganhou e trocou o fusca 69 novinho, de cor azul, por outro fusca 69, porém branco… Que coisa! Só porque era o branco da sorte.

 

O irmão, mais velho, várias vezes acertou na coisa da quina. Numa dessas, ganhou tanto que deu uma festa para os amigos e familiares. Foi uma coisa fantástica.

Alguém, então, o interrompeu:

— Você aposta em qual coisa?

— Não, eu não credito nessas coisas!

Todos riram, acabou a reunião e ficaram sem saber se as histórias, eram ou não, coisas verdadeiras.

 


A MULHER DO ANACLETO - LIMA BARRETO - TEXTO PARA LEITURA

 




A MULHER DO ANACLETO

LIMA BARRETO

 

Este caso se passou com um antigo colega meu de repartição.

Ele, em começo, era um excelente amanuense, pontual, com magnífica letra e todos os seus atributos do ofício faziam-no muito estimado dos chefes.

Casou-se bastante moço e tudo fazia crer que o seu casamento fosse dos mais felizes. Entretanto, assim não foi.

No fim de dous ou três anos de matrimônio, Anacleto começou a desandar furiosamente. Além de se entregar à bebida,  deu-se também ao jogo.

A mulher muito naturalmente começou a censurá-lo.

A princípio, ele ouvia as observações da cara metade com resignação; mas, em breve, enfureceu-se com elas e deu em maltratar fisicamente a pobre rapariga.

Ela estava no seu papel, ele, porém, é que não estava no dele.

Motivos secretos e muito íntimos, talvez explicassem a sua transformação; a mulher, porém, é que não queria entrar em indagações psicológicas e reclamava. As respostas a estas acabaram por pancadaria grossa. Suportou-a durante algum tempo. Um dia, porém, não esteve mais pelos autos e abandonou o lar precário. Foi para a casa de um parente e de uma amiga, mas, não suportando a posição inferior de agregada, deixou-se cair na mais relaxada vagabundagem de mulher que se pode imaginar.

Era uma verdadeira "catraia" que perambulava suja e rota pelas praças mais reles deste Rio de Janeiro.

Quando se falava a Anacleto sobre a sorte da mulher, ele se enfurecia doidamente: — Deixe essa vagabunda morrer por aí! Qual minha mulher, qual nada! E dizia cousas piores e injuriosas que não se podem pôr aqui.

Veio a mulher a morrer, na praça pública; e eu que suspeitei, pelas notícias dos jornais, fosse ela, apressei-me em recomendar a Anacleto que fosse reconhecer o cadáver. Ele gritou comigo: — Seja ou não seja! Que morra ou viva, para mim vale pouco! Não insisti, mas tudo me dizia que era a mulher do Anacleto que estava como um cadáver desconhecido no necrotério.

Passam-se anos, o meu amigo Anacleto perde o emprego, devido à desordem de sua vida. Ao fim de algum tempo, graças à interferência de velhas amizades, arranja um outro, num Estado do Norte.

Ao fim de um ano ou dous, recebo uma carta dele, pedindo-me arranjar na polícia certidão de que sua mulher havia morrido na via pública e fora enterrada pelas autoridades públicas, visto ter ele casamento contratado com uma viúva que tinha " alguma cousa", e precisar também provar o seu estado de viuvez.

Dei todos os passos para tal, mas era completamente impossível. Ele não quisera reconhecer o cadáver de sua desgraçada mulher e para todos os efeitos continuava a ser casado.

E foi assim que a esposa do Anacleto vingou-se postumamente. Não se casou rico, como não se casará nunca mais.

 

Neste link você encontrará mais informações do LIMA BARRETO:

https://youtu.be/O7tA6_gtoQ0?si=e5mx0KOR-x3E30EM

segunda-feira, 20 de maio de 2024

PARAÍSO EXISTE? - Dinah Ribeiro de Amorim

 



PARAÍSO EXISTE?

Dinah Ribeiro de Amorim

 

Heitor cresceu um bom rapaz. Boa formação, educado, estudante aplicado, formou-se em Economia. Apaixonou-se por Patrícia, a primeira namorada, com ela se casou e teve filhos.

