Dois Caminhos
Adelaide
Dittmers
Paulo
acordou bem-disposto naquela bonita manhã de setembro. Abriu a janela para a
cidade, que também despertava para a vida agitada de todos os dias. Aspirou com prazer o ar fresco, trazido por
um vento suave, que balançava levemente as árvores mais abaixo. Um sabiá pousou na sua frente e assustado
quando o viu, voou para longe. Sempre
lhe disseram que um pássaro na janela poderia ser um bom ou um mau agouro.
Tinha
tomado uma importante decisão. Estava
ansioso e temeroso ao mesmo tempo. Iria
pedir a mão de Luísa em casamento. Há
algum tempo estava pensando nisso.
Amava-a muito, tinham os mesmos gostos e eram grandes companheiros. O
relacionamento já durava dois anos.
Luísa, porém, era muito independente e prezava sua liberdade. Decidida e
bem-sucedida na sua profissão. Mas tinha
um sonho, queria ser mãe e esse era o ponto difícil, ser livre ou a
maternidade.
A
buzina de um carro o tirou de seus pensamentos.
Afastou-se da janela, vestiu-se e tomou o café. O trabalho o esperava, o
dia seria repleto de reuniões, mas daria um jeito de sair e comprar um anel de
noivado. Tinha marcado um jantar para aquela noite.
No
outro lado da cidade, Luísa tomava seu café. Com o olhar perdido, sorvia cada
gole lentamente, imersa em seus pensamentos, que a estavam levando para a
conversa com o namorado no dia anterior, que enigmático, falou em lhe fazer uma
grande surpresa. Ele tinha escolhido um
restaurante elegante para jantarem. Qual
seria essa surpresa? Uma viagem às ilhas
gregas, talvez. Viajavam muito pelo
mundo, mas há algum tempo queriam conhecer as belezas da Grécia. Estava curiosa. O dia iria demorar muito a passar.
A
noite caiu mansamente sobre a cidade, as estrelas ofuscadas pelas luzes
intensas da grande metrópole. Luísa desceu do apartamento para esperar o
namorado na portaria do prédio, como o combinado. As oito e trinta em ponto, Paulo parou o caro
e partiram para o restaurante. Estava elegante, como sempre e a recebeu com um
sorriso maroto, que a deixou mais intrigada. O que ele iria aprontar?
Entraram
no luxuoso salão, onde uma mesa reservada os esperava. Ao centro um pequeno e delicado arranjo de
rosas-vermelhas, cercado por dois castiçais de velas cremes.
— O
que significa tudo isso? Ela disse
arregalando os bonitos olhos verdes.
—
Uma linda mulher merece isso e muito mais.
—
Você está muito romântico, hoje. O que
está acontecendo?
Ele
puxou a cadeira para ela sentar e acomodou-se também. Os olhos, que brilhavam com uma luz
diferente, se fixaram nos dela.
Com
voz pausada, ele disse:
— Estamos
juntos há bastante tempo. Gostamos das
mesmas coisas. Temos os mesmos objetivos e você é a mulher da minha vida.
Luísa
o olhou assustada e ansiosa.
Paulo
tirou do bolso uma pequena caixa, abriu-a e um brilhante ofuscou a visão da
jovem, que piscou, incrédula.
—
Quer se casar comigo?
Ela
se empertigou na cadeira, prendeu a respiração, soltando um profundo suspiro e
respondeu:
—
Paulo, eu te amo, mas não pretendo me casar.
Você sabe disso.
—
Por que não? Somos felizes juntos. Você sempre manifestou o desejo de ser mãe.
— É
verdade! É o meu maior sonho, mas tenho medo de morar na mesma casa e ser
privada da liberdade de fazer o quiser.
Nos damos tão bem, cada um em seu canto.
—
Não sou uma pessoa, que tire a liberdade de alguém. Você sabe disso. Sempre respeitei seu espaço.
—
Sei disso! Mas no dia a dia… tenho medo!
Um dia poderemos ter um filho, mas cada um na sua casa.
—
Pensei que você me conhecesse o bastante para ter confiança em mim. Mas vejo que me enganei.
A
decepção e a tristeza estampavam-se no rosto de Paulo. O Jantar foi
trazido. O aroma da refeição requintada
espalhou-se pelo ar. Eles quase não
tocaram na comida. O silêncio azedou a
noite tão esperada pelo rapaz.
