SINESTESIA - exemplos:
1.
Como era bom sentir o perfume doce e quente que
seus cabelos exalavam.
2.
Uma voz de
trovão cuja amargura incomodava a pele.
3.
Minhas mãos cálidas conversam com as suas que, descoradas,
não têm nada a falar.
ESPINHO
NA CARNE
Vanessa Proteu
Ana tinha quinze anos quando se apaixonou pela primeira vez. Ela era uma menina cuja meiguice encantava quem estava ao redor. Romântica e cheia de sonhos, esperava conhecer o amor. Aquele amor que lia nos livros e que de alguma forma despertava nela o ardor do cheiro suave das manhãs. Uma mistura intensa de suavidade e aconchego com o frio na barriga e o suar das mãos.
Neste contexto, ela encontra o Ícaro, um
jovem de dezoito anos, muito conquistador, bela figura, de olhar misterioso, de
braços fortes. Ao vê-lo, Ana logo pensou que seria ele o seu Jack, mas que, ao
contrário do filme Titanic, teria um final feliz.
Seus olhares se entrelaçaram e era como se suas almas tivessem se abraçado ao ouvir o som pulsante de seus corações.
Teria Ana encontrado, de fato, o amor? São, indubitavelmente, imprecisos os caminhos do idílio. Um relevo de cores tomava o coração dessa doce menina. Ícaro havia chegado pouco antes da partida do pai dela, que morrera vítima de um infarto. Tal acontecimento tinha abalado o coração da jovem, mas ter ao seu lado alguém tão carinhoso, prestativo e gentil, trouxe o conforto e o consolo de que precisava.
Todas as vezes que ela estava ao lado dele, o tempo parecia repousar como se tivesse em uma rede tecida de ternura. Ícaro era apaixonante e apaixonado por música popular brasileira, por livros, por jogos e por Ana. Pelo menos era o que parecia.
Ele também amava fazer surpresas. Certa
vez, acordou sua namorada com o som do violão, cantando uma bela música de Chico:
“O meu amor
Tem um jeito manso que é só seu
E que me deixa louca
Quando me beija a boca
A minha pele toda fica arrepiada
E me beija com calma e fundo
Até minh’alma se sentir beijada”
Três anos de namoro e tudo continuava perfeito. As brigas eram sensatas, as risadas eram intensas e a alegria arrebatadora. Ela era ciumenta, mas na medida certa para não desandar a massa que a vida sovou. Ele já não se importava tanto que a beleza dela atraísse olhares, pois dizia que era privilégio seu ter o amor de tão bela moça.
Ícaro, no entanto, teve que viajar por uns dias — disse que era uma viagem a trabalho. Ora, Ana morria de saudades, pois não se acostumara a ficar longe do seu futuro noivo. Eles haviam combinado que o noivado sairia assim que ele voltasse e conseguisse esse novo emprego.
Os dias se passaram e Ícaro não retornou conforme o esperado. Suas conversas com Ana também diminuíram. Ele quase não pegava mais o celular. Ela o percebia distante. Será que o amor por ela havia perecido? O que estava acontecendo? Tanta coisa passou pela cabeça dela, mas seu coração não queria acreditar que algo tão vívido estava ficando tão frio. Ela o perguntava diversas vezes o que estava atrasando sua chegada e ele dava respostas que não a satisfazia.
Já estava fazendo um mês que Ícaro havia viajado. Os pais dele foram ao seu encontro dizendo que trariam notícias. Isso deixou a pobre garota ainda mais apreensiva. — O que ele estava escondendo? Será que ele encontrou outra e não sabe como terminar? Será que não me quer mais? Estou tão triste, disse Ana ao desabafar com uma amiga em uma cafeteria perto de sua casa.
Gleice, sua melhor amiga, a aconselha dizendo que sabia que aquele relacionamento já tinha dado o que tinha que dar e que Ana tinha que se permitir conhecer novas pessoas, afinal, Ícaro era o primeiro e único namorado que ela teve. Gleice achava que sua “best friend” não merecia ser tratada assim e que muito possivelmente ela estivesse sendo traída. Lágrimas desciam dos olhos de Ana que jamais pensou que esse amor fosse afundar.
Ela reuniu suas forças depois de alguns dias e resolveu ter uma conversa firme e definitiva com seu namorado. Ligou para ele na certeza de que seria a última vez. Seu coração dançava no ritmo da chamada. De repente, uma mulher atendeu. Ana desligou, sem falar nada. Entendeu, finalmente, o que estava acontecendo.
Mais tarde, o celular toca, mas Ana está triste
demais para atender. Se antes ela passava o dia esperando que seu amor ligasse,
agora ela não quer mais saber. A pessoa insiste, então ela atende. Na linha,
está o pai de Ícaro, com uma voz de trovão, cuja amargura incomodava a pele tal
qual um espinho na carne:
— Ana, eu preciso te dizer uma coisa sobre
o meu filho.
— Eu já sei de tudo, Seu Lauro, seu filho
me trocou por outra.
A voz, que antes parecia um trovão, foi
diminuindo a intensidade até que ficasse apenas um sussurro.
— Não, Ana, Ícaro está doente.
— Como assim? Ele não me disse nada. Saiu
daqui muito saudável. Não estou conseguindo entender.
— Ele saiu da cidade visando confirmar um diagnóstico do qual já desconfiava. Ele nos proibiu de contar a você, pois a ama tanto que não suportaria vê-la sofrer.
Ela chorava de maneira tão profunda que o céu se inclinava para ouvir o seu clamor. Era um espinho que entrava na carne e penetrava a alma de Ana.
Em desespero, viajou para ver o amor de sua vida que estava passando por uma cirurgia no hospital. Ansiava em vê-lo, mas teve que esperar o momento certo para matar a saudade e dizer para ele o quanto ela havia se enganado e os dois iam rir daquilo como sempre faziam depois de uma briga.
Ao entrar no quarto e olhar para o seu
amor, Ana viu que a fragilidade o deixara ainda mais forte, ainda mais belo e
ainda mais amado. Aproximou-se dele timidamente. Não estava habituada a vê-lo
tão inerte. Cantou para ele a música de Chico Buarque com mais emoção do que o
próprio autor. Deitou em seu peito e tocou-lhe as mãos enquanto recitava versos
de Vanessa Proteu:
“Minha voz a te seguir
E a sua a fugir,
Preferindo quietude
Sobre os pés não há chão
Há um tapete de nuvens
Chegará ao coração?...
Minhas mãos cálidas
Conversam com as suas
Que descoradas
Não têm nada a falar...”
O amor, no entanto, tem uma força mágica capaz
de remover qualquer farpa do coração. Às lágrimas de Ana, regadas de oração,
Ícaro foi despertando. Pensou que estava no céu, pois via a figura de um anjo em
sua frente. Suas almas fizeram uma permutação. Ele chorava, ela sorria. Era o
encontro mais perfeito que tiveram, ainda que no hospital.
— Estou aqui, meu bem, de volta para você.
Não deixei de te amar, só não queria que meu sofrimento a machucasse.
— Ora, sofri por estar longe de ti. Mas
não ia permitir que morresse me devendo.
— Eu estou te devendo, meu amor?
— Sim, me devendo um noivado.
— Ah, é verdade. Assim que conseguir me
mexer pagarei minha dívida com amor.
Querida Vanessa,
ResponderExcluirSua escrita me encanta, a forma como você tece o texto, a sucessão dos fatos, os termos utilizados, tudo me cativa.
Você é indubitavelmente uma excelente escritora.
Parabéns!
Pedro Henrique Silva