Empregou-se num banco famoso da cidade, nele aprendendo os mecanismos e as altas transações comerciais feitas em sociedade. O espírito da ambição e da fortuna o acometeu, esquecendo-se da natureza e simplicidade que possuía.

Associou-se à companheiros iguais a ele e, mediante empréstimos de outros bancos, conseguiu fundar um banco próprio, que deu origem a inúmeros outros, espalhados pelo país, com seu nome. Acumulou imensa fortuna!

A vida social mudou conforme a nova personalidade. Trocou a antiga esposa que amava por uma mulher mais jovem, bonita e atraente, voava com jatinhos para vários países, possuía inúmeros carros, fazendas, iates, enfim, construiu um império. Tudo isso com o dinheiro que rolava entre bancos e empréstimos feitos, em confiança.

Como sempre acontece, não possuía amigos verdadeiros, mas interessados em subir às suas custas. Alguns até, no íntimo, verdadeiros inimigos, invejosos, loucos pela sua ruína.

Anos se passaram e, Heitor, apunhalado pelas costas, na gíria, entrou em falência. Sua fortuna sucumbiu. Não conseguia empréstimos, acabou a confiança do mercado. Ficou prestes a perder tudo que conseguiu obter. Devia tanto dinheiro que, mesmo vendendo todos os bens, não conseguiria pagar as dívidas.

Interessante que os homens que mais ajudou foram os que mais o traíram.

O advogado e único conselheiro particular, Dr. Horácio Pimenta, temendo pela saúde de Heitor, aconselha-o a tirar uns dias de férias, com a atual esposa, num hotel campestre, para pensar melhor na solução do problema e descansar. Quem sabe, como achou um modo de enriquecer, acharia um modo de sair da falência.

Inteligência nunca lhe faltou.

Heitor se dirige ao Resort Acalanto, lugar agradável, que transmite sossego e paz. Sente isso logo ao entrar.

Deposita seus pertences e o de Lucinda, a atual esposa, toma um banho relaxante, sente-se melhor e resolve andar um pouco, conhecer o lugar.

Lucinda fica para descansar.

Afasta-se do hotel e percorre um caminho, em direção a um monte, não muito alto, de um verde atraente, com flores coloridas e perfumadas. “Que lugar encantador”, pensa!

Para subir, depara-se com uma escadinha branca, sem corrimão, de difícil acesso. Curioso, teima em subir e visitar uma espécie de igrejinha ou templo, bem acima.

Quando está no último degrau, escorrega e cai, bate fortemente a cabeça. Desmaia.

É socorrido por um homem idoso, cabelos e barbas brancas, roupagem estranha, uma túnica grossa, parece um monge, que levanta sua cabeça e faz com que beba um líquido escuro, amargo, acordando-o logo.

Heitor tenta se levantar e titubeia um pouco, amparando-se no monge.

Agradece a ele e percebe que a cabeça sangra um pouco, o que preocupa o idoso, fazendo-o entrar no pequeno templo. Prepara-lhe um unguento de folhas que estanca o sangue. Aliviado, Heitor senta-se num banco e examina o local.

Percebe um pequeno altar com uma imagem simbólica, uma santa ou deusa, de vestimenta púrpura, mais parecendo uma indígena do que as imagens de santas que conhecia.

— Onde estou? O que é aqui? Pergunta ao idoso, ainda meio atordoado.

O senhor, coçando levemente a barba, de olhos escuros e vivos, olha-o curioso e pensativo, demora um pouco a responder.

— Aqui é a morada de uma protetora dos antigos indígenas que habitavam esse lugar, ainda cultuada e adorada por descendentes, que a visitam de tempos em tempos. Eu sou o guardião. Conheci sua história, apaixonei-me por ela e, angustiado com o mundo, resolvi mudar para cá.

Heitor, admirado e interessado, pergunta o nome dela. Quem sabe já ouviu alguma coisa.

— Ficou sendo a santa ou deusa Aruama, protegida das pessoas aflitas ou desenganadas pelo mundo. Dizem que quando se agrada de alguém que a invoca, faz brotar uma linda flor púrpura no caminho, sinal de que o pedido será atendido.

E o senhor continua...

