UM POUCO DE HISTÓRIA!
Dinah
Ribeiro de Amorim
Senhor
Hiroto Kurasawa, imigrante japonês radicado há anos no Brasil, medita e lembra os
fatos da vida que conheceu. Recebeu de sua neta, Paula Yumi, um convite para
acompanhá-la à cidade de Kyoto, no Japão. Ela estuda cinema e é louca para
conhecer a famosa indústria cinematográfica e televisiva japonesa, sediada em
Kyoto, com muitos jidaigeki, filmes de ação samurai.
Hiroto
sente vontade de voltar ao Japão, todo modificado, restaurado depois da segunda
guerra, principalmente Kyoto, que conserva até hoje habitações antigas, não
atingidas pelas guerras sofridas, com alguns detalhes ainda medievais. Na
cultura, certas danças e músicas como Takigi-noh e Gagaku ainda são tocadas e
muitos parques e templos budistas, lembram a sua infância.
Sentado
na sua poltrona predileta, não consegue deixar de pensar no passado, quando foi
uma das crianças foragidas de Hiroshima com o ataque da bomba nuclear lançada
pelos Estados Unidos, em 6 de agosto de 1945, matando cerca de 250.000 pessoas,
sendo as crianças vivas levadas para recuperação em Kyoto, que era ainda a
capital do Japão.
O
alvo seria Kyoto, que foi salva da bomba atômica pela intervenção do Secretário
de Guerra americano Henry L. Stimson, que queria poupá-la por ser grande centro
cultural, conhecido por ele, anteriormente, durante viagens diplomáticas e lua
de mel.
Escolheram
então Hiroshyma por ser sede do governo militar japonês. Esse incidente trágico
colocou um ponto final na guerra do Pacífico, e transformou a cidade de
Hiroshyma hoje, como a escolhida para ser o centro da paz mundial. Com o
Tratado de São Francisco, em 1951, o controle da cidade foi devolvido ao Japão.
Em
menino, Hiroto foi criado por uma família jovem, que resolveu, juntamente com
outras crianças, emigrar ao Brasil, em busca de melhores condições de vida.
Isso em 1958, quando já entrava na adolescência.
De
espírito rebelde e revoltado, passa por terríveis situações, desde a
dificuldade da língua na escola, ridicularizado pelos colegas, até os costumes
alimentares, econômicos, etc.
Inicialmente,
o padrasto se estabelece num bairro popular e pobre, em São Paulo, na tentativa
de montar uma tinturaria. Sabia mexer bem com algodão e outros tipos de pano.
A
família aumenta, nascem novas crianças que dificultam muito o sustento e a
educação.
O
pai falece cedo, por excesso de fumo e bebidas, e o menino, aprende a viver
sozinho, deixando a mãe criar e educar os outros irmãos. Foge de casa, vai ao
interior, à busca de qualquer trabalho que o sustente. Na plantação, descobre,
que para juntar dinheiro, a maioria dos imigrantes o escondia em buracos, na
terra.
Aprende
a lidar com tudo, desde a fazer barbas e bigodes até a viver algum tempo na
praia, vendendo peixes e colares de conchas. Percorre lugares estranhos,
queimado pelo sol, cabelos compridos, era aceito entre pescadores, tribos
indígenas, grupos de hippies, enfim, como jovem, passa por várias experiências.
Percebe
que os japoneses que queriam viver bem, no Brasil, adotavam a religião cristã,
e colocavam à frente dos nomes japoneses, um português, para ser melhor aceito
como cidadãos brasileiros. Isso causava-lhe revolta.
Mais
velho e amadurecido, faz amizades com um grupo de japoneses que moravam no
interior de São Paulo, Araras, sentindo-se mais comunicativo e adaptado com os
da mesma origem e raça. Uma comunidade evangélica.
Com
o tempo, converte-se ao Cristianismo e ameniza suas revoltas íntimas.
Como
característica de todo japonês, torna-se sistemático, trabalhador e produtivo,
estabelecendo-se como plantador de laranjas, em fazendas. Mais tarde, conhecido
no ramo, aumenta o trabalho e a produção, e compra novas terras.
Hiroto
se transforma em fazendeiro de renome, resolve formar família e ajudar os
irmãos que havia deixado. Contribui também à riqueza do estado, sendo,
atualmente, São Paulo, um dos maiores exportadores de laranjas do país.
Casa-se
com Alice Sayoko, tem quatro filhos, dois homens, Milton Mikio e Pedro Takashi
e duas mulheres, Ana Yoko e Olívia Tieko, todos direcionados à agricultura e
aos estudos, com diplomas universitários.
Alguns
costumes conservam até hoje, na bela e confortável casa de fazenda, em
alimentação e cultura. Gosta dos pratos
e sopas com tofu, cozinha peixes temperados com shoyo, muitos vegetais e
frutas. Não se acostuma com os talheres brasileiros, usando até hoje os famosos
palitos japoneses. Um pouco de saquê, ocasionalmente, bebida semelhante à nossa
pinga, ajuda a aumentar o apetite. Muito saboroso é o seu yakissoba, de carne,
vegetal e frango.
As
músicas e os filmes japoneses, assiste na moderna televisão, dando preferência
e descartando os ocidentais. A saudade do Japão que ficou, a modernização e a
paz atual, o atraem. A vontade de voltar, às vezes, o ataca, não para morar,
adotou o Brasil como sua pátria, mas para reconhecer as boas mudanças.
Gosta
de lembrar da batchan, a pseudo avó que ficou no Japão quando vieram,
fortemente budista, visitou o Brasil somente para assistir ao casamento dele,
já convertido ao cristianismo. Teve que fazer dois casamentos: um em casa, com
a estátua de Buda e vestimentas budistas, e, assim que ela se foi, o casamento
na igreja cristã, a qual seguiam. Foi muita correria e atrapalhação, mas deram
risadas depois.
Com
muitos trabalhadores a seu serviço, sendo, atualmente, só o administrador dos
negócios, dedica-se aos netos, com paixão, seus herdeiros na descendência. Não
consegue negar a eles nenhum pedido ou vontade.
— E
aí, vovô, vamos ao Japão? Não quero perder essa oportunidade, pergunta a neta
Yumi.
— Acho
que sim, Paula, vou gostar muito de rever a minha Terra e a minha gente.
E
teve Hiroto a mais bela de suas aventuras, no final da vida!
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