MARGARETH
FOTOGRAFA UM CRIME.
Dinah
Ribeiro de Amorim
Margareth,
fotógrafa profissional, trabalha para a Revista Eventos. Sempre que surgem novidades
é chamada e, como a cidade do Aconchego está sempre acontecendo, fotografa
muito.
Frio,
calor, chuvas, dias ensolarados, lá está ela, de máquina na mão, tentando
cobrir desfiles, comícios, festividades e cenas do cotidiano, com o objetivo de
agradar o leitor.
Dias
de folga são raros e, quando acontecem, procura passá-los dormindo; mal se
dedica à família, pai e mãe idosos. Isso a contraria e, num raro domingo livre,
resolve levá-los a passear no campo. Coloca os pais no carro e fecha a porta de
casa, quando o celular toca insistentemente. É o diretor da revista que lhe
pede para fotografar com urgência um comício contra o atual secretário de saúde
da cidade. Querem sua demissão.
"
Logo Dr. Alfredo, pensa ela, um médico tão bom! Querido por todos. Qual será a
causa?"
Tristonha,
pede aos pais que voltem para casa e desculpa-se, tem trabalho. Outro dia
sairão.
Os
pais, acostumados com a sua profissão, sorriem e se preparam para o domingo de
sempre, na televisão.
Margareth
dirige rápido em direção à Secretaria de Saúde, com a entrada bloqueada por
seguranças, que impedem pessoas em tumulto.
Gritam
todos ao mesmo tempo: "Abaixo Dr. Alfredo! Queremos justiça! Devolvam
nosso dinheiro!"
Espantada,
a moça prepara a máquina e bate as fotos iniciais da manifestação, sem saber do
que se trata, mas curiosa. Locomove-se rapidamente, tenta infiltrar-se entre
eles, cada vez mais numerosos e irrequietos. Leva um empurrão e derruba a
máquina, que cai ainda explodindo fotos...
Apanha-a
com rapidez, evita que pisem, examina-a com cuidado e procura outro lugar.
Continua a observar o que acontece. Escuta um estampido, semelhante a tiro,
quando estava no meio da multidão e alguém cai. Aflita, tenta ajustar a
máquina, que não funciona. Acontece um silêncio, rodeiam a pessoa atingida, o
tumulto cessa e a maioria corre apressada. Com certeza aquilo não era previsto.
A polícia e uma ambulância chegam rápidas ao local e Margareth reconhece o
corpo gordo de Dr. Alfredo, imóvel, ser levado na maca. Policiais interrogam os
presentes, algemam os mais exaltados e percebem uma arma jogada no chão, ao
lado de um homem afro descendente. Acham-no suspeito. Aproximam-se e, com
aspereza, perguntam se a arma é dele. O homem negro nega, jogaram-na após o
tiro. Os policiais duvidam e empurram-no ao chão. Puxam seus braços e o algemam
também. “Todos para a delegacia! ”
Em
instantes, o comício se desfaz, os que conseguem fogem, a paz se restabelece.
Margareth, angustiada, vai à revista, conversar com o diretor. Confusa, mal
sabe como se explicar. Conseguiu poucas fotos, não soube o porquê do tumulto e
como foi o crime.
Thiago,
seu chefe, explica-lhe que Dr. Alfredo criou um plano de saúde barato, popular,
com pequenas contribuições mensais e promessas de atendimento. Isso não
aconteceu. Quando as pessoas necessitaram do plano, não havia nem Pronto
Socorro. Daí a revolta da população. Muitos doentes sofreram, houve até mortes
prematuras. Queriam justiça, mas, homicídio, ninguém esperou... Perderam o
controle quando o avistaram e tentou se explicar. Agora, era chegar ao culpado.
Tudo indica que foi o homem negro perto da arma.
Na
delegacia, muitos interrogatórios, quais foram os planejadores do tumulto,
detenções, deveriam ter recorrido às autoridades legais, mas o mais atingido
foi José, o negro encontrado perto da arma. Queriam forçá-lo a confessar o
crime. A maioria foi solta por falta de provas e José, sem um advogado que o
defendesse, apanhou muito e ficou detido.
Caracterizou-se
crime grave com o falecimento de Dr. Alfredo, transformou-se de réu popular a
vítima. José, o acusado violento e sem controle, preso, aguarda julgamento.
Margareth
não é jornalista nem fotógrafa policial, o caso é novidade em sua vida
profissional, mas fica atenta e medita sobre o assunto. Tem intuição que algum
erro ocorre na acusação policial. Não acredita que o José seja o culpado. Não
tem ficha policial, boa família, pobre, honesto, trabalhador, nem porte de arma
possui. Comenta com o chefe e discute as várias opiniões. Lembra-se de buscar a
máquina no conserto.
Com
a máquina na mão, Thiago revela no computador as poucas fotos antes de bater no
chão. Ele e Margareth prestam atenção e, uma delas, a última, mostra um grupo
acotovelado em torno de Dr. Alfredo, que cai após o tiro. José não está entre
eles, mas o movimento da arma sendo jogada e abandonada aos seus pés é bem
nítido, resta agora saber quem foi.
Margareth
e Thiago exclamam: ”O homem é inocente! Temos que ir à polícia. ”
Na
delegacia, ansiosos, controlam as emoções. Precisam conversar com o delegado
encarregado do caso, Dr. Mourão. Esperam minutos que parecem séculos e entram
na sala do delegado. Avisam que possuem fotos relacionadas à morte do Dr. Alfredo.
Dr.
Mourão acha que o caso está praticamente resolvido, liga a máquina de Margareth
ao seu computador, olha as fotos com ligeiro interesse. Não sabia que a moça
esteve fotografando o evento. Esse interesse aumenta quando percebe a última,
que mostra a arma sendo jogada por alguém aos pés de José. Agora. É localizar
quem esteve no grupo próximo ao médico, uma longa e difícil pesquisa. Isso
inocentou o homem preso injustamente, e orientam-no para cobrar pelos danos
morais que sofreu.
Thiago
e Margareth se confessam amigos de José e não saem da delegacia até a soltura. O
até então cabisbaixo, melancólico, amargurado e já conformado José, aparece,
quase feliz, em total agradecimento.
O
final desse caso policial será a futura reportagem que Margareth e Thiago farão,
quando a polícia descobrir o verdadeiro culpado. A revista Eventos, além das
frivolidades da cidade, cobrirá também assuntos humanitários, de interesse e bem-estar
da população.