— Perdi toda a minha família numa epidemia que teve, fui demitido do trabalho de muitos anos, era biólogo, um estudioso da natureza, principalmente das plantas. Descobri como curar vários tipos de doença. Roubaram meu trabalho. Amigos, muito poucos. Parentes, quase nenhum. Cansei-me da cidade grande, do barulho, da confusão diabólica que tem. Quando conheci esse lugar, encantei-me e resolvi ficar. Bastou a mudança de pensamento e recebi a flor púrpura no caminho. Aqui estou há quinze anos. Chamam-me, carinhosamente, de Pai Ari.

Heitor, sentindo-se solidário ao Pai Ari, identificando o seu problema pessoal com o dele, começa a se interessar pela história.

— E por que Aruama foi santificada? O que lhe aconteceu? Pergunta Heitor.

Pai Ari, coçando novamente a barba, responde:

— Ah! Isso é uma história delicada, difícil de acreditar. Falam que era uma indígena jovem, muito bonita, filha de um cacique, chefe de tribo. Apaixonou-se por um plantador branco, filho de camponeses do lugar. Família de europeus. Não se davam com índios. O rapaz também gostou dela. Mas não deu certo. Era prometida a um filho de outro cacique e, como não quis se casar, resolveram os dois amantes fugir para bem longe de tudo e todos. Como vingança, as tribos se uniram e mataram todos que encontravam pelo caminho. Brancos, índios, jovens, velhos, principalmente mulheres. Isso, até encontrarem os dois enamorados, que foram escalpelados e jogados no rio das Piranhas. Exaustos e satisfeitos, voltaram para suas tribos, mas tiveram que fugir, pois, enorme enchente que se deu no rio, alagando e afogando quase todos. Só alguns índios puderam voltar, quando a cheia do rio baixou, brotando em suas margens lindas flores de cor púrpura. Ah! Acharam também no seu leito a linda imagem da jovem sacrificada, que é essa que está aí, nesse altar. Verdade ou lenda, depende da fé de cada um. Faz parte do folclore indígena.

Heitor, distraído, acredita que aquele lugar é encantado mesmo, mas consulta o relógio e vê que é tarde, precisa voltar ao hotel. Sua mulher deve estar aflita.

Despede-se do Pai Ari, que não quer o deixar ir, mas vai descendo as escadas devagar, temendo nova queda e ainda meio tonto.

Chega rápido ao resort e tem uma surpresa! Não está naquele lugar. Seu nome nunca esteve na agenda! Pede a chave do quarto para verificar suas coisas e, outra surpresa! Nada seu se encontra ali.

Pergunta pela esposa e ninguém a conhece. Meio desesperado, procura o celular e liga ao Dr. Horácio, o advogado amigo.

Horácio atende o telefone e pergunta se ele está bem? Nunca indicou nenhum hotel a ele e, Lucinda, acaba de ligar de casa, perguntando por ele.

Heitor, na dúvida momentânea que o acomete, pensa que enlouqueceu.

Senta-se no hall de entrada e medita: “Será que errei de hotel? Tive uma pancada na cabeça. Mas lembro-me daqui. Até o gerente é o mesmo. Que confusão está havendo, meu Deus? ”

Nessa hora, Heitor lembra-se de Deus, o que nunca fez antes.

Vem à mente a traição! Até do amigo advogado e sua esposa. Querem confundi-lo. Talvez o internar como louco! Um modo de assumir seu lugar e ficar chefiando tudo.

Mais calmo, acostumado com essas reviravoltas que acontecem na vida e nos negócios, experiências, que talvez também tenha aprontado, resolve telefonar a Lucinda.

— Estou aqui em frente ao Resort Acalanto, onde combinamos, que horas você chega?

— Nossa, querido, responde ela. Não me lembro de ter combinado nada. Estou até preocupada com você. Que horas volta? Deve estar muito estressado, mesmo. Acabei de chegar da casa de uma amiga. Estávamos jogando.

Heitor fecha o celular e joga-o longe. O gerente, na recepção, pergunta-lhe se precisa de um médico?

Ele agradece e sai meio cambaleante, pensando no que fazer. A cabeça funciona, e bem. O primeiro pensamento que lhe ocorre é dirigir-se ao Pai Ari, antes que escureça.

Deixa o carro no estacionamento em que estava, isso não mudaram, e retorna ao templo de Aruama, à procura do Pai Ari. Nunca pensou que o passeio para relaxar fosse terminar assim. “Que situação difícil! ” Pensa.

