A LIÇÃO DO CARAMUJO
Hirtis
Larazarin
André
não tinha jeito, não. Era briguento e
insatisfeito com a vida. Reclamava de
tudo. Uma família bem estruturada e pais
carinhosos. Não tinha tudo o que queria, mas tudo que precisava. Estudava numa boa escola, bons amigos e uma
namorada apaixonada.
Aos dezoito anos entrou numa crise
depressiva. Trancou-se no quarto,
janelas fechadas. A presença da luz e de
pessoas irritava-o tanto, a ponto de perder a razão e destruir o que via pela
frente. Não aceitava medicamentos nem a
presença de terapeuta. Os pais não
sabiam mais o que fazer. Enquanto as
crianças irrequietas e felizes brincavam lá fora. André definhava lá dentro.
Numa madrugada, quando a casa dormia
no silêncio da noite, ele levantou-se e, pé ante pé, atravessou os ambientes e chegou ao jardim. Sentou-se no degrau da sala iluminado pela
luz fraca do poste, as plantas adormeciam.
Nem uma brisa. Apenas o silêncio
que o confortava. Foi então que percebeu
não estar sozinho. Um animalzinho
delicado caminhava lentamente e com muito esforço carregava a casa nas
costas. E o cansaço deixava um rastro de
sofrimento por onde passava. Era um
caramujo, um molusco indefeso que visita jardins à noite e se alimenta de
folhas tenras, protegendo-se dos predadores, inimigos mortais.
De pronto o rapaz identificou-se com
ele. E todas as noites, na madrugada, André visitava o caramujo que já
se acostumara com sua presença.
Tornaram-se amigos e ganhou até um nome:
Carmelo.
Não é que o rapaz se imaginou na pele
de um caramujo.... Sentiu a dificuldade de rastejar-se pelo chão. Sentiu inveja dos pássaros que viajam alcançando
as mais altas árvores do bosque... Das borboletas de asas brilhantes que
colorem por onde passam... Até da joaninha pintada de vermelho com bolinhas
pretas espalhadas pelo corpo...
Mas o caramujo solitário não desistia
de viver. Fazia o melhor dentro de suas
parcas possibilidades. Era humilde e
aceitava o que não podia mudar. E toda
essa reflexão começou a "rebuliçar" a cabeça de André.
Na madrugada de uma quinta-feira
preguiçosa e chuvosa, ele encontrou o amigo sem vida enroscada num galho miúdo
e seco que se soltara da roseira. Foi um
choque. Chorou muito. Nem sabia que se apegara tanto àquele ser que
quase passa invisível aos olhos humanos.
Mas foi o Carmelo que o ajudou a
compreender o quanto era ingrato e egoísta.
Não foi de repente, mas aos poucos...
Foi se desvencilhando daquela casca grossa envolvente que o impedia de
ver o quanto era feliz e privilegiado.
E
o mais importante, valorizar a força que possuía para caminhar sozinho, vencer
desafios e escrever sua história.
Hoje Carmelo está guardado num vidro
ao lado dos livros de André. E a cada
vacilo, é só encará-lo que as forças depressa chegam.
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