RAIVA ARDE E NÃO ACABA BEM
Claudionor
Dias da Costa
Sentado na varanda de casa
naquela tarde quente e tranquila de verão, tomando gostosa cerveja gelada e
olhando nuvens de formatos curiosos, as imagens de minha alegre infância vinham
à mente aos borbotões. Fiquei matutando com a cara risonha do Zé Pudim,
folclórico amigo de infância. Como era bom aquele menino tímido e, por ser um
tanto quanto rechonchudo surgiu o apelido, pois quando corria balançava a
barriga e era motivo de risadas da turma endiabrada de moleques daqueles bons
tempos.
A nostalgia me faz cismar sobre
a personalidade daquele amigo que sempre procurava ajudar e agradar e não fazia
conta do apelido e das gozações. Ele participava de todas as brincadeiras e até
no futebol não era tão mau jogador e, quando disputávamos partidas contra a
turma da rua de cima aparentava ser forte e nossos adversários até o
respeitavam.
Ele foi criado por sua tia Lilica,
que por sua vez tinha três filhos e uma filha, tendo sido abandonada por seu marido,
assumindo a responsabilidade de criar todos. Era uma mulher de fibra,
trabalhadora e muito amorosa e conseguia manter a disciplina deles.
Assim, aquele garoto tinha
a simpatia de nosso grupo e dos vizinhos adultos pela sua educação, amabilidade
e sorriso franco. Enfim, o que se denomina “um boa praça”.
A seguir, conto o que
aconteceu conosco e principalmente com o Zé Pudim.
Nesses pensamentos surgiu a
aventura vivida por nossa turma num dia em que combinamos de provocar os cães
do rabugento velho Menelau Ortega. Nós o apelidamos de Menelau “Urtiga”, aquela
planta que arde demais quando tocada, devido ao seu temperamento. Muito raivoso,
mal-educado, conservava sempre um olhar ameaçador. Este homem não se dava bem
com nenhum vizinho e não tolerava proximidade dos outros. Casado com Dona. Hermengarda,
que para variar, apelidamos de “Espingarda”. Formavam um casal perfeito, voltados
para tudo que era ruim na nossa avaliação infantil e que se pudéssemos os expulsaríamos
do mundo.
A antipatia daquele casal
era um prato cheio para que em nossas maquinações do que aprontar, tivessem um
sentido de vingança que nos dava mais satisfação por aumentarmos aquele rancor
naquela pessoa ignorante.
Assim, à noite como era
nosso costume fomos à rua brincar.
Com nosso plano perfeito, sorrateiramente
nos dirigimos à casa do velho Urtiga. Nossos corações batiam mais
aceleradamente e ficávamos empurrando uns aos outros para ver quem ia na frente.
Sobrou para o Zé Pudim.
A casa antiga estava
situada num terreno bem grande, possuía uma lateral de cada lado que ia ao
fundo do quintal. Já sabíamos que do lado esquerdo, poderíamos ter acesso
porque possuía um portão gradeado de ferro e os cães não teriam acesso. O muro de
entrada na rua era baixo.
Desta forma, pulamos
facilmente e caminhamos pela lateral até os fundos.
De
repente, os cães nos viram e vieram correndo até o gradil latindo muito e
rosnando com agressividade. É o que queríamos para provocar.
Aquele
ruido agudo fez com que o velho Urtiga olhasse pela janela de cima do sobrado.
Se deu conta do que acontecia, urrou como uma fera e principiou a descer ameaçadoramente.
Disparamos desabaladamente, saímos à rua e quando olhamos para trás vimos o
Urtiga com uma espingarda na mão, soltando muitos palavrões. O medo tomou conta
da turma e tratamos de nos safar. O Zé Pudim, coitado ficou para trás e bem
mais próximo do perigo. Só escutamos um tiro e vimos nosso amigo cair ao chão, gritando
muito. Até paramos e pudemos ver o velho ir embora apressadamente, talvez por
medo das consequências.
Nesse
momento, o Sr. Álvaro, nosso vizinho se aproximou e fomos todos ver o que havia
acontecido com o Zé Pudim. Ele chorava muito e o Sr. Álvaro examinou e viu que
ele havia recebido um tiro nas nádegas. Para alívio nosso ele exclamou:
— Deve estar doendo
muito, mas, foi um tiro de sal. Este era um procedimento usado para espantar
intrusos.
Zé Pudim foi levado
ao médico e tratado voltou para casa.
Nos dias que se
passaram fomos visitar nosso amigo que nos contou a sensação de dor, precisava
dormir de bruços e o bom tratamento que recebia da mãe.
Os protestos de todos
contra o velho Urtiga foi se tornando intenso por esse fato e outros. Tanta
pressão redundou na mudança dele para outra cidade. Trabalhou de meeiro numa
fazenda e se meteu em brigas e confusões. Até que soubemos que foi morto numa
dessas ocasiões devido ter agredido um outro agricultor.
Quanto ao Zé Pudim,
teve que aguentar as gozações da turma que passaram a chamá-lo de “Bundão
carimbado”. Até ele achava engraçado
Éramos felizes e
esse personagem de nossa infância bondoso e amigo de todos surpreendeu mais
ainda por ter se transformado num grande médico cirurgião.
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