Pai Ari o recebe sem espanto, como se já esperasse o retorno. Ao vê-lo tão angustiado, faz com que o acompanhe até o altar de Aruama, se ajoelha e recita uma prece, em voz baixa. Em seguida, leva-o até seu alojamento, um pequeno quarto nos fundos, e convida-o a deitar-se e tentar dormir um pouco.

Heitor quer desabafar logo tudo o que sente, mas Pai Ari recomenda-lhe silêncio, não está ainda em condições e obriga-o a tomar um chá calmante.

Heitor, cansado e sem ação, adormece logo e relaxa, relaxa e sonha...

Encontra-se sozinho, num terreno escuro, rodeado de sombras ou vultos que o impedem de caminhar. Assustado, procura com o olhar uma saída, uma claridade para fugir. Após um tempo tenebroso, avista ao longe um raio de luz, parece o nascer do Sol após a negritude de uma triste noite. Em desespero, vai em sua direção. Encontra-se agora num lugar tranquilo, de céu azul, com algumas nuvens brancas. Pessoas caminham, suavemente, enquanto outras, sentadas, conversam e sorriem. Para Heitor, saiu do inferno e alcançou o Paraiso. Sentiu um bem-estar e uma felicidade que nunca teve antes. Não queria acordar mais desse sonho!

Delicadamente, Pai Ari o chama, amanhece.

Heitor, ainda sonolento e, mais calmo, lembra-se do acontecimento anterior e, após ligeiro e simples café, sentam-se num banco e inicia a sua história. Conta os problemas que acontecem na profissão, na atual situação financeira e, as tristes surpresas do dia anterior. Confuso, inseguro, sem ação, está perdido no dilema da vida.  Não sabe o que fazer...

Pai Ari, ao escutá-lo, não se impressiona, acostumado a ouvir histórias semelhantes, há anos.

Sua primeira pergunta é como era a vida, no início da profissão, o que mais gostava?

Heitor não se lembra, só recorda que era um homem simples, comum, um economista de um banco, sem grandes aspirações. Não tinha também muitos problemas. Uma boa esposa, três filhos normais, que agora via ocasionalmente, não acompanhou muito o crescimento deles.

— Era mais feliz, nessa época? Como enriqueceu tanto, de repente? Pergunta o guardião.

Heitor pensa um pouco para responder e acha que foram oportunidades que viu e teve, lidando com dinheiro e negócios. A vontade de adquirir mais coisas, melhorar socialmente, de posição e vida. Reconhece que se tornou ambicioso e a vaidade o atraiu.

— E agora, meu amigo, o que pretende fazer? Desistir de tudo, vontade de voltar ao passado ou enfrentar o presente e lutar contra todos, arriscando-se a perder? Pergunta Pai Ari.

Heitor responde que essa é uma pergunta que não sabe responder, no momento. Talvez encontre uma saída, uma maneira de vencê-los. Pede-lhe para ficar por ali, uns dias, já que não sente vontade de voltar, por enquanto. Começa a sentir paz e calma, naquele lugar. Não sabe explicar como, após tantas confusões.

Pai Ari fica contente com isso, concorda que deve descansar. Necessita de auxílio numa horta e de alguém para conversar com ele.

Heitor pensa em ficar nesse lugar simples, sem o conforto que tem, uns três dias, mas acaba sendo uma semana ou mais. Ajuda o Pai Ari na plantação, acompanha-o no seu trabalho, plantar sementes, afofar a terra, recolher verduras. Isso o lembra de uma fazenda que possui e deixou o filho mais velho para cuidar, uma plantação de café. Nem sabe a quantas anda! Ele dorme bem, acorda satisfeito, mais desligado dos seus problemas de falência, sem grande preocupação com o futuro.

Pai Ari nota nele, aos poucos, uma transformação. Sumiu aquele homem transtornado e revoltado, volta a tranquilidade e o gosto pelo simples da vida, comer, dormir, lidar com a terra, fazer o próprio pão, retirar a água de uma cisterna, cuidar dos próprios alimentos, desligar-se das notícias e falsidades do mundo.

Pergunta-lhe do que mais sente saudade? “Lembro-me, às vezes, da minha vida anterior, minha primeira esposa, o nascimento dos meus filhos, os amigos que tinha”, Heitor responde.