Saíram
do lugar sem trocar uma palavra. Estavam
constrangidos. Não conseguiam nem olhar
um para o outro. Paulo deixou-a em
casa. A despedida foi fria e distante.
Arrancou
com o carro cantando os pneus. Estava
decepcionado. Entrou em um bar, em que
bebeu uma dose atrás de outra. Na madrugada, embriagado, entrou no carro e
acelerou. A visão turva o fazia dirigir
perigosamente pelas ruas quase desertas.
Ao fazer uma curva, perdeu a direção e bateu fortemente em um poste.
Desfalecido, o corpo ficou entre o airbag
e a direção.
Pessoas
de um carro que passava, pararam e o socorreram chamando uma ambulância.
No
hospital passou por vários exames e felizmente os ferimentos foram
superficiais, apesar do forte choque contra o poste. Mas ficou internado por três dias.
No
dia seguinte, um amigo comum ligou para Luísa e contou sobre o acidente. Muito
nervosa e se sentindo culpada, foi ao hospital.
Quando entrou no quarto, ele virou a cabeça e disse que não a queria
ver.
—
Paulo, me ouça! Ela implorou chorando.
—
Por favor, saia! Não quero falar com você! E apertou o botão para chamar a enfermagem.
Ela
estacou:
— Me
deixa explicar...
— Já
disse para sair! Ele disse interrompendo-a.
Como
um autômato, ela percorreu os corredores infindáveis do hospital. Aquela atitude a surpreendeu. Ele era um homem calmo e gentil. Não o estava reconhecendo. Nunca escondera seus sentimentos de
independência.
Ao
alcançar o carro, abriu a porta abruptamente e se jogou no banco. Deixou o choro contido desabar e dentro dela
brotou a certeza de estar certa em não querer partilhar o mesmo teto com
alguém.
Os
dias passaram. Várias vezes tentou
entrar em contado com o namorado para explicar o porquê de sua decisão, mas ele
não a atendia. Nunca lhe contara sobre seus pais. Eram lembranças que queria apagar. ¨ A mãe
submissa e infeliz. O pai autoritário e
dominador. O talento da mãe em pintar
quadros. As telas maravilhosas, que criava. Era uma artista verdadeira. O convite para expor em uma importante
galeria. O ataque de fúria do pai ao saber disso. Pintar para ele tinha que ser apenas uma
distração, não uma carreira. A arte era para pessoas com má índole. Era um ignorante. A tristeza que invadiu a mãe a tornou calada
e desinteressada de tudo. Nunca mais
pegou em um pincel. Eu era seu único apoio.
Dedicou-se totalmente a mim e a minha educação. Tinha dezessete anos, quando uma doença a
levou, deixando um vácuo em minha vida. ¨
Por
isso amava sua independência. Não queria
ser metade de ninguém, mas ser inteira. No entanto, tinha que encarar uma
verdade. Sentia falta da presença de
Paulo, da cumplicidade entre os dois, dos momentos alegres, que passaram
juntos. Mas tinha que esquecê-lo. Estava
tudo acabado.
Ultimamente
andava preocupada com a própria saúde.
Sempre fora forte, muita ativa e agora estava sentindo tonturas frequentes. Qualquer situação a emocionava. O cheiro da comida, a nauseava, perdera o
apetite. Precisava ir a um médico.
Voltava para casa, quando sentiu os seios
doloridos. Apertou-os com as mãos. Estavam inchados. De repente, um clarão
irrompeu em sua mente. ¨Meu Deus, será?
¨
Para
completar o caos que desencadeou dentro dela, teve que parar o carro para
vomitar. Respirou fundo por alguns
segundos. Encostou-se no banco para se
recompor.
—
Não é possível! Falou em voz alta.
Quando
chegou em casa correu para olhar o calendário em que marcava seus ciclos. Um
calafrio percorreu seu corpo. O trabalho intenso e o término da relação com
Paulo a deixaram fora do ar. ¨Não acredito! Devo estar grávida! ¨. Seu grande
sonho, mas não nesse momento. Como
contar isso para Paulo.
—
Preciso confirmar primeiro. Falou em voz
alta.
Saiu
em disparada e comprou o teste. Voltou e
teve a comprovação. Uma emoção desconhecida misturada a um medo inesperado a
surpreendeu. Novamente disse em voz alta
para si mesma:
—
Sempre fui corajosa. Não é agora que vou
fraquejar!
Pegou
o celular e ligou para o namorado, que não atendeu a chamada. Resoluta, pegou a
bolsa e foi até o apartamento dele. Tinha a chave, mas tocou a campainha. Após insistir várias vezes, ele
finalmente abriu a porta.
