Trauma
Vanessa
Proteu
“Durante a fuga, deixei
escapar um grito: Ahhhh! Fugi sem rumo e, ao meu redor, tudo parecia borrado. A
paisagem parecia estar fora de foco. Eu corria tão rápido e tão intensamente
que o vento vinha ao meu encontro e me empurrava na direção oposta.
Ora, nesse trajeto, perdi o
lenço que envolvia meu pescoço. Não era qualquer acessório. Era simplesmente o
meu lenço favorito! Um tom de verde suave, que meu namorado insistia em dizer
que era azul. Bem, talvez fosse. Mas, eu nunca iria dar o braço a torcer (não
sou esse tipo de mulher).
Por ser um presente tão
especial e por ter um valor sentimental, eu até pensei em voltar e recuperá-lo que
era tão importante para mim. Todavia, meus instintos me faziam ir e ir cada vez mais até que me perdesse no horizonte.
É
claro que a cada curva encontrada, o horizonte se apresentava mais e mais
distante. Eu já estava ficando cansada. Minha garganta estava seca e com um nó
daqueles bem apertados. Eu iria chorar? Não era o que eu gostaria, mas como
represar as águas que as mágoas me trouxeram?
Não sei se sentia mais falta
do lenço ou da minha dignidade que ficara para trás enquanto eu, feito louca,
corria. Por que uma mulher tão forte como eu fugiria? A menos que, fugir não
fosse a palavra adequada para o que eu fiz numa atitude de desespero. Eu
poderia ter ficado e resolvido as coisas.
Fui diminuindo os passos, ao
passo que ouvia o som dos pássaros. Então me dei conta de que havia chegado em
uma praça. Pensei em olhar para trás. Será que seria o momento? Eu já tinha
corrido o suficiente e pensei que, quando eu me virasse, ele estaria lá.
Respirei, assim, bem
profundamente, a ponto de encher meus pulmões com aquele ar puro que vinha da
praça. É melhor eu contar até três, pensei. E assim eu fiz.
Ao virar- me, porém, uma
surpresa… ele não estava lá. E foi terrível para mim ter que lidar com a
frustração de que o homem que eu amava não tivesse vindo atrás de mim com meu
lenço azul nas mãos e com aquele olhar atraente me dizendo que a cena que eu tinha
visto não era exatamente aquilo. Nesse momento, eu chorei. Mais uma vez eu não
queria dar o braço a torcer. Não queria acreditar que Orlando não viria ao meu
encontro para desfazer o mal-entendido (era o que eu gostaria que fosse).
O fato é que vê-lo com outra
não foi muito fácil. Aquele abraço, aquele olhar, aquela intimidade não era
privilégio meu.
Bem, eu gritei no momento em
que me deparei com aquela cena, pois tinha esperança de ser ouvida por mim
mesma. O que eu estava fazendo comigo? Há tempos o Orlando não era o mesmo. Não
dava o valor que eu merecia. Bem, talvez eu mesma não estivesse me valorizando.
Deixar o lenço cair foi um ato involuntário, como se aquilo me desse forças,
pelo menos naquele dia, com aquela idade, com aquele homem.
Percebi, no entanto, que
aquele acessório tão valioso para mim, objeto o qual eu havia deixado
cair, que havia deixado pra trás na
certeza de que o Orlando o resgataria, representava, na verdade, eu mesma.
Refiz, então, o caminho, e fui me refazendo. Quanto mais andava, mais perto de
mim eu estava. Ao encontrar o lenço, jogado no chão pardacento, eu também me
encontrei. Era o Orlando quem deveria ser deixado de lado e não eu.
Anos se passaram e aqui
estou, com uma carreira brilhante, mãe
de duas filhas lindas e casada com alguém que reconhece meu valor tanto quanto
eu.
O Orlando não pôde ter filhos,
pelo o que eu soube. Vive de barganhas, de tramoias e até hoje lamenta ter me
perdido.”
— Bem, doutora íris, se eu não
me engano, já acabou meu tempo na sessão de terapia. E eu já lhe disse tudo o
que eu tinha para dizer sobre aquele dia em que eu tive que ser mais forte do
que pensei que fosse. Em nosso próximo encontro, eu quero deitar-me em seu divã
para lhe relatar apenas as minhas conquistas.
— E você não acha que tudo o
que você relatou hoje, é também, uma conquista, Laura?
—
Hã...
— Eu te aguardo na semana que
vem, nesse mesmo horário, após você refletir mais sobre isso.