E continua...

“Acho que chegou a hora de voltar, amigo. Dar um basta na vida atual, tentar saldar a minha grande dívida, ver se consigo conservar uma fazenda, voltar à minha cidade, quem sabe, ao Banco em que comecei, o diploma ainda conservo”.

Pai Ari sorri, satisfeito e pensa: “Aruama ainda age no mundo. É força do Bem! ”

Heitor despede-se do novo amigo, promete voltar para contar boas novidades e vai em busca do carro. Ao descer a escada, olha para cima e, além do Pai Ari, avista uma flor púrpura que desabrocha ao lado do último degrau. Emociona-se, sente uma lágrima que escorre, para sua surpresa.

O tempo passa, Heitor enfrenta grandes batalhas judiciais, coisas ruins o espera. Consegue vender seus bens, se desfazer de várias empresas e cargos, com tranquilidade e paz. Possui o auxílio de um médico, antigo amigo, para livrá-lo de acusações de loucura. Salva a fazenda de café, que doa aos filhos e, quando tudo se acalma, procura saber como está a antiga esposa. Encontra-a na cidadezinha em que a conheceu, mais velha e acometida de um câncer maligno, auxiliada por uma cuidadora. Os filhos, visitam-na ocasionalmente.

Compadecido, estabelece-se na cidade e procura ajudá-la, quer compensar o abandono que teve e o rompimento. Patrícia, o antigo amor, não acredita que ele está voltando para vê-la e ainda a ajudar. Fica mais feliz, apoiada pelo ex-marido. 

Um novo Heitor reaparece, após dois anos, para visitar Pai Ari, que o recebe carinhosamente, coçando a barba comprida e sorrindo feliz.

— E aí, amigo? Novidades boas? Demorou a voltar. Saudades nossas? Exclama.

— Sim, Pai Ari, não os esqueci e volto para agradecer o bem que fizeram à minha vida.

“É, Aruama, com sua história triste, ainda tem força para transformar vidas e distribuir flores! Deve estar em algum Paraíso mesmo! ” Reafirma seu guardião. “Virou um anjo a serviço de Deus! ”

 

 

segunda-feira, 13 de maio de 2024

Corda Bamba - Adelaide Dittmers

 

 


Corda Bamba

Adelaide Dittmers

 

Antonio recostou-se na espreguiçadeira do hotel.  Os olhos perdidos na imensidão do oceano.  Sentia-se cansado. O acúmulo de responsabilidades do cargo que exercia naquela grande empresa americana, o estava deixando estressado.

As críticas veladas de seus pares ao presidente pela cobrança de informações necessárias ao bom funcionamento de sua área de trabalho chegavam ao seu conhecimento e o estavam deixando muito incomodado e inconformado por não chegarem diretamente a ele. Sentia-se traído.

Ocupava esse cargo importante por sempre ter se dedicado e se esforçado para alcançar os objetivos da empresa.  Não conseguia entender a displicência dos outros departamentos em lidar com questões importantes para o sucesso dos negócios.

O olhar de raiva e desprezo de Maurício, na última reunião, não saía de sua memória, por ele apontar vários erros em sua gestão.  Cruzou e descruzou as pernas para livrar-se do incômodo que esse pensamento lhe causou. 

A imensa área sob seu controle funcionava como um relógio suíço.  Seus funcionários eram eficientes e constantemente treinados, incentivados e elogiados pela dedicação aos seus trabalhos.  Era um bom chefe e se sentia admirado e estimado por eles.

O problema era a empresa em geral, que tinha muitos problemas a resolver. O presidente parecia aberto aos seus conselhos, mas sempre muito cauteloso em aceitá-los.  Ultimamente, Antonio estava impaciente e demonstrava isso com atitudes descontentes, e seu nervoso vinha à tona com frequência.

Até que na última reunião, o presidente diz-se estar muito preocupado com ele e que deveria tirar umas férias para não ter um esgotamento nervoso

Ficou surpreso com essa sugestão, mas realmente achou que tinha que descansar um pouco. E, por essa razão, estava ali naquele luxuoso hotel em um lugar paradisíaco para colocar as ideias no lugar, tentando equilibrar seu estado de espírito que ultimamente balançava de um lado para outro em um mar de dúvidas sobre si, sobre aqueles que o cercavam e sobre certas questões administrativas.