— O
que você quer? Ele perguntou secamente.
—
Posso entrar? Preciso falar com você! É importante!
Ele
se afastou para ela passar. Ela desabou no sofá. Paulo permaneceu de pé. O rosto impassível.
Luísa
olhou para ele.
— É
melhor você sentar pelo que tenho a dizer. Em primeiro lugar, nunca quis
magoá-lo. Em segundo, não estou aqui
para lhe pedir nada.
—
Não estou entendendo o que você veio fazer aqui!
Ela
se levantou e o fixou firmemente.
— É
algo muito importante, que não poderia deixar de te contar. Estou grávida!
— O
quê? Grávida!
—
Devo estar de dois meses.
Ele
balançou a cabeça, incrédulo. Seu rosto demonstrava a confusão, que o tomara
por completo. A jovem ficou em silêncio,
esperando o que estava por vir.
—
Estou pasmo! Nem sei o que pensar ou dizer.
Sempre quis ser pai, principalmente após conhecê-la, mas não na
situação atual. Não quero um filho
depois do que aconteceu entre nós.
—
Mas eu quero essa criança. Mesmo que
você não queira. Eu quero! Ela exclamou
decidida.
— Se
eu tiver um filho, quero participar de sua vida. Ensiná-lo, guiá-lo e brincar
com ele.
—
Lógico, que poderá participar, mas cada um em sua casa.
—
Nunca vou concordar com isso. Se você
realmente me amasse, não cogitaria uma coisa dessas.
—
Você não sabe de nada! Não me julgue!
O
que eu não sei?
Ela
sentou-se novamente. Uma nuvem de tristeza cobriu seu rosto, as palavras saíram
em borbotões de sua boca e principalmente de seu coração ao contar sobre a
severidade do pai e o sofrimento da mãe. Quando terminou estava cansada e
trêmula.
A
surpresa e a piedade estamparam-se no olhar de Paulo, que segurou as mãos dela,
perguntando-lhe porque não lhe contara sobre isso. E com voz suave acrescentou que nunca
interferiu na necessidade de independência dela e que sempre respeitou o
trabalho e as decisões que ela tomava.
—
Mas minha mãe me dizia que meu pai era outra pessoa antes de casar...
—
Então você tem medo deque me torne como seu pai?
—
Não é isso, mas tudo o que vivi me ensinou a não dividir minha liberdade com
ninguém. Que a razão tem que estar acima
dos sentimentos.
—
Acho que está na hora de você enxergar que sentimentos e razão podem caminhar
juntos.
Abraçou-a
carinhosamente:
—
Pelo menos você pode tentar, mas vou aceitar a sua decisão.
Um
sorriso molhado pelas lágrimas aflorou no rosto de Luísa.
—
Vou pensar nisso. Prometo.
Os
meses foram passando. Paulo se tornou
uma presença constante e atenciosa durante a gravidez de Luísa. Não tocou mais
no assunto do casamento e respeitou a decisão da namorada de morar em casas
separadas,
Numa
quente madrugada de abril, o celular tocou ao lado de Paulo, que acordou,
assustado. No outro lado da linha, Luísa
dizia que estava com muitas dores, o bebê estava chegando.
Meio
zonzo ainda pelo sono, vestiu-se depressa e correu para buscá-la em casa. O caminho para a maternidade foi feito em
pouco tempo. O nervoso de Paulo
contrastava com a calma de Luísa, que gemia a cada contração.
Ela
foi levada diretamente para a sala de parto, onde o médico já a esperava. Paulo
vestiu roupas apropriadas e gorro para assistir ao parto. Depois de uma hora, o choro da criança ecoou
pela sala. Era um lindo menino. Paulo apertou a mão da namorada e a beijou. Ela o olhou com lágrimas nos olhos, e
disse:
—
Hoje eu aceito aquele anel de noivado.
Você foi incrível nos últimos meses. Confio plenamente em você. Quer se
casar comigo?
Ele
levantou discretamente o avental e retirou a caixinha da joia.
—
Não acredito! Você estava com a caixinha no bolso.
—
Sempre a trouxe comigo. A esperança de
que você reconsiderasse, esse anel sempre me acompanhou.
E
delicadamente, colocou o anel no dedo da amada.
Nesse
momento, o bebê foi colocado sobre o peito da mãe e os dois o beijaram ao mesmo
tempo.
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