Balançou com vigor a cabeça de um lado para outro para expulsar seus pensamentos, depositou o copo na mesinha e levantou-se num ímpeto.  Respirou fundo.  Precisava caminhar. Foi até a beira do mar e parou por um momento, deixando as ondas lamberem mansamente seus pés.  O contato com a água o levou a um delicioso torpor.

Começou a andar devagar pela extensa praia de brancas areias. A brisa marinha aliviava o calor do sol. Uma sensação de paz, há muito não sentida, o invadiu e ele seguiu pela orla despreocupado, sentindo uma suave energia. O cheiro salgado do mar entrava pelas suas narinas e sua alma.

De repente, uma mão o agarrou com força, por trás.  Tentou virar o corpo e se desvencilhar, mas não conseguiu, algo pontudo perfurou um flanco de seu corpo e, quando se virou com dificuldade, viu um homem desconhecido correr para fora da praia, embrenhando-se na vegetação costeira. A dor o contorceu, mas juntando todas as suas forças, foi capengando e arrastando os pés para alcançar o hotel. Chegou ao jardim, quando então perdeu os sentidos.

O alvoroço se espalhou pelo local.  Pessoas correram para socorrê-lo.  Gritavam umas para as outras para que fosse chamada uma ambulância.  Um hóspede amarrou uma toalha fina em volta dele para estancar o sangue e deu ordens para carregá-lo até uma van pertencente ao hotel.  Não havia tempo para perder. Gritou ele.

Internado na emergência do pequeno hospital da cidade, teve que ser submetido a uma cirurgia de urgência.  Permaneceu alguns dias no hospital e logo que estava melhor partiu para São Paulo. Não quis que a família fosse avisada para não assustá-la.

Quem teria planejado esse ataque, não foi um assalto.  Ele não levava nada para ser roubado, apenas o celular, que permaneceu em seu bolso. Sua cabeça latejava mais que o ferimento. Maurício não gostava dele. Não, ele seria incapaz. Esses pensamentos o atormentavam.

Vários funcionários da empresa e o presidente foram visitá-lo. O misterioso acontecimento espalhou-se pela empresa como um rastro de pólvora. Cada um dando sua versão do que poderia ter acontecido.

Completamente recuperado, voltou à empresa.  Todos o receberam efusivamente, até os supostos desafetos manifestaram solidariedade pelo acontecido.

Uma nuvem negra, porém, pousava sobre ele. Quem fizera aquilo e por quê? O seu temperamento forte não era motivo, nunca prejudicara ninguém.  Se o suposto facão tivesse sido enterrado um pouco mais fundo, ele não teria se salvado.  Quem teria desejado sua morte?

Chegou ao seu escritório e sentou-se, estendendo as pernas e os braços para tentar relaxar.  Um envelope pardo, em que se lia em letras garrafais “Confidencial”, endereçado a ele, estava sobre a escrivaninha. Pegou-o curioso e o virou.  Quando leu o remetente, jogou o corpo para trás para absorver a surpresa. A carta vinha da presidência do grupo, cuja sede era nos Estados Unidos.

‘Por que eles estavam lhe enviando uma carta confidencial diretamente para ele? ’ Perguntou-se.

Com muito cuidado, abriu o envelope.  Conforme foi lendo, sua expressão foi ficando alterada.  Nela foi avisado que o presidente da empresa brasileira tinha feito um grande desfalque e perceberam que ele, Antonio, estava muito perto de descobrir pelos relatórios e documentos enviados a eles. Por meio dessas informações, fizeram uma grande e secreta investigação e chegaram ao presidente. Pediam também para se manter discreto e disfarçar o que estava acontecendo até que o homem fosse indiciado.

Então, fora essa a causa verdadeira da sugestão de afastá-lo.  Lembrou-se que muitas vezes comentou com o chefe que alguma coisa estava acontecendo com as contas da empresa.

Um sorriso irônico surgiu no seu rosto crispado pela incredulidade. A empresa precisava mesmo de gente competente, o homem nem fora capaz de articular um crime perfeito. E, sem poder se conter, caiu numa gargalhada.

 

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